O Brasil vai ter uma nova política externa, marcada pelo amor à pátria, que buscará fazer alianças com outros países que «lutam pela sua pátria», porque o «problema do mundo não é xenofobia, mas a oikofobia», que «é odiar o próprio lar, o próprio povo, repudiar o próprio passado». Ernesto Araújo, diplomata de carreira que assume a pasta das relações Exteriores no novo Governo de Jair Bolsonaro, traçou, num discurso marcado por citações em grego e latim, as grandes mudanças que aí vêm na afirmação de Brasil no mundo: «O Presidente Bolsonaro está libertando o Brasil, por meio da verdade. Nós vamos libertar a política externa brasileira, vamos libertar o Itamaraty [sede do Ministério das Relações Exteriores]».
Mesmo não citando diretamente o padre António Vieira e a sua crença messiânica no Quinto Império, todo o longo discurso de Araújo na tomada de posse do seu cargo está carregado de um tom messiânico, da ideia de que o Brasil tem um papel central a desempenhar na ordem internacional.
«Dom Sebastião se tornou um mito, aquele que há de voltar das ondas do mar, num dia de muito névoa. Nós não nos lembramos das pessoas que ficaram em casa, daqueles que não foram a Alcácer Quibir», disse o ministro, numa referência ao sebastianismo para traçar o paralelismo com a chegada de Bolsonaro ao poder.
«O mito ensina a não ter medo, e é curioso que o mito é o mito e no momento atual o mito é o apelido [alcunha] curioso que o povo brasileiro deu ao Presidente Bolsonaro», explicou.
Considerando que a política externa do Brasil se vinha «atrofiando por medo de ser criticada», Araújo garantiu que «a partir de hoje, o Itamaraty regressa ao seio da pátria amada». Citando Fernando Pessoa, «o poeta superior diz o que sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que acha que deve sentir», o ministro afirmou que «por muito tempo o Brasil dizia o que achava que devia dizer», o que o tornava «num país inferior», agora a coisa vai mudar de figura, porque «o Brasil volta a dizer o que sente, e a sentir o que é».
E o que sente esse Brasil? Sente que é um país «universalista», mas com opiniões: «A vocação do Brasil não é ser um país que simplesmente existe para agradar. Queremos ser escutados, mas queremos ser escutados não por repetir alguns dogmas insignificantes e algumas frases asséticas, queremos ser escutados por ter algo a dizer».
Para tal, «buscaremos as parcerias e as alianças que nos permitam chegar aonde queremos», parcerias com países que «admiramos», como Israel, como os Estados Unidos da América, como «os países latino-americanos que se libertaram dos regimes do Foro de São Paulo», como «os nossos irmãos do outro lado do Atlântico que estão construindo uma África pujante e livre», como «os que lutam contra a tirania na Venezuela», como «a nova Itália», como a Hungria e a Polónia.
No entender de Ernesto Araújo, além da oikofobia existente no mundo que tem de ser combatida, também é preciso lutar contra a «teofobia horrenda, gritante na nossa cultura» que é «o ódio a Deus» fomentado pela globalização. «O globalismo se constitui no ódio, através das suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, contrários à natureza humana», salientou o ministro.
A nova política externa brasileira pretende, por isso, combater a perniciosa ideologia fomentada pela globalização, que é a da liberdade de género, do direito ao aborto, contra a soberania. «A luta pela nação é a mesma luta pela família e a mesma luta pela vida, a mesma luta pela humanidade em sua dignidade infinita de criatura», explanou.
«Nós vamos lutar para reverter o globalismo e empurrá-lo de volta ao seu ponto de partida», sublinhou Ernesto Araújo, e, para isso, o Ministério das Relações Exteriores quer contrariar a ideia de que, «para fazer comércio e negócios, não se pode ter ideias nem defender valores».
«O Itamaraty terá, a partir de agora, o perfil mais elevado e mais engajado que jamais teve na promoção do agronegócio, do comércio, dos investimentos e da tecnologia», porque, como salientou o ministro, «ao se distanciar do Brasil e do povo brasileiro, o Itamaraty havia se distanciado também do setor produtivo nacional». De modo a garantir que isso se concretize, quer fazer dos setores de promoção comercial nas embaixadas brasileiras «verdadeiros escritórios comerciais».
Sem qualquer referência à CPLP ou a qualquer outro país de língua portuguesa, o novo chefe da diplomacia brasileira deixou uma última definição clara do que será a política externa brasileira para os próximos quatro anos: «Orientaremos todas as relações bilaterais e multilaterais para a geração de resultados concretos para o emprego, a renda e para a segurança dos brasileiros».