Lista de pedófilos tem mais de 5.200 nomes referenciados

Número de nomes na ‘lista de pedófilos’ aumentou no ano passado. Pais e diretores não acham que acesso deve ser alargado, mas diretores dizem que autoridades deveriam estar mais alerta a eventuais situações de perigo.

Lista de pedófilos tem mais de 5.200 nomes referenciados

O número de nomes no Registo de Condenados por Crimes Sexuais contra Crianças (RCCSC) aumentou no ano passado. Contactado pelo SOL, o Ministério da Justiça revelou que no terceiro ano em que esta lista está em vigor foram contabilizados um total de 5.280 nomes.

O ano passado fechou com mais 247 inscrições do que 2017, o que não significa que tenha sido inscrita apenas esta quantidade de nomes. Isto, porque, assim como vão sendo inseridas identificações de pedófilos sempre que há uma condenação, também são retiradas depois de o prazo estabelecido pela Justiça acabar. E o Ministério da Justiça não informou quantos foram retirados para que se pudesse fazer o balanço de quantas novas inscrições foram feitas entre novembro de 2017 e novembro de 2018. 

Ao SOL, fonte oficial esclareceu que a contabilização dos novos casos a partir da lista seria sempre complexa, dado que, quando alguém é condenado por pedofilia é estabelecido «um certo prazo para a vigência da inscrição no registo (5, 10, 15 ou 20 anos) conforme a pena aplicada», sendo «a contagem deste prazo» interrompida sempre que exista «uma nova condenação, recomeçando nova contagem».

A tutela explicou ainda que o nome de alguém que tenha sido condenado por crimes desta natureza entra automaticamente nesta lista, a que apenas as autoridades policiais e os tribunais podem ter acesso. Desde que entrou em vigor – em novembro de 2015 – até ao ano passado a lista foi consultada  405 vezes, revelou o gabinete de Francisca Van Dunem. 

No primeiro ano em que entrou em vigor mais de cinco mil nomes foram adicionados a esta lista – que no final desse ano reuniu um total de 5.736 registos. Em 2017 a lista contabilizou um total de 5.033 nomes. 

Escolas não veem vantagem em ter acesso à lista

Muito se tem discutido sobre se o acesso a esta lista é demasiado restrito, sobretudo se comparado com experiências de outros países. Mas as escolas parecem não ver vantagens no acesso ao nome dos condenados por pedofilia. Contactado pelo SOL, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, explicou que alargar o acesso desta base de dados às escolas não é fundamental – até porque no início de cada ano letivo as instituições têm acesso ao registo criminal dos funcionários.

Quanto a eventuais casos de pessoas que tenham sido condenadas por crimes de abuso sexual de menores e que vivam perto das escolas, Filinto Lima disse que não devem ser as escolas a estar atentas – porque não têm capacidade de atuar se acontecer algum incidente – mas sim as autoridades. E por isso deixa uma sugestão: «A Escola Segura, que é um bom programa do Ministério da Educação, deve acautelar esse tipo de situações. Deve saber onde vivem essas pessoas, se fica perto das escolas, se costumam rondar as escolas e atuar em conformidade».

Também para Rodrigo Queiroz e Melo, presidente da Associação da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), alargar o acesso desta lista às escolas não é crucial, uma vez que estas já têm acesso através do registo criminal – isto no caso dos funcionários a recrutar. Caso a lei não obrigasse as escolas a pedir o registo criminal, no momento da contratação, aí sim, defende, seria fundamental que as escolas tivessem acesso ao RCCSC. «As escolas não precisam de saber quem é que são, precisam é de ter a certeza» que os funcionários que lá trabalham «não foram condenados por crimes desta natureza», acrescenta.

Adelino Calado, diretor do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, corrobora com ambos: «Não me parece que seja fundamental». «A questão é que todos os anos somos obrigados a solicitar e recebemos o registo criminal. Se o registo criminal tiver alguma indicação, atuamos rapidamente, quer com os serviços centrais, quer com os tribunais. Não é imprescindível ter acesso a essa lista», completou.

E para os pais, esta lista deveria menos restrita? Contactado pelo SOL, Rui Martins, presidente da Confederação Independente de Pais e Encarregados de Educação (Cnipe),  disse que divulgar estes nomes pode não «ser o melhor caminho». Alerta, no entanto, que quem está à frente das escolas deve procurar saber mais sobre a sua envolvente, mas sobretudo sobre os candidatos.

Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional da Associação de Pais (Confap) vai um pouco mais longe: «Acho que devem ter cuidado na divulgação da lista», disse, acrescentando que os pais não devem ter acesso a esta base de dados, para que se evitem ações irracionais. 

No entanto, considerou que as escolas deviam ter mais acesso e que as autoridades competentes deveriam passar uma espécie de declaração às escolas com mais informações sobre aquela pessoa. E deu o exemplo: Uma «pessoa foi a julgamento por causa de crimes de abuso sexual de menores, mas foi declarada inocente», pode ser contratada, mas a escola já sabe que deve estar mais atenta naquele caso. «Às vezes a justiça também erra, é humana», adverte.

