As migrações e as eleições europeias

As migrações estão a servir de bode expiatório fácil para quem não tem conseguido enfrentar o presente com as certezas de vida de há décadas atrás

«Cristo a sua mãe e são José eram refugiados e estamos a comemorar uma família de refugiados».

Paulo Borges, Filósofo

As migrações vão ser um dos temas principais das eleições europeias deste ano.

Nesta como noutras matérias importa ter a coragem de não ceder ao populismo e à demagogia de apenas se dizer e defender aquilo que se acha como sendo o mais ‘atrativo’ para ‘caçar’ votos.

Se existe matéria que não se pode resumir a um like ou a um dislike, é esta. A racionalidade e a verdade nesta discussão devem imperar. Recusando quer o ‘efeito papão’ quer o ‘efeito chamada’. Porque a imigração não é um problema – é, acima de tudo, uma oportunidade. E não pode ser entendida exclusivamente com emoção potencialmente explosiva pela negativa.

A sua politização excessiva só acumula problemas desnecessários. Até porque, a nível europeu, temos tido várias mudanças. Por exemplo, em relação a 2015, no que diz respeito ao tráfego humano no Mediterrâneo para a Europa, tivemos uma diminuição de 80% em relação ao pico do êxodo migratório inicial.

Em dezembro passado, foi assumido em Marrocos o pacto global das migrações, e é importante sublinhar que oito países membros da União Europeia não o subscreveram.

Mas existem vários outros bloqueamentos na UE. Como é o caso das alterações em curso no que diz respeito ao regime jurídico sobre asilo e refugiados no espaço europeu, que estão bloqueadas por desentendimentos entre vários Governos.

Os países e as sociedades recetores dos migrantes beneficiam (e muito) – economicamente, socialmente e culturalmente – com a sua integração nas sociedades de acolhimento. As perceções sobre as migrações e sobretudo sobre a migração sempre foram desconformes com a realidade, porquanto são assentes em perceções erradas.

As migrações estão a servir de bode expiatório fácil para quem não tem conseguido enfrentar o presente com as certezas de vida de há décadas atrás.

A Europa precisa de imigração. Precisa de imigrantes. São vários os estudos e os diagnósticos de diversa índole que o atestam. Desde logo, para a sua sustentabilidade económica e social. Para o seu tão ‘precioso’ Estado Social de Direito garantístico, sobretudo depois da queda do Muro de Berlim.

A Europa não pode, não deve, transformar-se num território-fortaleza, com uma política de imigração amputada do seu património humanista e inclusivo. Não deve ceder ao ‘efeito-concha’, ao arrepio não só do seu passado mas sobretudo ao arrepio da defesa do seu futuro. Com uma sociedade europeia que não abdica dos seus valores de sempre nem abandona o cosmopolitismo e a abertura que se impõe na sociedade e mundo abertos. Com regras, é certo. Mas com a responsabilidade de olhar a imigração como uma oportunidade e não como um problema.

As eleições de maio próximo para o Parlamento Europeu não podem ser um ‘referendo’ às migrações na Europa. Não podem. E nesta matéria temos de  ser rigorosos e pedagógicos. Por exemplo, recordando que na década de noventa do século passado a Europa recebeu cerca de setecentos mil refugiados e migrantes derivados da guerra na ex-Jugoslávia.

Mas também recordando que, em 2015, só o Líbano recebeu um milhão e meio de refugiados, a Jordânia quase dois milhões e a Turquia quase três milhões. Números acima do que nós, europeus, temos recebido. Aliás, com uma vaga de migrantes oriundos de países e territórios de emissão e de passagem que decidiram tentar vir para a Europa (do Afeganistão, Sudão, Iraque, etc.).

Sabemos que existem Estados e Governos mais frágeis do que outros para lidar com este tipo de fenómenos.

Por isso, falta mais Europa na política de imigração. A chamada ‘nacionalização’ excessiva das políticas de imigração tem sido negativa para se resolverem problemas e ultrapassarem constrangimentos diretamente relacionados com este fenómeno.

Um dos aspetos em que temos de ter a coragem de ser mais proativos e eficazes é nas operações de busca e de salvamento no mar. Porque, em muitos casos humanitários, o Direito Internacional Marítimo não tem sido respeitado.

Portugal, ao contrário de Itália, que também tem uma grande diáspora espalhada pelo mundo, tem uma posição privilegiada e de responsabilidade, que o deve levar a continuar a ter uma abordagem positiva destas matérias. É preciso coragem para, nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, se combater o medo, a desinformação, o populismo, o racismo engravatado e formal, a demagogia e o generalismo.

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