O que o levou a aceitar o convite de Santana Lopes para liderar a lista da Aliança ao Parlamento Europeu?
Em primeiro lugar, o convite em si mesmo. O facto de um partido liderado por um político antigo, se me permite a expressão, escolher para encabeçar a lista à primeira eleição alguém como eu, independente e inexperiente nas lides partidárias, mostra coragem. Essa é uma qualidade escassa na vida política em Portugal. Mas o mais importante é o facto de eu acreditar que posso contribuir, devido a uma longa experiência, profissional e académica, em assuntos europeus, para mudar o que deve ser mudado. Não me faltam ideias nem entusiasmo.
O que distingue a Aliança dos restantes partidos a nível europeu?
É um partido novo, liberal e com preocupações sociais evidentes, que diz ao que vem: queremos apropriar-nos das causas que em geral alimentam os populismos e os radicalismos dos dois lados extremos do espetro partidário e ajudar a dar resposta às inquietações que as pessoas manifestam, numa perspetiva moderada, liberal, de liberdade construtiva e útil. Um partido moderado, disposto a ser radical na luta contra as ameaças à democracia e à liberdade.
Se a Aliança conseguir eleger um deputado é um bom resultado?
Se a Aliança conseguir eleger três deputados é bom, quatro seria excelente. Dois é aceitável, um é o mínimo.
Estas eleições são as primeiras para este novo projeto. Serão decisivas para o sucesso da Aliança?
Sem dúvida. É um primeiro passo de uma caminhada que será longa, importa que seja desde logo firme e convicto. Um bom resultado lança o partido e coloca-o na pole position do novo espetro partidário que em Portugal inevitavelmente se irá começar a criar.
Onde pensa ir buscar os votos? Ao PSD e ao CDS ou sobretudo à abstenção?
A abstenção é obviamente crucial. É fundamental que as pessoas, sejam independentes ou comprometidas politicamente, regressem à política. Por isso, sim, há um enorme manancial de votos a ganhar à abstenção, que em Portugal atingiu quase 67% nas eleições europeias de 2014. Agora, se os eleitores tradicionais de PSD e CDS repararam em nós e quiserem votar na Aliança, pois serão muito bem-vindos. Suspeito que alguns já estarão a pensar nisso.
A abstenção é geralmente elevada nas eleições europeias. Pensa que existe um desinteresse dos eleitores em relação ao Parlamento Europeu?
É um facto. Não me peça para adiantar soluções milagrosas. As pessoas não votam para o Parlamento Europeu porque não têm uma visão clara do modo como ele influencia as suas vidas. É essa perceção que deve ser mudada e há propostas na nossa plataforma eleitoral para ajudar a resolver esse problema.
Julga que os eurodeputados portugueses têm conseguido prestar contas ao eleitorado do trabalho que desenvolvem no Parlamento Europeu?
Os eurodeputados portugueses, e não é de agora, tendem a ser invisíveis aos olhos dos eleitores. Em parte a responsabilidade é deles, em parte da forma como a relação com Bruxelas, ou com as instituições europeias, está organizada. É essencial mudar isso.
O Governo está a cumprir as metas de Bruxelas em relação ao défice, mas ao mesmo tempo é inegável a fragilização de alguns serviços públicos devido à necessidade de cumprir as metas traçadas por Bruxelas. Deveria existir maior flexibilidade para, por exemplo, não sacrificar áreas como a Saúde?
A verdade é que seria possível cumprir com essas metas, pelo menos no essencial, e conseguir assegurar o funcionamento do Estado naquilo que são algumas das suas funções essenciais. O que não está a suceder. O Governo não conseguiu encontrar a fórmula certa no que respeita ao investimento público necessário para alavancar o investimento privado de que tanto precisamos. Por outro lado, a fórmula governativa, na sua ambiguidade programática – e em poucos domínios isso é tão claro como na dimensão europeia -, contribui para a tensão entre os objetivos das políticas públicas desenvolvidas. Não julgo que haja desculpas para o que está a acontecer na Saúde, por exemplo, mas Bruxelas sempre foi um bode expiatório muito conveniente.
Como vê a relação deste Governo com as instituições europeias?
Somos por uma diplomacia muito eficiente mas que raramente faz ruturas. É um pouco a tese do bom aluno. E nas instituições, nomeadamente nas europeias – conheço bem esse processo, muitos exemplos ao longo de muitos anos – os portugueses agem sempre mais como agentes livres, descomprometidos, do que como parte integrante de uma lógica nacional. Somos assim, não sei se há muito a fazer.
Portugal ganhou em ter Mário Centeno como presidente do Eurogrupo?
É sempre bom, claro, que um português tenha funções relevantes em organizações internacionais. No Eurogrupo, como se sabe um órgão não previsto no elenco institucional estabelecido pelo Tratado, Centeno deve ter-se sentido dilacerado entre a sua veste de responsável máximo por um dos institutos responsáveis pela garantia da ortodoxia financeira e o chapéu de ministro das Finanças de um dos países do sul da Europa mais frágeis em termos económicos, com um défice controlado mas precário e uma dívida elevadíssima.
Teme que a saída do Reino Unido da União Europeia tenha consequências para Portugal?
Não poderá deixar de ter. Deixe-me dizer-lhe uma coisa muito simples e que parece ser uma espécie de física nuclear, atendendo à incompreensão com que a ideia é recebida e analisada por tanta gente: ninguém na Europa, com exceções, claro, gosta da ideia do Reino Unido sair da União Europeia. Há mais disso, desse sentimento feito de perda e pena, do que propriamente de uma visão revanchista que tantos tolamente gostam de evocar. É normal e, por isso, é também normal que os europeus apreciassem ver o Brexit revertido; mas isso, nesta altura do campeonato, já não parece possível. E rezando para que a senhora May veja a luz, uma luz qualquer, resta-nos esperar ainda por um acordo que salvaguarde o essencial. O pior cenário possível é uma saída sem acordo. Ainda que a saída em si, repito, seja sempre negativa para a Europa e, naturalmente, também para Portugal.
Teme que o populismo ganhe mais peso na Europa?
A ameaça é real. Não há futuro com valores se o populismo, e logo a democracia iliberal, e logo o autoritarismo, e logo o nacionalismo identitário radical, triunfarem. Por isso, gosto de dizer que os moderados devem fazer uma guerra sem tréguas ao radicalismo extremista, xenófobo, protecionista e nacionalista. A ideia de um radicalismo moderado na luta contra o populismo radical parece-me quase poética. Mas as implicações da sua eventual derrota seriam catastróficas.
Esperava as críticas que surgiram ao Presidente da República quando anunciou a sua candidatura?
Esperar, confesso que não, nem acho que na altura fizessem qualquer sentido. Se reparar, dos meus concorrentes não me consta que ninguém tenha até agora cessado ou suspendido funções onde quer que esteja. Mas acabou por ser bom, deu visibilidade à candidatura.
Ainda está a colaborar com a Presidência da República?
A suspensão de funções já foi pedida, deixarei de colaborar na Casa Civil do Presidente da República nos próximos dias.