A prática da política tem regras cuja compreensão é crescentemente exigente em termos de perspicácia, paciência, conhecimento, tempo e disponibilidade mental. Com efeito, é cada vez mais difícil decifrar o discurso político recorrentemente codificado de forma subtil e habilmente adocicado em relação à verdadeira realidade a que pretende dar expressão.
O poder político nas sociedades democráticas atuais utiliza narrativas em permanente construção e reconstrução, estando fortemente condicionadas por continuadas pressões eleitorais cujo processo o legitima. Não são, pois, de admirar as tentações pelo uso de fórmulas de comunicação que amenizem tal pressão, sintetizam mensagens, multiplicam fontes, dificultando, porém, uma visão global e integrada do exercício do poder, sendo certo que quem as utiliza está profundamente convencido que elas garantem a extensão ou a conquista do tempo de poder.
Entre nós os últimos tempos têm sido pródigos na multiplicação de tal exercício, parecendo, contudo, que este exercício tem estado a ser embalado por um modelo que não alterou algumas das premissas do passado, notando-se sobretudo as referentes à ‘qualidade’ audiência alvo, cuja evolução paulatina, mas segura, a torna não só mais exigente, mais conhecedora, mais crítica, mais seletiva, como também mais consciente da própria realidade política. A tentação das demagógicas “farturas vindouras” e das purezas ideológicas, já tiveram o seu tempo.
Por vezes parece que não percebemos que coletivamente nunca fomos tão prósperos, nem usufruímos de tão grande longevidade, tão elevada qualidade de vida e tão robusto stock de conhecimento. Por outro lado, quase todos estamos disponíveis para acolher a melhoria das componentes do progresso. Por isso, apesar da aparente facilidade de comunicação de que dispomos, nunca os políticos tiveram tanta dificuldade em explicar as suas propostas, fazendo do tempo atual um tempo de permanente campanha eleitoral tanto no plano nacional como a nível partidário.
Não obstante, por vezes, parecemos alheados da hipótese de possíveis retrocessos, abrandamento da dinâmica de evolução, ou inflexões indesejáveis na trajetória. Tal ambiente é inevitavelmente propicio para o uso de argumentos fundados em ‘verdades’ facilmente universalizáveis, muitas das vezes, elevadas a ideias estruturantes para propostas de soluções miríficas que podem encontrar terreno fértil e medrarem junto dos grupos sociais que se consideram vítimas do modelo de progresso adotado, o grande gerador de iniquidades verificáveis a olho nu e facilmente transformadas em argumentos aglutinadores de alianças de descontentamento, sobretudo, entre a pequena e média burguesia e as classes populares.
É impossível alcançar um clima de progresso e de participação efetiva nos seus benefícios sem as necessárias infraestruturas materiais, económicas, sociais, políticas e cívicas que a suportem, é, também, indiscutível a necessidade de inovação a estes níveis, tal como é indiscutível que a “destruição criativa “ que lhe está associada provoca medos recorrentes. A sociedade está crescentemente a organizar-se com base em múltiplas redes de comunicação e informação que funcionam, de forma crescente, como fontes primárias da formação da vontade de robustecimento do padrão de vida das classes sociais mais desfavorecidas. As grandes mudanças são sempre precedidas por um período de grande descontentamento. Estaremos a caminho de grandes mudanças?
Um ano de múltiplos atos eleitorais, pode-nos trazer uma visão mais precisa da nossa capacidade para enfrentarmos o futuro. Não vão faltar inovações. São necessários muitos descodificadores competentes. A luta política promete.