A febre da arrumação que está a mudar a vida dos portugueses

A japonesa já é, de há uns anos para cá, considerada a guru mundial da arrumação, mas o documentário que estreou na Netflix a 1 de janeiro veio dar-lhe novo fôlego e pôr meio mundo a arrumar as gavetas

“Olá, o meu nome é Marie Kondo e a minha missão é trazer alegria no mundo através da arrumação.” É desta forma que a japonesa de 34 anos se apresenta no documentário “Marie Kondo: A Magia da Arrumação”. E se, para quem nunca ouviu falar do método que desenvolveu – tarefa cada vez mais difícil, já que no dia 1 de janeiro a Netflix lançou um documentário protagonizado pela própria e, muito antes disso, ela já tinha vendido milhões de livros -, as palavras “alegria” e “arrumação” podem soar como uma junção mal-amanhada, a verdade é que há cada vez mais gente a render-se aos ensinamentos da japonesa.

O método em questão, ao qual chamou KonMari, é composto por um conjunto de regras simples para nos ajudar a “destralhar”, arrumar a casa e, assim, ter mais qualidade de vida. E se esta sequência de promessas parece uma utopia ou, na melhor das hipóteses, um produto new age, basta ver o documentário para perceber como a lógica da autora não só acende, num tempo de consumismo desenfreado, uma luz ao fundo do túnel como está ao alcance de qualquer um, embora seja precisa coragem e até um certo nível de radicalismo. 

Miguel Esteves Cardoso é um dos portugueses que já seguiu o método e, na crónica que assina no “Público”, contou em 2016 como o processo tinha mudado não só a sua casa como a sua vida. Mais recente nestas andanças é Janine Medeira, que começou a aplicar o KonMari em sua casa há uma semana. 

Uma das características do método é arrumar por item, e não por local, seguindo sempre as mesmas categorias. Primeiro, a roupa; a seguir, os livros; depois, a papelada. Segue-se aquela que a especialista considera a maior categoria, o komono – que inclui a cozinha, a casa de banho, a garagem e todos os diversos – e, finalmente, os itens afetivos (ver coluna ao lado). Depois de começar, é importante não parar e seguir com as arrumações até ao fim – e deve fazê-lo sozinho ou em casal, já que a presença dos restantes membros familiares pode ser meio caminho andado para o desastre.

Janine estava a cumprir os passos pela ordem requisitada, mas diz que foi obrigada a fazer batota. “Arrumei o quarto das crianças, estou a terminar o de casal e já estou a entrar na parte da papelada”, conta. “Entretanto tivemos uma inundação na cozinha e saltei uma etapa, passei logo para a cozinha.” A experiência, garante, está a mudar a sua vida – e não está sozinha. Janine é professora e autora do blogue “Poupadinhos e com Vales”, onde publicou no passado domingo uma fotografia com as gavetas de roupa do quarto de um dos filhos arrumadas segundo ensina Kondo. Recebeu mais de mil mensagens, além de fotografias de pelo menos 200 seguidores que também viram a série ou leram os livros e que estão a aplicar esta lógica nas suas casas. “É muito curioso este efeito de bola de neve”, assume. “Ainda ontem estava a comentar com uma amiga que ou somos um povo que era muito arrumado ou que estava a precisar de se tornar”, brinca. “Falando por mim, a partir do momento em que arrumei as três primeiras gavetas, senti necessidade de fazer aquilo na casa toda.”

Janine, que se define como uma pessoa “desarrumada por natureza”, ainda vai a meio do processo e diz que já mandou “muitos sacos fora”. 

Uma das coisas que estão a surpreendê-la na experiência é a quantidade de espaço que conseguiu ganhar. “Normalmente andamos sempre a dizer que precisamos de uma casa nova, que não temos espaço para nada. Depois de arrumar a cómoda do meu filho mais velho (que tem sete anos) fiquei com duas gavetas vazias. É impressionante. Uma das coisas que as seguidoras se questionam é o que vão agora fazer com o espaço extra”, assegura.

