Vários países da União Europeia, incluindo Portugal, reconheceram ontem Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela. A União Europeia tinha dado até domingo a Nicolás Maduro para antecipar as eleições e encontrar condições para uma votação “livre e transparente”. Como isso não aconteceu, os países avançaram e reconheceram Guaidó, atribuindo-lhe a missão de marcar eleições.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português sustentou, em conferência de imprensa ao final da manhã de ontem, que “Guaidó é o único, à luz da Constituição venezuelana, com legitimidade para convocar eleições presidenciais”. Para o governo português, uma nova votação é a “única saída pacífica” para a crise política na Venezuela.
O ministro garantiu que a “preocupação número um” do governo é garantir a segurança dos portugueses e luso-venezuelanos que vivem na Venezuela. E recusou a ideia de que o apoio a Guaidó possa trazer consequências negativas para a comunidade portuguesa. “Aquilo que põe em risco a segurança e o bem-estar da numerosa comunidade portuguesa e luso-venezuelana que vive hoje na Venezuela é o agravar da instabilidade política e, sobretudo, o agravar das condições económicas e sociais, que hoje já são tão terríveis”, justificou o ministro português.
Apesar de reconhecer Guaidó como presidente interino, Santos Silva afirmou que o Estado português não tem preferências para o cargo de presidente da Venezuela. “Nós não temos nenhuma escolha nem nenhuma preferência sobre quem deve ser o presidente da Venezuela, quais devem ser os partidos mais votados na Venezuela ou sobre o que devem ser as opções do presidente, do governo ou do executivo venezuelano”, defendeu, acrescentando que “isso são problemas exclusivamente internos da Venezuela”.
O governo português manifesta assim “um apoio político claro” a Guaidó, mas não esquece que, atualmente, a administração pública venezuelana ainda está sob o comando de Maduro. Portanto, Portugal vai continuar em contacto com a diplomacia liderada pelo sucessor de Hugo Chávez.
Após as declarações de Augusto Santos Silva, Marcelo Rebelo de Sousa informou que “acompanha” a posição do governo. “O Presidente da República, que tem seguido, a par e passo, a evolução na Venezuela e a posição do governo português, acompanha a decisão que acaba de ser apresentada pelo senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva”, lê-se numa nota publicada no site da Presidência.
PCP isolado Os partidos políticos também reagiram e apenas o PCP condenou o governo por reconhecer Guaidó como presidente interino. Para os comunistas, o executivo de António Costa não está a defender os interesses do povo venezuelano nem da comunidade portuguesa. “O PCP condena o ‘reconhecimento’ e apoio anunciado pelo governo do PS, com o apoio do PSD e CDS, ao ‘presidente’ fantoche nomeado pela administração Trump para a Venezuela, que contou com o apoio imediato de Bolsonaro”, pode ler-se no comunicado.
O partido de Jerónimo de Sousa refere que o apoio de Portugal a Guaidó revela “uma intolerável afronta à soberania e independência da República Bolivariana da Venezuela, ao povo venezuelano, à Carta das Nações Unidas e ao Direito Internacional”.
Por outro lado, o PS manifestou apoio à decisão do governo português e considerou que reconhecer Guaidó é a melhor solução para permitir eleições livres e proteger a comunidade portuguesa. “Juan Guaidó, na qualidade de presidente interino da Venezuela, é o único que tem neste momento legitimidade para concretizar um processo de transição pacífica, tendo em vista a realização de eleições”, afirmou Maria Antónia Almeida Santos, em declarações à Lusa.
A porta-voz socialista classificou mesmo como essencial “esta solução para superar o atual impasse” na Venezuela, “devolvendo ao povo a escolha livre e pacífica” do novo poder. “Infelizmente, a Venezuela está a viver momentos muito difíceis e nós temos a obrigação de proteger a comunidade portuguesa apoiando um processo de transição pacífica”, reiterou.
Também a Aliança se congratulou com a posição tomada por Portugal e por outros Estados–membros da União Europeia. Através de um comunicado, a comissão instaladora nacional do novo partido fundado por Santana Lopes refere que é necessária uma “rápida convocação de eleições presidenciais livres e democráticas” na Venezuela. “Tendo presente a importante comunidade portuguesa, a Aliança espera que o governo português e a própria União Europeia saibam pautar a sua ação tendo em conta a segurança e as condições de vida da nossa comunidade na Venezuela”, acrescenta a nota.
Do lado do CDS, Assunção Cristas considerou positiva a posição tomada pelo governo português. À margem do lançamento de um cartaz do partido para as europeias, na Avenida da República, em Lisboa, a centrista lembrou que o CDS sempre defendeu, “desde o primeiro momento”, o reconhecimento de Guaidó como presidente interino. “Entendemos que não era possível ter eleições disputadas num ambiente de liberdade e de democracia com Nicolás Maduro à frente do país”, referiu.
Já o Bloco de Esquerda não acompanha nem Maduro nem Guaidó, mas sim uma mediação internacional para eleições livres. E alerta que a posição da União Europeia – incluindo a do governo português – “pode resultar num banho de sangue”.
Numa iniciativa das jornadas parlamentares do Bloco, na Feira de Espinho, distrito de Aveiro, Catarina Martins lembrou ainda que, “muito antes de qualquer partido em Portugal” – e quando Maduro “era recebido e recebia visitas dos mais altos representantes do PSD, CDS e PS” –, já os bloquistas alertavam para “a deriva autoritária” do venezuelano. Nessa altura, como “estavam a fazer negócio, resolveram fechar os olhos”, criticou Catarina Martins. “Agora, em nome do negócio também, há uma ingerência externa para ver quem é que vai ficar com o petróleo da Venezuela”, acusou.