Não há meio de dar-se demasiada importância ao sexo. É o impulso que fica aí doseando a folga na corda que temos, e nos espicaça, organiza o baile para a atração dos corpos. É um privilégio dos bichos, esses que têm autonomia suficiente para montar o seu recreio entre as fissuras das leis físicas que governam o cosmos. Existências minúsculas que, de outro modo, talvez se sentissem demasiado tentadas a inexistir. Já Henry Miller, pela boca de um dos seus personagens, nos garantia que aquilo “que mantém o mundo colado, como aprendi às minhas próprias custas, são as relações sexuais.”
É a cola, a argamassa da sociedade. Dá para supor que, não fosse o sexo, e muitos nem teriam razão para se levantarem da cama. Afinal, de todas as agruras e os apuros em que nos metemos, que outra coisa o justifica senão a ânsia de voltar para a cama, mas arrastando alguém. O especialista brasileiro em anatomia e deboche, Reinaldo Moraes, lembrava no seu “Pornopopeia”: “A alma, como se sabe, é um organismo arcaico com três órgãos: miolos, estômago e genitália.” Basta ter alma, por isso, para sentir a coceira, um desejo de se abrir todo, virar-se do avesso. E aí entra em jogo essa necessidade que vamos tendo de roçar até se perder na alteridade do outro, “uma experiência de solidão que esplende através de um contacto absoluto” (Martin Amis). Mas já chega de tomar balanço. Até porque, nos últimos tempos, o milenar jogo de sedução da nossa espécie levou um rombo valente da evolução tecnológica.
Estão a ganhar cada vez maior expressão as estatísticas que pintam um quadro ominoso no que toca ao império que os estímulos sexuais tinham no quadro geral do desejo. Em 2016, um grande estudo realizado nos EUA veio dizer-nos que os millennials estão a ter menos relações sexuais do que a geração anterior, mas já esta semana o National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles – o maior estudo sobre hábitos relacionados com a saúde sexual no Reino Unido – revelou que mais de 30% dos jovens enfrentam problemas que antes eram mais comuns entre a população mais velha. Entre os jovens sexualmente activos, 34% dos homens e 44% das mulheres admitem ter tido pelo menos um problema do foro sexual que se prolongou por três ou mais meses.
De resto, se o Viagra antes dirigia as suas campanhas a homens mais velhos e que já se ressentiam em termos de saúde mental e física, hoje as pesquisas indicam que entre 14% a 35% dos jovens sofrem de disfunção eréctil. Mary Sharpe, da Reward Foundation – uma instituição de caridade britânica de âmbito educacional que se foca nas questões do amor, sexo e internet –, refere ao “The Guardian” que, até 2002, a disfunção eréctil afetava entre 2 a 3% dos homens com menos de 40 anos, mas desde 2008, (altura em que os sites de pornografia gratuitos e a internet a alta velocidade generalizam esse consumo) o número registou uma subida vertiginosa. E não faltam estudos que comprovam que a pornografia é um fator decisivo na alteração dos comportamentos sexuais entre as gerações mais novas.
A perda da virgindade sensorial acontece-nos cada vez mais. Já ninguém sabe ao certo com que idade essa inocência se esfuma, e muitas vezes, quando chega a adolescência, e damos por nós com o barco de papel do nosso ânimo perdido no meio de uma tempestade hormonal, há muito deixámos de explorar os domínios da pornográfica com um espanto que roça o terror. Mesmo a infância deixou de encontrar um grande fosso protetor à sua volta. Em Portugal não há muitos dados recolhidos sobre o consumo de pornografia pela população mais jovem, mas um estudo realizado entre 2016-17 pela Middlesex University (Londres) revelou que entre os 11 e os 16 anos, 48% dos miúdos tinham já visto pornografia online, sendo que, deste grupo, a vasta maioria (93%), aos 14 tinham já feito posto o pé nessa lua devassa que realiza a sua órbita a uma distância cada vez mais próxima de todos nós.