Abu Dhabi é uma daquelas cidades que o petróleo fez proliferar pelas Arábias, espécie de parque infantil de todos os arquitetos do mundo, desenhando edifícios das mais estranhas formas e feitios, cada vez mais altos, cada vez mais espelhados, cada vez mais extravagantes. Cidade e também Estado. Porque há Abu Dhabi capital dos Emirados Árabes Unidos e há o Emirado de Abu Dhabi, um dos sete que compõem o país, o maior de todos, por sinal. Hoje mesmo, no Estádio de Zayed, certamente com os seus 43.500 lugares esgotados, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain dão o pontapé de saída para a 17.ª edição da AF Asian Cup, que trataremos mais prosaicamente por Taça da Ásia, pela primeira vez com 24 seleções na sua fase final que terá como outras cidades-sede o Dubai, Al Ain e Sharjah, sendo que Abu Dhabi possui três estádios (Zayed, Mohammed bin Zayed e Al Nahyan), Dubai dois (Maktoum bin Rashid e Al Maktoum) e Al Ain também dois (Hazza bin Zayed e Khalifa bin Zayed).
Acredito que os nomes façam sorrir qualquer alma profundamente europeia, mas convém não esquecer que os Emirados são uma construção entretecida de cadeias familiares, com cada uma delas a levar muito a sério o seu papel de importância numa sociedade carregada de simbolismos.
Ao fim ao cabo, pouco importam os nomes dos estádios, como dizem os ingleses, «all in the family», há matéria mais curiosa como o facto de dois treinadores portugueses surgirem ao comando de duas das seleções mais poderosas, Carlos Queiroz no Irão e Paulo Bento na Coreia do Sul, além de um velho conhecido, o sueco Sven-Göran Eriksson, ter aceitado o desafio de orientar um dos ‘under dogs’, nada menos do que as Filipinas, caídas para o Grupo C, junto com a Coreia do Sul, a China e o Quirguistão.
Não fosse o chamado do deserto, que é preciso atravessar para se chegar a Al Ain, a Cidade Jardim do Golfo, um autêntico oásis na fronteira com o Omã, onde há muitos anos encontrei Nelo Vingada e António Simões na véspera de abandonarem os seus cargos no clube local, e esta Taça da Ásia seria completamente debruçada sobre o Golfo outrora Pérsico, hoje em dia Arábico, por via das manigâncias da politiquice internacional.
Os vinte e quatro
Vinte e quatro seleções, portanto, divididas em seis grupos. Desta forma: A – Emirados, Tailândia, Índia e Bharain; B – Austrália, Síria, Palestina e Jordânia; C – Coreia do Sul, China, Quirguistão e Filipinas; D – Irão, Iraque, Vietnam e Iémen; E – Arábia Saudita, Qatar, Líbano e Coreia do Norte; F – Japão, Uzbequistão, Omã e Turquemenistão. Para todos os gostos, como se vê. Dois apurados por grupo e, em seguida, eliminatórias diretas até ao encontro decisivo de dia 1 de fevereiro.
Não restam grandes dúvidas que o Irão de Carlos Queiroz se apresenta na linha da frente para erguer o troféu, até pela razão mais ou menos objetiva de ser a seleção mais bem classificada no ranking da FIFA (36.ª), única abaixo dos 40 (Austrália é 40.ª). Aliás, o antigo selecionador nacional, que já apurou os iranianos para duas fases finais do Campeonato do Mundo consecutivas, renovou o contrato após o Mundial da Rússia apenas até fevereiro, na tentativa de juntar mais um sucesso ao seu currículo e conduzir o Irão ao seu quarto título: os outros datam de 1968, 1972 e 1976.
A transferência da Austrália da Confederação da Oceânia para a Confederação da Ásia, a partir de 2005, trouxe mais um trunfo para esta prova. De tal ordem que, na última edição, disputada em 2015 – entrementes, decidiu-se descolar a competição dos anos de Mundiais, pelo que se adiantou um ano – os australianos bateram na final a Coreia doSul, por 2-1 após prolongamento, fazendo deles os atuais campeões.
Sem grande surpresa, o Japão aparece na liderança dos vencedores da Taça da Ásia: quatro conquistas, em 1992, 2000, 2004 e 2011. A forte influência que sofreram do futebol brasileiro a partir dos anos 80 veio alterar o equilíbrio de forças numa visão geográfica da matéria. Repare-se: as duas primeiras Taças da Ásia ficaram nas mãos dos sul coreanos: 1956 e 1960. A partir daí, e a despeito de terem disputado quatro finais, não voltaram a ser campeões. As potências do futebol asiático passaram a ser os países do Golfo, com a inusitada exceção de uma vitória israelita em 1964. Nesse tempo, a fase final da competição resumia-se a quatro seleções que jogavam entre si em sistema de ‘poule’. Pelo caminho, as coisas descambaram seriamente no Médio Oriente. Os conflitos militares israelo-árabes levaram ao boicote a Israel de muitos países, de tal forma que, a partir de 1974, as suas delegações desportivas foram excluídas de todas as provas asiáticas, obrigando a FIFA a fazer uma ginástica extraordinária que acabou com o salto sem rede em direção à inscrição na UEFA, onde ainda hoje se mantém, como bem sabem.
Tiraram daí proveito o Irão, Arábia Saudita e Koweit para açambarcarem as cinco taças seguintes: ou seis em sete, se preferirem. Quanto ao advento do Japão já falámos. Sobra a inédita vitória do Iraque em 2007. Com o país mergulhado no caos de uma guerra exaustiva, o treinador brasileiro JorvanVieira acreditou no impossível. A escassez era de tal ordem que cada jogador só teve direito a um equipamento, sendo obrigado a conservá-lo durante toda a competição. Não foi obstáculo para o caminho triunfante: Tailândia (1-1); Austrália (3-1); Omã (0-0); Vietnam (2-0); Coreia do Sul (0-0 e 4-3, gp); e Arábia Saudita (1-0). Na próxima terça-feira estarão de novo em campo, frente ao Vietnam. Para, em seguida, jogarem o clássico do Chatt-al-Arab, com o Irão de Carlos Queiroz.