Bárbara Vara. Não viu, não sabe e ninguém lhe contou

Empresária disse esta segunda-feira no arranque da instrução da Operação Marquês que desconhecida todos os negócios do pai, mesmo os que levaram a transferências avultadas para uma offshore por si controlada

Bárbara Vara não sabia de nada da vida nem dos negócios do pai – nem mesmo daqueles em que foi preciso usar a conta offshore Vama Holdings, sediada na Suíça e por si controlada. No primeiro dia de instrução da Operação Marquês, o juiz Ivo Rosa questionou a filha de Armando Vara sobre os montantes que passaram na Vama Holdings – fundos, que segundo o MP, são ilegais, mas a arguida negou sempre qualquer conhecimento, adiantando que dava carta branca ao pai, por uma questão de confiança. E garantiu que sempre pensou que o dinheiro que o seu pai movimentava era legal, proveniente dos seus rendimentos. Reforçando a tese da acusação, o magistrado disse, porém, achar estranho que, tendo as contas movimentos legais, a empresária não tenha dado conhecimento da existência de tais valores aos irmãos quando estes atingiram a maioridade – uma vez que numa situação normal no futuro seriam beneficiários.

As transferências sob suspeita partiram de uma conta de Joaquim Barroca, à data vice-presidente do Grupo Lena, sendo que, segundo o próprio disse aos investigadores, as suas contas podiam ser movimentadas por Carlos Santos Silva – suspeitando-se que tenha sido este último a fazer a transferência de um milhão de euros em ‘luvas’ para a Vama.

Levando em conta uma escuta de Bárbara Vara com uma amiga no dia da detenção do pai, o juiz levantou também a dúvida sobre se seria possível Bárbara Vara não suspeitar de nada.

 

Um milhão de euros em ‘luvas’

Bárbara Vara, que esteve hoje no Tribunal Central de Instrução Criminal entre as 14h e as 16h, está acusada por dois crimes de branqueamento de capitais. Segundo o MP um deles foi cometido em coautoria com o seu pai, uma vez que para a referida offshore foi um milhão de euros de luvas, pagas pela viabilização de um empréstimo de mais de 280 milhões de euros concedido pelo banco público a investidores que pretendiam adquirir o empreendimento de luxo Vale do Lobo – a investigação acredita que outro milhão terá sido pago a José Sócrates. 

O juiz aproveitou ainda para perguntar se a abertura de conta na Suíça tinha alguma coisa a ver com a necessidade de Armando Vara esconder alguns negócios, dado o seu envolvimento no processo Face Oculta. Isto, porque, segundo o MP,  Bárbara Vara terá ido à Suíça em 2009 com o objetivo de mudar a titularidade da conta,  nessa altura já tinham entrado os montantes sob suspeita – em 2007 e 2008 – e estava em curso a investigação ao caso Face Oculta.

Mas Bárbara Vara recusou sempre qualquer conhecimento: disse que os negócios eram do pai, e que tudo o que foi feito por si foi na base da confiança. 

O outro crime de branqueamento está relacionado com uma permuta de uma casa que Bárbara Vara tinha na Avenida do Brasil por outra na Avenida Infante Santo, que mais tarde acabaria por ser comprada pelo seu pai. Ao juiz Ivo Rosa, Bárbara Vara disse desconhecer os contornos do negócio, garantindo que para si a casa da Avenida do Brasil tinha sido vendida ao o ex-deputado do PS e ex-presidente da RTP João Carlos Silva. Segundo o MP, em causa está um típico esquema de branqueamento de capitais.

 

A escuta em que a arguida fala da detenção do pai

O SOL sabe ainda que Ivo Rosa questionou a tese de Bárbara Vara, de que nunca suspeitara de nenhum dos negócios para que foram usadas as suas contas, uma vez que numa escuta esta admitia a uma amiga, Maria Barros, que não era surpresa o seu pai ter sido preso.

Na escuta, ao que o SOL apurou, pode ouvir-se Bárbara Vara justificar que ia faltar a um encontro com uma amiga: “Hoje não posso ir. Por causa do que aconteceu ao meu pai”. “O que é que aconteceu?”, questiona Maria Barros. “Foi detido. É aquela coisa de que já te tinha falado”, conclui Bárbara Vara, dando a entender que já conhecia os motivos antes da detenção.

Perante o aparente conhecimento prévio de que algo poderia estar para acontecer, o juiz perguntou à arguida o que a levou a ter conhecimento de que a detenção era uma possibilidade.

Bárbara Vara explicou inicialmente que quando soube da detenção do pai relacionou isso com as contas da Suíça e com a prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates, sem referir ao certo como aconteceu tal associação.

Mais tarde, questionada diretamente pelo seu advogado, Rui Patrício, acabaria por explicar melhor em que termos havia feito tal associação. O advogado questionou se a suspensão da conta na Suíça, que já tinha acontecido aquando da detenção, bem como as notícias que foram saindo não suscitaram esse entendimento, ao ponto de ter tido tal conversa com a sua amiga. Bárbara respondeu afirmativamente, confirmando que tal conversa, em 2015, se justificava com o facto de nessa altura já terem saído diversas informações para os jornais.

A empresária explicou também que só soube que as contas tinham sido congeladas, a pedido das autoridades portuguesas, quando foi notificada e que se deslocou à Suíça para ter conhecimento dos montantes em causa.

 

Bárbara Vara conhece Sócrates e Santos Silva

Perante o juiz Ivo Rosa, Bárbara Vara assumiu que conhece o ex-primeiro-ministro José Sócrates, por ser do circulo de amizades do seu pai, e revelou que também Carlos Santos Silva lhe foi apresentado um dia num almoço em casa da sua família, em Vinhais. Já o holandês Jerome Van Dooren, que terá transferido montantes avultados para Barroca, que em parte acabaram na Vama, disse nunca ter conhecido.

O advogado da filha de Armando Vara, Rui Patrício, afirmou hoje aos jornalistas, à saída do tribunal, que o que foi dito dentro da sala do tribunal foi o que sempre foi referido até agora. “A força que terá não nos compete a nós avaliar”, disse o advogado, acrescentando que “do ponto de vista familiar, é um assunto muito delicado”.

Rui Patrício salientou ainda que “todos os depoimentos são importantes, incluindo o do doutor Armando Vara”.  

O pai de Bárbara Vara vai ser ouvido no próximo dia 5 de fevereiro, na qualidade de testemunha da filha – um depoimento considerado relevante para a defesa. Inicialmente o testemunho do antigo ministro socialista estava agendado para hoje, mas a greve dos guardas prisionais obrigaram ao adiamento da diligência.

Ontem ficou ainda a saber-se que Ivo Rosa considerou que não se justificava, como pediu o MP, impor uma caução de meio milhão de euros a Armando Vara.

 

Os acusados e os crimes

Na Operação Marquês foi deduzida acusação contra 28 arguidos – 19 pessoas e nove empresas. José Sócrates, Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Armando Vara, Rui Horta e Costa, Hélder Bataglia, Rui Mão de Ferro e Grupo Lena são alguns dos acusados.

Em causa estão os crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documentos, fraude fiscal e abuso de confiança.

É na fase de instrução que se ficará a saber se os acusados vão ou não responder em tribunal por estes crimes – mesmo Ricardo Salgado, que não pediu abertura de instrução.

Notícia atualizada às 21h51