Depois de renovados desejos de prosperidade e de mudança benéfica, em que a euforia induzida por festas e festejos que nos tornaram mais humanos, acordámos para 2019 relativamente receosos.
Agravamento das assimetrias de rendimentos e de qualidade de vida, aprofundamento de tensões políticas, incerteza sobre o comportamento dos países-continente, enfraquecimento por confrontos inesperados, lideranças e declarações políticas imprevisíveis, invadem-nos o quotidiano. Parece estar-se a preparar o terreno para sermos confrontados com promessas radicais com uma matriz de soluções milagrosas e encantados por discursos políticos, embora inconsequentes, moldados à medida de todas as preocupações e egoísmos mesquinhos. Vivemos um intrigante momento de turbulência que ameaça fortemente os valores democráticos, mesmo nas democracias tidas como mais maduras.
Aqui na União Europeia, em vésperas da anunciada perda de um seu pilar chave, somos fustigados com notícias sobre uma fragilizada e intencionalmente desacreditada União, que vê iniciar um novo ano com a debilitação das grandes lideranças e com a presidência de um Estado Membro, a Roménia (que com 19,6 milhões de habitantes, representa cerca de 3,8 % da população europeia, 1,22% do PIB e apresenta um PIB per capita – em paridade do poder de compra – em torno dos 62% da média europeia) que, para adensamento de preocupações, vive uma enfraquecida democracia em que o natural primeiro-ministro não reúne as condições para exercer tais funções em razão de condenações judiciais ligadas à sua ação política. A fragilização da credibilidade dos políticos, sobretudo por corrupção e abuso de poder, esmorece e ameaça a democracia. A sua multiplicação é absolutamente inquietante.
Somos parte de uma União que sustenta a sua fundação «nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. […] numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres» (conforme o artigo 2.º do Tratado), e que dispõe da possibilidade de intervenção aquando da «existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos…» (artigo 7.º).
O ataque aos valores fundadores, embora precavido, tem vindo e vai mascarar-se de confrontação entre visões nacionalistas e europeístas, ocultando e baralhando as efetivas necessidades de aperfeiçoamento do projeto europeu, tanto por causa da ambiguidade que recorrentemente se lhe tem vindo a emprestar, como pela retórica que o envolve.
Há no projeto europeu uma ética que obriga a que se estabeleça um quadro legal, regulamentar e relacional que, antes do mais, o promova e, simultaneamente, o proteja dos ataques dos seus inimigos. Nestes tempos difíceis é altura de recuperar o sentido fundacional do projeto e pugnar pelos seus grandes princípios: afirmação da Europa como polo de referência mundial, espaço de paz, de poder do povo, de confiança e crença no progresso, de centralidade das liberdades individuais, de igualdade de oportunidades, de coesão económica e social, de prevalência da economia de mercado, de direitos naturais e de nuclearidade da dignidade e dos direitos humanos.
Nenhum Estado Membro nem a União estão isentos da criação e reforço de mecanismos institucionais que promovam em contínuo a observância quer da democracia, quer dos requisitos do grande projeto europeu, porque, só assim a sociedade europeia poderá almejar evoluir, em toda a sua extensão e neste início de ano, da liberdade política e económica para a justiça social e desta para a prosperidade geral. Bom ano.