Desde o ano passado que Neto de Moura, juiz do Tribunal da Relação do Porto, é notícia pela assinatura de acórdãos polémicos. Na semana passada, o juiz voltou a ser tema de conversa nas redes sociais e nos media e já há quem queira o afastamento de Neto de Moura dos tribunais. Na internet, as petições públicas multiplicam-se e já existe uma petição que conta com mais de seis mil assinaturas. “Exigimos que o sr Neto de Moura seja impedido de exercer a função de juiz, visto ter dado mostras de incapacidade total para exercer tal função. Esperamos e desejamos que as mulheres em Portugal passem a ser tratadas com equidade”, lê-se na petição. Além disso, há ainda quem diga que quer ser processado pelo juiz: “Porque achamos discriminação o Sr juiz Neto de Moura só ter escolhido 20 pessoas para processar. Todos nós temos os mesmos direitos e também queremos ser processados”.
Os portugueses querem ser processados, porque Neto de Moura está agora a construir uma lista de 20 pessoas e entidades que quer levar a tribunal por ofensas à honra profissional e pessoal.
Os 20 nomes da lista negra de Neto de Moura ainda estão a ser analisados, mas Ricardo Serrano Vieira, advogado de Neto de Moura, avançou ao jornal “Público” que os comentários feitos em esfera púbica estão a ser examinados para perceberem quem vai efetivamente ser processado. No entanto, Mariana Mortágua, Fernanda Câncio, Joana Amaral Dias, Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, Diogo Batáguas e João Quadros são nomes que já integram a lista – falta, por isso, decidir 13 nomes. O advogado sublinhou ainda que Neto de Moura “respeita quem possa ter uma decisão jurídica diferente da dele ou até mesmo o cidadão que se insurja”.
“Não podemos aceitar que num Estado de direito se enxovalhe uma pessoa, nem que se ofenda — isso não é liberdade de expressão. Não vale tudo”, garantiu o advogado, que adiantou ainda que Neto de Moura vai pedir uma indemnização.
A Direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses coloca-se ao lado do juiz Neto de Moura e afirma que o “direito de criticar não permite o insulto”. Ao “Público”, o presidente do sindicato, Manuel Soares, considera que houve “um abuso e exagero na forma como criticaram” o juiz. “Uma coisa é dizer que o juiz não tem condições para exercer as suas funções, outra é achincalhá-lo”, disse Manuel Soares.
As opiniões de quem vai ser processado
Os comentários começaram logo no início da semana passada. Na segunda-feira, a ex-deputada Joana Amaral Dias escreveu no Facebook que o “magistrado do tribunal da Relação do Porto é um perigo para a segurança pública”. Depois de saber que vai ser processada pelo juiz, o silêncio não foi opção e voltou às redes sociais. “O juiz Neto Moura vai processar-me. A mim e a mais uns quantos que o criticaram. Não admira que alguém que defende o apedrejamento de mulheres adúlteras conviva mal com a liberdade de expressão e de opinião”, escreveu. Também semelhantes foram as palavras de Mariana Mortágua: “Um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres não deixa de ser um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres só porque se ofende que digam que é um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres”.
Na esfera humorística, Ricardo Araújo Pereira usou o estado atual da justiça para ilustrar o seu programa da TVI e disse: “Uma advertência destas faria sentido se for enrolada, enfiada no rabo do juiz. Pode parecer chocante, o juiz se calhar discorda, mas há um precedente bíblico. Em Levítico 3: 17, o Senhor disse a Moisés: e enrolarás a advertência e enfiá-la-ás no rabo do juiz”.
Recorde-se que no início da semana passada, Neto de Moura determinou a retirada da pulseira eletrónica a um homem que rebentou um tímpano à mulher com um muro em 2016. A aplicação da pulseira eletrónica tinha sido decidida pelos juízes de primeira instância no sentido de garantir que o homem – condenado a pena suspensa – não voltava a aproximar-se da mulher que agrediu durante anos.
No entanto, os factos foram interpretados de forma diferente pelo juiz Neto de Moura. “Este caso de maus tratos está longe de ser dos mais graves que surgem nos tribunais. O quadro traçado na acusação está longe, muito longe mesmo, de corresponder à realidade dos factos provados”, escreve Neto de Moura no acórdão. E diz mais: “A única situação devidamente concretizada, de violência física (aquela que, normalmente, é mais grave e tem consequências mais nefastas) é ocorrida em abril ou maio de 2016, em que o arguido desferiu vários socos em C…, atingindo-a nas diferentes zonas da cabeça, incluindo ouvidos, provocando-lhe perfuração do tímpano esquerdo, além de edemas, hematomas e escoriações”.
Assim, concluiu o juiz da Relação que “os factos, apreciados na sua globalidade, não revelam uma carga de ilicitude particularmente acentuada, confinando-se àquilo que é a situação mais comum no quadro geral da violência doméstica”.