E será que vai manter o método ou, como em tantas febres que vão aparecendo de quando em vez, será sol de pouca dura? “É para continuar. Não tenho qualquer ideia de voltar para trás. É bom para os miúdos, é bom para nós. Ainda ontem disse ao meu marido: a nossa vida vai mudar”, garante. É que, por trabalhar em casa, a blogger tinha sempre tendência a ir tratando dos afazeres ao invés, por exemplo, de apenas estar em família. “Ontem à noite sentei-me tranquila, sem nada para fazer. E só pensava: ‘Isto é tão bom.’ Não vejo motivo para quebrar isto. Mesmo quando estivermos com pressa, não vou mandar uma blusa ao calhas para a gaveta tão arrumada.”

Um fenómeno global Nos Estados Unidos, onde o documentário foi filmado, a febre de “destralhar” está a tomar de assalto os norte-americanos, ao ponto de terem arranjado já um novo verbo para definir o trabalho daquela a que chamam “Michael Jordan das arrumações”: “kondo-ing”.

Os “relatos” também chegam da Austrália. Há quatro dias, o “Sydney Morning Herald” apontava que o número de doações das lojas de caridade de São Vicente de Paulo tinha crescido 38% nas últimas semanas. Até aqui, as lojas recebiam cerca de 30 mil quilos de roupa usada mas, desde o início do ano, passaram a receber cerca de 50 mil quilos. “Se é [um fenómeno] decorrente de Marie Kondo? É difícil dizer porque após o Natal há sempre uma tendência para limpezas, mas há algo que está diferente na comunidade porque neste momento estamos a receber coisas de muito boa qualidade, e até itens que mal foram usados”, referenciava ao jornal Jack de Groot, responsável pela rede de lojas.

Contudo, alertava a mesma publicação, nem tudo são rosas na massificação do fenómeno, especialmente quando os seguidores deitam fora objetos sem quaisquer cautelas. Marina DeBris, uma artista local que trabalha essencialmente com lixo recolhido nas praias, assegura que há um aumento do lixo nos subúrbios nas últimas semanas. “Nota-se definitivamente o efeito Marie Kondo nos subúrbios orientais da cidade, onde as pessoas mandam para o lixo bens caros e perfeitamente em bom estado”, refere. Uma nota a ter em conta na altura de praticar o desapego.

O método KonMari

Primeiro que tudo, a especialista começa por agradecer ao lar. A nossa casa deve trazer recordações felizes e são essas que devem nortear o processo. Depois, é começar a arrumar pela ordem abaixo.

Roupa

•  Para termos noção da roupa que temos é preciso tirá-la toda dos armários e gavetas e empilhá-la em cima da cama. A partir daí, é ir segurando nas peças e perguntar: preciso mesmo disto? Há quanto tempo não uso esta camisa? No final, a questão-chave: esta peça traz-me alegria? Se as respostas forem negativas, está na hora de se desfazer dela.

•  Separação feita, há que dobrar tudo na vertical, de forma a que possa ser visto assim que abrimos a gaveta – no YouTube há muitos tutoriais a explicar como fazer.

Livros

•  Os livros são os segundos da lista de tarefas. Para os arrumar, há que tirá-los todos das prateleiras e fazer o mesmo exercício. Há quanto tempo não leio este livro? É assim tão importante para mim?

•  Marie Kondo aponta uma espécie de número ideal. Não deve ficar com mais de 30 livros em casa, diz ela. Missão impossível?

Komono

•  Depois é hora de avançar para a cozinha, a casa de banho e a garagem. A lógica é sempre a mesma: tirar tudo para fora e, individualmente, perceber se precisamos mesmo daquele objeto.

•  Na cozinha, por exemplo,os objetos devem ser agrupados por tamanho. Recorrer a divisórias nas gavetas, tanto aqui como na casa de banho, também ajuda. Já na garagem é recomendável usar caixas transparentes – enfiar tudo em sacos opacos está proibido.

Itens afetivos

•  Por fim, deve tratar dos objetos mais sentimentais que, por isso, são mais difíceis de deixar ir. As fotografias entram nesta fase – afinal, mesmo que não se desfaça delas, pelo menos deve organizá-las.