Oposição aperta cerco a Tomás Correia

A criação da comissão de revisão de estatutos será o primeiro teste que Tomás Correia terá de enfrentar. O SOL sabe que o presidente reeleito quer pessoas da sua confiança, mas as listas derrotadas também querem ter presença. 

Os opositores de Tomás Correia querem ter um papel de peso no futuro da Associação Mutualista Montepio e, como tal, pretendem estar presentes na comissão de revisão de estatutos, assim como na assembleia-geral de representes. Duas estruturas que vão ter de ser criadas, em resultado da entrada em vigor do novo código mutualista, cujos estatutos terão de ser publicados até ao dia 2 de setembro. Trata-se de um processo que, como o SOL já avançou, poderá levar a Mutualista novamente a eleições ainda este ano.

O primeiro teste do presidente reeleito será a criação da comissão de revisão de estatutos e, para isso, terão de ser convocadas várias assembleias-gerais no decorrer deste ano. A primeira deverá ser em março, mas até lá, o conselho geral terá de decidir quem é que irá participar nesta estrutura. No entanto, a proposta da criação dessa comissão compete aos associados, que a levam à assembleia geral, uma vez que esta estrutura terá de ser independente dos órgão sociais da Mutualista. E é aqui que os opositores vão querer ganhar terreno.

O SOL sabe que a ideia de Tomás Correia é que esta estrutura tenha pessoas de sua confiança, mas as listas derrotadas no último ato eleitoral ­– António Godinho e Ribeiro Mendes, que juntos conseguiram 56,8% dos votos, dando à lista vencedora uma vitória relativa ao alcançar 43,2% dos votos – estarão a mobilizar-se para terem um papel ativo nesta revisão de estatutos. Aliás, em declarações ao SOL, António Godinho já veio admitir que «as listas que foram vencidas deviam ser chamadas a participar na comissão de revisão de estatutos para que haja uma verdadeira representação de todos os associados».

O mesmo caminho deverá ser seguido em termos de mobilização da oposição quando for criada a assembleia de representantes. Aliás a ideia do novo código mutualista é «assegurar a adequada representação dos associados por áreas geográficas, locais de trabalho ou grupos profissionais».

Esta assembleia de representantes terá não só o poder de aprovar e alterar estatutos, como também de fixar a remuneração dos membros dos órgãos sociais, aprovar contas e ainda fiscalizar os órgãos sociais, entre outras competências, esvaziando o trabalho da administração eleita. E surgem aqui outras incertezas. O novo órgão vem substituir o conselho geral agora eleito. A lei permite a existência das duas estruturas, mas o SOL sabe que a associação admite que não faz sentido manter uma duplicação de funções e de custos. Isto significa que os novos elementos do conselho geral – Maria de Belém (lista A), Costa Pinto (lista B) e Alípio Dias (lista C) – poderão nem sequer fazer um ano de mandato.

O presidente da Associação Mutualista, já defendeu, a título pessoal, que «havendo uma assembleia de representantes, deixa de ser necessária a existência de um conselho geral». Mas a decisão sobre este órgão social será do conselho de administração.

Mas as alterações não ficam por aqui. Vai também passar a existir uma limitação no número de mandatos (três mandatos). Além disso, são introduzidos critérios de elegibilidade mais exigentes para os titulares dos órgãos sociais. Para reforçar e garantir a sustentabilidade dos produtos das mutualistas, são introduzidos mecanismos automáticos de reequilíbrio entre quotas e benefícios das modalidades que os associados podem subscrever.

Todas estas alterações pretendem evitar o que se verificou no ano passado, na apresentação de contas. A Mutualista apresentou lucros de 587,5 milhões de euros, bem acima dos 7,4 milhões de euros de 2016. Isto depois de ter passado a estar sujeita a pagar IRC (imposto sobre os lucros das empresas), por decisão das Finanças, após um «pedido de informação vinculativa» da própria associação, apesar de manter o estatuto de IPSS – Instituição Particular de Solidariedade Social. Com essa alteração do regime fiscal, as contas beneficiaram do impacto de ativos por impostos diferidos superiores a 800 milhões de euros.

 

Calcanhares de Aquiles

A par da forte pressão que poderá ter da oposição, Tomás Correia enfrenta também outros riscos. Um dos principais diz respeito à investigação que está a ser feita pelo Banco de Portugal. Em causa está um processo contraordenacional por parte do regulador para investigar as ligações do Montepio ao Banco Espírito Santo e a Paulo Guilherme, o filho do construtor civil que concedeu uma liberalidade a Ricardo Salgado e que foi financiador da instituição financeira.

Apesar do presidente da Mutualista admitir que está tranquilo em relação ao desfecho da investigação por considerar que não haja ««minimamente qualquer condenação» e, como tal, o «problema não se põe», a verdade é que a entidade liderada por Carlos Costa poderá deduzir a ação e nesse caso o processo será conduzido pelo Tribunal de Santarém.

Além disso, as relações de Tomás Correia com o empresário da construção civil José Guilherme também foram investigadas pelo Ministério Público. Tomás Correia é suspeito de ter recebido 1,5 milhões do construtor, uma transferência que estará relacionada com a aprovação de um financiamento de 74 milhões da caixa económica, sob a sua liderança, para a compra do Marconi Parque, na Serra de Alfragide, Amadora. Para já, ainda não é conhecida nenhuma decisão por parte do Ministério Público.

Mas também neste caso, o presidente da Mutualista garante que durante a sua passagem pela Caixa Económica sempre foram respeitados os processos impostos pelo supervisor. «Não tenho dúvidas de que foram cumpridas todas as exigências de controlo interno, branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo, etc. Foram desenvolvidos processos, muitos deles apresentados por mim ao Banco de Portugal. Quanto às concessões de crédito, não tenho dúvida de que todas as normas foram respeitadas de forma escrupulosa, rigorosa e temos muito orgulho nisso», referiu em entrevista ao jornal i.

Outra das incertezas está relacionada com a atuação da Autoridade de Supervisão de Seguros, que ficou com a supervisão da Mutualista com a entrada em vigor do novo código. No entanto, como a Associação beneficia de um período de transição de 12 anos, Tomás Correia também acredita que não terá problemas de idoneidade. «Não estou preocupado. Não tive nenhum contacto com a ASF e tenho a certeza de que não teremos [problemas]. Durante o período de transição não cabe à ASF fazer essa avaliação», referiu durante na recente tomada de posse.

Mas o SOL sabe que, independentemente de a Associação beneficiar deste período de transição, o regulador poderá fazer auditorias e avançar com processos de contraordenação se for caso disso.