A luta pelos direitos das mulheres na Índia tem causado tensões sociais, políticas e religiosas. Em particular no estado indiano de Kerala, que a 1 de janeiro foi palco da mobilização de cinco milhões de mulheres, que fizeram uma muralha humana de 620 quilómetros. As ativistas gritavam slogans como «defenderemos a igualdade das mulheres» e «lutaremos pelo secularismo». Contestavam a proibição de mulheres em idade menstrual no templo de Sabarimala, considerado um dos locais mais sagrados da Índia, que recebe milhões de visitantes todos os anos.
A proibição é mantida pelas autoridades religiosas e por devotos, à revelia da decisão do Supremo Tribunal, que considerou inconstitucional o impedimento. «Num lugar de culto público, uma mulher pode entrar onde qualquer homem entra», afirmou o presidente do Supremo, Dipak Misra. Já Indu Malhotra, juíza do supremo, divergiu do veredito maioritário. «Sentimentos religiosos profundos normalmente não devem sofrer interferência dos tribunais» afirmou a juiza, considerando que «as práticas religiosas não podem ser analisadas só com base no direito à igualdade.»
A polémica atingiu o pico quando o governo do estado de Kerala, uma coligação liderada pelo Partido Comunista da Índia, decidiu intervir. O estado ofereceu proteção policial a duas mulheres, Bindu Ammini, de 42 anos, e Kanaka Durga, de 44 anos, que conseguiram entrar no templo durante a madrugada de quarta-feira. «Adorámos o ídolo durante alguns minutos», disse Bindu, acrescentando que as duas tinham saído «antes que os manifestantes» as vissem.
O santuário foi fechado pelas autoridades religiosas durante um dia, para ‘purificação’. Os devotos temem que o deus do templo, Ayyappa, divindade solteira que terá feito voto de castidade, seja distraído pela presença ‘impura’ de mulheres.
O BJP, o partido nacionalista do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, convocou protestos, junto com outros tradicionalistas hindus. O líder do partido em Kerala, Sreedharan Pillai, diz que pretendem combater «a destruição da fé pelos comunistas».
Os protestos tornaram-se violentos, com os manifestantes armados com bombas artesanais e pedras. Uma pessoa morreu nos confrontos entre tradicionalistas e comunistas, e a polícia recorreu ao gás lacrimogéneo. Mais de 30 polícias ficaram feridos e pelo menos 700 pessoas foram detidas. Esquadras de polícia, tal como várias sedes do partido comunista, foram vandalizadas e o sistema de transportes do estado ficou paralisado. Vários jornalistas, sobretudo mulheres, foram atacados pelos manifestantes enquanto cobriam os eventos.
O primeiro-ministro do estado de Kerala, Pinarayi Vijayan, colocou as forças de segurança em alerta máximo, garantindo que «o governo irá lidar duramente com a violência». Quanto às acusações de subverter a religião, Pinaray reafirma que «o governo não levará nenhuma mulher à força a Sabarimala, mas protegerá todas aquelas que queiram visitar o templo».
Entretanto, segundo fontes policiais, outra mulher conseguiu entrar no santuário de Sabarimala, juntamente com o marido e sob escolta policial. A mulher em questão, natural do Sri Lanka, identificada pelas autoridades como Sasikala, de 47 anos, terá subido os 18 Degraus Sagrados do templo.
O Partido do Congresso continua dividido entre manter uma imagem nacional progressista e fazer oposição local à coligação de esquerda. Segundo fontes do Indian Express, a líder do partido, Sonia Gandhi, «terá dito aos parlamentares que poderiam continuar os seus protestos em Kerala, mas a que a nível nacional não poderiam protestar contra a entrada de mulheres no templo, porque iria contra aquilo que o Congresso defende – igualdade de género e os direitos das mulheres»