Os primeiros dias do ano ficaram marcados por um novo capítulo na história da exploração espacial: quase 50 anos depois de o ser humano ter chegado à Lua, a Chang’e-4 revelou a face do satélite natural da Terra que nunca está virada para o planeta azul. O feito – made in China, num setor onde sobressaem norte-americanos e russos – é histórico e nenhuma das chamadas potências espaciais o tentou; a China foi a única.
Cumprido o objetivo principal, a verdade é que a missão chinesa pode vir a ficar para a história por outros motivos. É que, a bordo da sonda espacial, os investigadores enviaram uma lata cilíndrica – produzida numa liga de alumínio especial, com 18 centímetros de comprimento, um diâmetro de 16 centímetros e um peso de três quilos – contendo ovos de bichos da seda, sementes de batata e sementes da planta arabidopsis thaliana, a par de água, uma solução nutritiva e ar. A ideia é perceber se é ou não possível fazer o cultivo de vegetais, legumes e plantas na lua – e caso as conclusões venham a apontar em direção afirmativa, o homem passará a ter mais um elemento encorajador da criação de uma eventual colónia humana na Lua e, quem sabe, noutros planetas. À distância, em Terra, os investigadores vão seguir a experiência através de uma pequena câmara colocada na lata.
À Xinhua – a agência de notícias estatal chinesa -, Xie Gengxin, o coordenador da experiência, especificou que o objetivo é «estudar a respiração das sementes e a fotossíntese na Lua». E porquê batatas e arabidopsis thaliana? «Porque o período de desenvolvimento da arabidopsis thaliana é curto e conveniente para observação. E a batata pode vir a tornar-se uma das principais fontes de alimento para os futuros viajantes espaciais», explicou o responsável, que assinalou ainda que a «experiência pode ajudar a acumular conhecimento para construir uma base lunar e uma residência de longa duração na Lua».
Na conceção da experiência, de resto, estiveram envolvidas 28 universidades chinesas.
Mas terá uma experiência como esta alguma viabilidade? Ao b,i., Pedro Mota Machado, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e professor auxiliar do departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, responde afirmativamente e assinala que «além da sua viabilidade há a considerar a extrema importância de experiências deste género, se considerarmos que dentro de alguns anos existirão colónias humanas de longo termo na Lua e possivelmente em Marte». Experiências como esta, contudo, têm «de ser levadas a cabo em ambiente confinado e a replicar as condições terrestres, pelo menos no que respeita às condições de temperatura, pressão e composição atmosférica», explica o investigador, que nota que «a maior diferença [entre o ambiente da Terra e da Lua] prende-se com a reduzida força gravitacional lunar». Não se sabe se esse fator, assinala Pedro Mota Machado, terá um efeito determinante no crescimento das plantas, mas o investigador lembra que «experiências similares já foram levadas a cabo na Estação Espacial Internacional (ISS) com resultados prometedores, se bem que não conclusivos».
À agencia noticiosa chinesa, Xie Gengin disse que será preciso «manter a temperatura na ‘mini biosfera’ entre 1ºC e 30ºC e controlar devidamente a humidade e a nutrição», com recurso a «um tubo para direcionar a luz natural na superfície da Lua para a lata, por forma a que as plantas cresçam». A Lua, note-se, não tem atmosfera e regista temperaturas particularmente extremas, que variam entre mais de 100 graus negativos e mais de 100ºC.
Caso a experiência venha a alcançar bons resultados, serão os alimentos produzidos em ambiente lunar saudáveis? Pedro Mota Machado não tem dúvidas de que sim. «Sobre isso não tenho a menor dúvida, apesar de haver várias questões a ter em atenção: o tipo e a constituição do solo onde crescerão as plantas, o controlo do ambiente de estufa e a sua proteção dos raios cósmicos e do vento solar, a humidade do solo e o acesso à água necessária ao crescimento saudável das espécies vegetais», elucida o investigador, que assegura que as culturas de vegetais e legumes não apresentarão diferenças ao nível nutricional em relação às culturas feitas na Terra, desde que «os cuidados com as estufas seja adequados».
Questionado quanto à fotossíntese, que os investigadores esperam vir a observar, Pedro Mota Machado defende que essa «é uma questão de uma enorme relevância para consideramos que um dia poderemos vir a habitar outros planetas», sendo para tal «fundamental a replicação das condições à superfície da Terra, como seja a filtragem da radiação ultravioleta e a seleção, por intermédio de filtros, o mais próxima possível do espetro solar que atinge a superfície da Terra».
E será irreal idealizar hortas na Lua tal como existem na Terra num futuro próximo? Não. «Na minha opinião, isso será uma evidência dentro de um intervalo de tempo de algumas décadas. Estas hortas terão de ser protegidas por cúpulas e em ambiente confinado e controlado. A sua importância, além da alimentação e da respiração dos futuros colonos, terá, a meu ver, também uma enorme relevância a nível psicológico, ajudando de uma forma determinante ao equilíbrio mental dos habitantes das futuras bases lunares, marcianas e se calhar ainda mais além», defende o especialista.