Ainda que exemplos não faltem, não é necessário recuar muito no tempo para encontrarmos situações em que o desporto e a violência deram as mãos. Este fim de semana, por exemplo, o Sporting revalidou o título de campeão da Taça da Liga, mas o que deveria ser acompanhado de festa e fair play acabou por ficar marcado pela postura de Diamantino Figueiredo, treinador de guarda-redes dos dragões, filmado a tentar agredir um adepto do Sporting. A somar a este episódio está ainda, a título de exemplo, o momento em que adeptos, alegadamente embriagados, invadiram o campo de futebol e agrediram um jogador no decorrer de um jogo do Campeonato Popular, em Barcelos.
A verdade é que episódios desta natureza têm vindo a repetir-se com frequência e o número de detenções por violência no desporto tem vindo a subir. Os dados mais recentes mostram mesmo que, entre as épocas 2016/17 e 2017/18, a PSP e a GNR contabilizaram 5878 incidentes, a maioria dos quais aconteceu nos estádios do Sporting, Benfica e FC Porto.
A questão da violência associada ao desporto levou mesmo o governo a garantir, no início do ano, que pretende aplicar sanções com mais transparência e, sobretudo, mais rapidez. “Há muito tempo que a lei prevê sanções acessórias que são, por exemplo, a interdição de acesso a recinto desportivo”, explicou João Paulo Rebelo, secretário de Estado do Desporto e da Juventude. Mas, se é visível que a situação tem estado a piorar, será conhecida a razão? De acordo com um estudo do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM), divulgado este mês, a razão de tanta violência associada ao desporto é fácil de entender e o inimigo está identificado: “Os média portugueses não promovem notícias positivas sobre o futebol.”
Depois da análise feita a vários meios de comunicação social nacionais, ficou a saber-se que, por exemplo, os programas televisivos têm influência nos adeptos, mas de uma forma negativa. “De forma global, o estudo do IPAM concluiu que os temas mais abordados foram de atualidade (31%) e de transferências do mercado de janeiro e os resultados (22%), em comparação com as entrevistas a atletas, dirigentes ou treinadores (19%) ou os destaques mais polémicos (6%). Na semana analisada [7 a 13 de janeiro], os temas da ordem do dia foram a jornada da semana, especialmente o jogo entre o Sporting e o FC Porto, a dúvida sobre o novo treinador do Benfica, a entrevista do presidente do SLB, Luís Filipe Vieira, ao programa televisivo da Cristina Ferreira, ou as várias transferências de jogadores e treinadores. Ao nível das polémicas foram repetidamente repescados casos como o processo dos emails, e-toupeira, dúvidas sobre a arbitragem, Apito Dourado ou a presidência de Bruno de Carvalho”, esclarece a análise. O IPAM refere ainda que o tom que costuma ser dado a notícias sobre o futebol nacional é “maioritariamente neutro ou negativo”: “Relativamente ao tom adotado pelos média portugueses durante esta cobertura noticiosa, ele foi maioritariamente neutro (68%), mas também negativo (22%), apesar da atualidade desportiva do momento. Apenas 10% dos média revelaram ter uma abordagem positiva a notícias dedicadas ao futebol nacional.”
E os programas de televisão que se dedicam ao tema? De acordo com o IPAM, “são os principais influenciadores do tom negativo gerado à volta do futebol nacional”.
Com a certeza de que os conteúdos televisivos sobre o desporto nem sempre ajudam, muitos podem considerar que a solução é simples: acabar ou, para os menos radicais, moderar a aposta que vem a ser feita nos últimos tempos. No entanto, importa referir que são os programas polémicos que ajudam as contas das televisões.
De polémica em polémica Há em Portugal uma realidade inegável: o futebol continua a liderar a tabela dos mais vistos na televisão portuguesa. As polémicas desportivas continuam a colar os espetadores ao ecrã, independentemente do tom que é usado.