Falta de fiscalização das escolas?

Numa investigação recente da TVI foram denunciados dois casos de condenados por abusos sexuais que voltaram a trabalhar diretamente com crianças: o de um professor que depois de ter sido condenado pelo abuso sexual de cinco menores foi contratado para dar aulas noutra escola pública e o caso de uma educadora de um externato que foi acusada por lenocínio agravado por ter usado crianças de seis e oito anos para satisfazer sexualmente o seu amante e que, atualmente, é dona de um jardim de infância. 

Rui Martins, lamentou que exista «este tipo de situações, porque os profissionais trabalham diariamente com crianças». «Naturalmente que se tivesse conhecimento que um professor da minha filha tinha sido condenado por um ato desses estaria muito preocupado», acrescentou.

Ao SOL, fonte do Ministério da Educação afirmou nos últimos dias que a tutela acompanha e apoia «permanentemente o trabalho desenvolvido pelos diretores das escolas, no sentido de esclarecer todas as eventuais dúvidas procedimentais que surgem no tratamento desta matéria». Além disso, a mesma fonte disse que foi enviada uma «nota informativa a todos os diretores das escolas, no presente ano letivo, [dando conta da]  necessidade, prevista na lei, de ser pedido anualmente o certificado de registo criminal a todos os trabalhadores». «Para reforçar o cumprimento desta medida de prevenção legal foi também incluído, no procedimento de recenseamento anual dos docentes, a confirmação da verificação do registo criminal pelos diretores das escolas», conclui a tutela.

Acesso para todos os cidadãos? 

As realidades de Portugal e dos Estados Unidos da América são bastante distintas no que diz respeito a esta matéria. Enquanto do outro lado do Atlântico existe uma base de dados com os nomes e moradas dos agressores sexuais, que qualquer cidadão a pode consultar, em Portugal, como referiu o Ministério da Justiça, o acesso é limitado às autoridades e aos tribunais.

Contactado pelo SOL, o advogado Miguel Matias disse achar adequada a lei portuguesa. A divulgação desta base de dados a todos os portugueses, referiu, poderia «criar condições de alarmismo desnecessário e de injustiça também». O advogado explicou que podem existir pessoas condenadas por crimes desta natureza que depois de cumprirem a sua pena querem seguir em frente e refazer a sua vida – sem rótulos. E exemplificou: «Mudo de apartamento e o vizinho do lado vai tentar saber se sou abusador sexual, não é assim uma coisa muito correta».

No entanto, aos olhos de Miguel Matias, as escolas e os jardins de infância deveriam poder questionar as autoridades competentes sobre se uma determinada pessoa reúne as condições «necessárias para trabalhar com crianças» ou com elas ter qualquer contacto.

Mas admite que tudo neste tema é complexo e sensível. «Estamos a falar aqui de dois direitos fundamentais: por um lado o da reserva do bom nome e intimidade da vida privada (neste caso das pessoas que se candidatam aos empregos) e por outro lado o da própria criança. É da ponderação destes dois direitos que deve nascer o equilíbrio», completou.

Quando a pessoa que se candidata a cargos que pressupõem ligações a crianças geralmente têm de apresentar o seu registo criminal. Se esse registo não estiver limpo, a entidade empregadora tem toda a legitimidade em recusar a contratação, podendo até alegar que a pessoa não foi contratada com base no seu registo criminal.

Caso a entidade decida contratar uma pessoa que já tenha cumprido a pena a que foi condenado por crimes de pedofilia a única solução é estar mais atenta a qualquer reincidência. «Qualquer colégio, uma instituição que acolhe crianças, naturalmente tem obrigação de estar atento aos sinais das crianças e dos próprios movimentos das crianças», disse ao SOL, acrescentando que a maior parte das vezes os menores transmitem sinais de formas diferentes. 

E que sinais podem ser esses? «Através de desenhos. Uma criança de tenra idade fazer um desenho com manifestações sexuais», exemplificou o advogado. «Os educadores têm de estar muito atentos aos sinais que as crianças manifestam», completou, lembrando que os educadores devem abordar o assunto com cuidado.

Contudo, considerou que às vezes não são as pessoas condenadas por estes crimes que são as mais perigosas: «As pessoas mais perigosas não são aquelas que foram condenadas, são aquelas que não se descobriram ainda. É preciso estar muito atento». 

Visão idêntica à de Miguel Matias, tem Pedro Corrêa Martins, advogado e sócio da PMCM Advogados. Para Corrêa Martins, a base de dados não deve ser disponibilizada a toda a população, «porque isso pode ter consequências mais gravosas». 

«Acho que há na realidade o dever de essa informação estar disponível, mas apenas para determinados agentes», disse. 
Reforçou ainda que a lei não especifica se o empregador deve ou não contratar quem já tenha sido condenado e que se a empresa decidir contratar tem que assumir responsabilidades: «Se escolheu assumiu. A lei nisso não lhe dá solução». Em casos em que essas pessoas são contratadas, a «própria atividade com os menores que terá de ser mais vigiada», finalizou.