‘A decisão do Governo português vai ter consequências muito graves’

Entrevista a Luís Jorge dos Santos, Conselheiro das Comunidades Portuguesas

‘A decisão do Governo português vai ter consequências muito graves’

O que pensa das ameaças de Diosdado Cabello de retaliação à comunidade portuguesa?

É uma reação que já se esperava porque a decisão do Governo português em alinhar com uma das partes foi extemporânea e precipitada. Acho que o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, quando diz que a decisão do Governo português vai ao encontro das expectativas da comunidade portuguesa, não é correto. O senhor embaixador de Portugal na Venezuela não aconselhou bem o Governo e prestou um mau serviço a Portugal e à comunidade portuguesa na Venezuela. Os portugueses que quiserem ir embora, podem ir embora, mas como é que vão se os ativos que juntaram aqui durante 40, 50 anos perderam todo o valor. Se calhar o nosso Governo devia preocupar-se com a comunidade para criar condições e facilitar os serviços consulares. Os serviços consulares estão colapsados porque só há dois consulados que podem emitir a documentação [Caracas e Valência]. Há vários consulados honorários que dão apoio, mas não de imediato. E há pessoas que têm de se deslocar 1000 quilómetros para ir ao consulado legalizar os documentos. Aqui há duas situações, a situação política e a situação da comunidade portuguesa e acho que a decisão do Governo português, além de precipitada, vai ter consequências muito graves, quer a nível diplomático, quer a nível de possíveis represálias contra a nossa comunidade. Não são meia dúzia de portugueses que têm muito dinheiro que vão ser afetados, porque têm o dinheiro fora. É a maior parte dos portugueses, que são comerciantes, têm pequenas indústrias, esses é que vão ser afetados.

{relacionados}

A comunidade está com receio de que possa haver retaliações?

Claro que está com receio de retaliações e a decisão mais sensata do Governo português era demitir o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, o senhor secretário de Estado das Comunidades e o senhor embaixador na Venezuela.

Teve alguma conversa com o embaixador Carlos Sousa Amaro? Este tem conversado com os líderes da comunidade portuguesa?

Quer os diplomatas na Venezuela, quer os representantes do Governo, quando vêm, reúnem-se com um grupo de empresários e de comerciantes, num núcleo muito cerrado e em Caracas. Mas os portugueses na Venezuela não estão só em Caracas, nem são só meia dúzia de empresários! Estamos a falar de 600 mil pessoas, muitos deles agricultores, a maior parte pequenos comerciantes. Não são donos das grandes cadeias de supermercados, são donos de mercearias, são donos de padarias, de pequenas indústrias. Acho que a maior parte dos nossos políticos não conhece realmente a comunidade portuguesa. Não são todos, há um ex-secretário de Estado, deputado do PSD [José Cesário], que conhece muito bem a realidade da Venezuela. O Governo não foi bem aconselhado, mas foi alertado para o facto e parece-me que esta decisão não foi a mais correta.

Acha que o Governo português deveria ter mantido a neutralidade nesta questão?

Sem dúvida nenhuma. Portugal tem muitos interesses económicos na Venezuela e depois tem uma comunidade muito importante no país. Há uma crise económica muito grave, há uma crise política muito grave, há um problema muito grave de insegurança – há uma média de 20 mil pessoas assassinadas por ano nos últimos anos –, mas Portugal não tinha necessidade nenhuma de assumir este tipo de posição neste momento. Deixava que a União Europeia falasse, mas sem expressar uma posição. A Itália não se pronunciou, as Nações Unidas também não. Há um tempo para tudo.