A Rússia não se tem poupado a esforços para afastar a Turquia da esfera de influência dos Estados Unidos e para isso está disposta a oferecer poderosos incentivos a Ancara. Moscovo está a ponderar duplicar a quota de importação de tomate turco para as 100 mil toneladas por ano, depois de, em novembro de 2017, ter levantado a proibição à importação de vegetais.
Enquanto Washington e Ancara trocam ameaças, Moscovo aproxima-se cautelosamente da Turquia para tentar fazer pender a balança geopolítica para o seu lado – e sabe que, no xadrez da região, a Turquia é uma potência a não negligenciar. O presidente russo, Vladimir Putin, tem–se mostrado sensível aos receios turcos sobre os curdos sírios, enquanto o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, está disponível, para se aliar a Moscovo na manutenção da integridade territorial síria, a aceitar a liderança de Bashar al-Assad e apoiar a redação de uma nova Constituição para o país.
Mas antes que Al-Assad possa sair vitorioso do conflito que devastou o país nos últimos oito anos é preciso ultrapassar-se um obstáculo: os curdos sírios. No final de dezembro, uma delegação turca de alto nível – composta pelo ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlut Cavusoglu, pelo ministro da Defesa, Hulusi Akar, e pelo conselheiro presidencial Ibrahim Kalin – dirigiu-se a Moscovo para encontrar uma solução para os curdos favorável à Turquia.
“Aproximamo-nos dos planos de Ancara de realizar ações antiterroristas no leste da Síria a partir da posição [de necessidade] de eliminar os terroristas restantes em território sírio e de restaurar a soberania e integridade territorial da Síria”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, à agência russa RIA Novosti, um dia antes do encontro. Desconhecem-se as conclusões da reunião, mas há dois cenários a equacionar.
O primeiro é o de Damasco e Moscovo responderem afirmativamente ao pedido de proteção dos curdos sírios contra a Turquia – os militares sírios já estão nas proximidades de Manbij, separando turcos de curdos. Em troca, os curdos devolveriam o território por si controlado, permitindo a Al-Assad voltar a controlar a totalidade da Síria e ficar a um pequeno passo de vencer a guerra civil. Apenas teria de derrotar o reduto de cerca de 5 mil jihadistas do Estado Islâmico a leste do rio Eufrates. Para este cenário contribui o facto de os curdos sírios nunca terem combatido diretamente as forças de Damasco, tendo até cooperado quando o inimigo era o Estado Islâmico. No entanto, Damasco opõe-se à reivindicação curda de a Síria se transformar num Estado federal onde os curdos teriam relativa autonomia.
No segundo cenário, Damasco e Moscovo podem chegar a acordo com Ancara, permitindo-lhe atacar os curdos que, derrotados, deixariam de ser um obstáculo à unificação do território sírio. Ancara já aceitou respeitar a integridade territorial da Síria e poderia retirar as suas forças depois de derrotar os curdos.