Um quarto dos trabalhadores vivem em situação de pobreza extrema

O relatório apresentado ontem pela OIT aponta a qualidade do trabalho no mundo como o principal desafio. Documento chama ainda a atenção para os novos modelos de negócios que comprometem os direitos alcançados

Trabalho precário, mal remunerado, sem proteção social ou direitos laborais: este é o cenário negro traçado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no relatório apresentado ontem sobre as “Perspetivas Sociais e do Emprego no Mundo”. Os dados não são animadores: cerca de um quarto dos trabalhadores vivem em situação de pobreza extrema ou moderada. E apesar da redução da taxa de desemprego a nível mundial, a OIT considera que isso “não se refletiu na melhoria da qualidade do emprego”, o que torna irrealista a meta de trabalho digno para todas as pessoas, enquanto base do desenvolvimento sustentável.

De acordo com o relatório, existem pelo menos 700 milhões de pessoas no mundo que vivem em situação de pobreza extrema ou moderada, apesar de estarem empregadas. “Ter um emprego nem sempre garante condições de vida dignas”, alerta Damian Grimshaw, diretor do Departamento de Investigação da OIT.

Recorde-se que, apesar da diminuição dos números de desemprego a nível mundial, cerca de 172 milhões de pessoas continuavam numa situação de desemprego em 2018, o que corresponde a uma taxa de desemprego de 5%. Ou seja, o desemprego atingiu um patamar que só se tinha verificado antes da crise financeira de 2008.

E o relatório deixou um alerta: um dos maiores desafios dos mercados de trabalho a nível global “é a qualidade do emprego”: “Milhões de pessoas continuam a ser obrigadas a aceitar um emprego que não corresponde ao padrão de trabalho digno.”

 

Precariedade Outro dos alertas do relatório diz respeito à precariedade. E, neste campo, Portugal está na cimeira. Os contratos com uma duração de seis meses ou menos representavam quase 50% dos contratos de trabalho temporários no mercado nacional.

Aliás, no relatório da OIT, o nosso país lidera o ranking neste campo, surgindo à frente de Espanha e Holanda. “Os contratos de trabalho temporários desse tipo [com pelo menos dois anos de duração] representaram mais de um terço do emprego temporário na Alemanha, Áustria e Dinamarca, em comparação com menos de 10% em França, Espanha e Portugal”, diz o documento.

Também o trabalho informal é destacado no relatório. E, a nível global, cerca de dois mil milhões de trabalhadores estão nesta situação, ou seja, 61% da força de trabalho a nível mundial – uma situação mais comum nos que trabalham por conta própria. “Os trabalhadores informais são muito mais propensos a viver em condições de pobreza do que os trabalhadores formais”, lê-se. E o documento acrescenta: “Muitas vezes, [os trabalhadores informais por conta própria] não cumprem as obrigações fiscais e enfrentam sérias dificuldades em celebrar contratos comerciais e obter acesso a recursos financeiros, mercados ou propriedades.”

 

Desigualdades O emprego antes dos 25 anos é outra das preocupações da OIT, uma vez que, segundo o relatório, um em cada cinco jovens não trabalha, não estuda e também não está em formação – os designados “nem-nem” –, o que pode não só comprometer as suas perspetivas futuras de emprego como também, a longo prazo, uma taxa elevada de jovens nesta situação pode comprometer o crescimento económico.

A mesma desigualdade verifica-se em relação às diferenças entre mulheres e homens no acesso ao emprego. A nível mundial, apenas 48% das mulheres fazem parte da população ativa, em comparação com 75% dos homens. Além disso, as mulheres também estão em maioria na situação de subemprego.

Para a organização, esta diferença percentual é alarmante e, por isso, defendeu a necessidade de medidas políticas para a reduzir. Ainda assim, admite que apesar de este problema ser universal, as desigualdades de género são mais fortes nos Estados árabes, no norte de África e no sudeste da Ásia.

 

Tecnologias O relatório chama ainda a atenção para o facto de alguns dos novos modelos de negócios, tendo em conta a utilização de novas tecnologias, “ameaçam comprometer as conquistas alcançadas no mercado de trabalho”, nomeadamente em áreas como a melhoria da formalidade e segurança do emprego, proteção social e normas laborais.

Mas nem tudo são más notícias. O documento destaca alguns aspetos e sinais positivos do trabalho a nível mundial, nomeadamente a grande diminuição da pobreza no trabalho ao longo dos últimos 30 anos, e ainda o aumento no número de pessoas com formação escolar e profissional. E admite que, caso se consiga evitar uma desaceleração significativa da economia nos próximos anos, o desemprego poderá diminuir ainda mais em muitos países.