Recorde-se, por exemplo, a altura em que a onda de demissões no Sporting apanhou José de Pina, comentador do “Prolongamento”, da TVI24, e pôs os programas de debate futebolístico debaixo de fogo. Depois de um momento muito tenso com Pedro Guerra, comentador afeto ao Benfica no programa, o professor universitário decidiu abandonar o formato – um episódio que veio adensar ainda mais a discussão sobre este tipo de programas e o facto de incitarem ou não à violência no desporto. Apesar de os formatos de debate futebolístico nos canais não serem novidade, têm vindo a atingir elevados níveis de trocas de insultos e discussões que, em alguns casos, envolvem tudo menos futebol.
Para quem não se recorda, José de Pina considerou que a “gota de água” foi ter Pedro Guerra a levantar-se e a encostar–lhe a mão, enquanto dizia “diga isso outra vez, estou a avisá-lo”. “Quem vê o programa sabe bem que havia um histórico no programa. Eu fui levando as coisas, mas há sítios para onde fui levado e para onde não quero ir”, aproveitou para esclarecer José de Pina.
A verdade é que, depois da invasão da academia de Alcochete, a discussão em torno da violência no futebol adensou-se e multiplicaram-se também as críticas ao que se passa nalguns destes programas. Mas, afinal, temos ou não programas que falem de futebol, só de futebol e nada mais que futebol? Muitos acreditam que não. Há, aliás, cada vez mais exemplos de momentos mais tensos em canais de televisão e até de discussões que levaram a saídas em direto. No caso concreto do “Prolongamento”, da TVI24, o moderador, Joaquim Sousa Martins, viu-se obrigado a lamentar a linguagem e as ameaças físicas e chegou a admitir pôr termo ao programa. O jornalista pediu, em direto, aos membros do painel para se dirigirem à direção de informação para acabar com as queixas e trocas de insultos. Para Sousa Martins, a linguagem utilizada pelos participantes era indigna de ser passada na televisão e, como telespetador, admitiu que não veria um programa com tanta “indecência”.
Para muitos, a incontinência verbal dos dirigentes clubísticos e os excessos dos comentadores de televisão são os principais e maiores inimigos do futebol nacional. É o caso de Cláudia Lopes que, no ano passado, admitiu o papel das audiências na existência dos polémicos programas de debate dedicados ao futebol. No entanto, para a jornalista de desporto da TVI é importante perceber que esta opção tem por base a falta de acesso às imagens dos jogos, exclusivos de canais por assinatura que têm o exclusivo da transmissão. “Por isso discutimos o tal lance, porque é isso que prende as pessoas, e é muito difícil de fugir.”
Desde 1994 que existem programas televisivos que dão voz a adeptos mais conhecidos, mas nunca os ânimos estiveram tão exaltados. E, no meio de tudo isto, muito importa perceber as audiências destes formatos. A tecnologia tem alterado o consumo de TV, mas ainda somos um país de futebol. A prova disso é a aposta generalizada dos principais canais de televisão em programas com debates desportivos. Basta observar os números relativos às audiências, que provam o sucesso deste género de programas e explicam a grande aposta dos canais nestes formatos. Falamos, em todos os casos, de formatos que são verdadeiros êxitos de audiências, mas que muitos criticam por haver falta de regulação. Jorge Silvério, psicólogo desportivo, defende mesmo que não pode valer tudo: “Claro que podem aumentar a violência. Há estudos científicos que provam isso. É preciso criar uma regra para moderar este tipo de linguagem. Até porque não devemos esquecer que até nos jogadores isso tem consequências. Eles não vivem numa bolha. Sabem o que é dito e, muitas vezes, o impacto pode ser muito negativo.”
Recorde-se que Portugal é um país pequeno, mas onde cabe um mundo de programas deste género. Há para todos os gostos, em todos os dias da semana. Na TVI24 há o “Prolongamento”, o “Mais Transferências”, o “Mais Bastidores” e o “Mais Futebol”. A CMTV conta com a “Liga d’Ouro”, o “Pé em Riste”, o “Golos” e o “Mercado”. Já a aposta da SIC Notícias é feita em programas como o “Play–Off”, “Dia Seguinte” e “Tempo Extra”. Por fim temos a RTP3 com os programas “Trio d’Ataque” e “Grande Área”.