Os mandatos (não) são para cumprir

Há dias, a propósito do desafio à liderança de Rui Rio no PSD, ouvi muitas pessoas dizerem que «os mandatos são para cumprir». Ora, discordo da frase e do conceito. Os mandatos políticos são um caso especial. Nos mandatos políticos, resultado de eleições políticas, a forma como os mandatos são exercidos está sempre sujeita a…

Há dias, a propósito do desafio à liderança de Rui Rio no PSD, ouvi muitas pessoas dizerem que «os mandatos são para cumprir». Ora, discordo da frase e do conceito.

Os mandatos políticos são um caso especial. Nos mandatos políticos, resultado de eleições políticas, a forma como os mandatos são exercidos está sempre sujeita a uma censura política. 

Comecemos pelo mais óbvio: há eleições legislativas, forma-se um Governo, esse Governo pode ser objeto de uma moção de censura. Se levássemos o conceito de ‘os mandatos são para cumprir’ ao extremo, não poderia haver moções de censura, menos ainda governos formados sem eleições (e foi isso que se passou em Portugal em 2015). 

Assim sendo, entendo que, politicamente, foi perfeitamente normal ter Luís Montenegro apresentado a sua moção de censura – que foi derrotada no parlamento do PSD. 

Debrucemo-nos agora sobre outras situações de censura política ao cumprimento dos mandatos, que se colocam às direções e órgãos partidários. 

No exercício de cada mandato, individualmente considerado, importa perguntar: 

– Se um deputado não está no hemiciclo e manda um colega marcar o ponto por ele (para não levar falta e ganhar a senha de presença), poderá dizer-se que está a cumprir o seu mandato?

– Se a primeira vereadora eleita pelo PSD em Lisboa não vai às reuniões de Câmara, se falta, se não se faz representar, deixando a cadeira vazia, isso será cumprir o seu mandato? 

– Quando um deputado ou vereador do PSD, que recebeu um mandato para fazer oposição, vota em casos dirimentes contra o seu partido (e alinhado com o PS), está a cumprir o seu mandato?

Nestes três exemplos, é óbvio que o mandato não está a ser exercido. Este não é compatível nem com a fraude, nem com o mero picar o ponto formal. Por isso, seria normal nestas situações que o partido os censurasse, retirando-lhes a confiança política. 

Neste momento, Rui Rio – olhando para a calamitosa situação política do PSD em Lisboa, com o resultado das últimas eleições autárquicas de 10% em 2017 e sondagens sucessivas a reiterar o mesmo resultado – tem duas alternativas:

Ou deixa os mandatos dos órgãos e dos eleitos chegarem ao seu termo porque ‘os mandatos são para cumprir’; ou faz uma censura política ao que se está a passar e exige clarificação aos vereadores, e eleições antecipadas aos órgãos distritais. 

Seja como for, espero ter deixado suficientemente claro que o juízo de censura política não pode deixar de estar presente no exercício dos mandatos. Uma eleição e um mandato não podem ser o passaporte para estar dois ou quatro anos sem prestar contas ou para a mais pura inimputabilidade. 

sofiarocha@sol.pt