O reforço do investimento nas renováveis vai contribuir para uma «descida sustentável dos preços da energia a prazo». A garantia foi dada pelo CEO da elétrica em conferência de imprensa após a apresentação do plano estratégico da EDP para 2019-2022, em Londres. Ainda assim, António Mexia chamou a atenção para o facto de os preços finais da luz dependerem de várias componentes que «nada têm que ver com a dinâmica do mercado» nacional e que, no seu entender, tem «elevados níveis de concorrência».
O que é certo é que a aposta na energia renovável e na venda de ativos é a estratégia da EDP até 2022. «A companhia é única e está preparada para a mudança energética», reconhecendo que «foi preciso ajustar o foco». Para isso, defende a redução da exposição em determinadas áreas e, consequentemente, está a ser levado a cabo um plano de venda de ativos. Só em Portugal e em Espanha, a empresa pretende encaixar mais de dois mil milhões de euros, nos próximos quatro anos, com a alienação de ativos em regime de mercado e centrais térmicas. No entanto, não está afastada a venda de barragens. Quando questionado sobre quem poderá vir a adquirir esses ativos, António Mexia não hesita: «Há sempre interessados».
A par desta venda, a elétrica prepara-se para acelerar o modelo de rotação de ativos, estratégia que tem vindo a concretizar nos últimos anos e que irá permitir um encaixe de quatro mil milhões de euros.
O que está em cima da mesa? A EDP prevê uma geração de recursos financeiros de 12 mil milhões de euros nos próximos quatro anos, ou seja, 2,9 mil milhões de euros por ano, dos quais sete mil milhões serão canalizados para novos investimentos. Cerca de 75% do investimento previsto será em energias renováveis, sendo os Estados Unidos o principal destino (40%), seguidos pela Europa (35%) e o Brasil (25%). Ao mesmo tempo, a elétrica acredita que irá distribuir três mil milhões de euros em dividendos e usar cerca de dois mil milhões de euros para baixar a dívida até 2022.
Uma alteração de estratégia aplaudida pelo senior account manager da XTB, José Bebiano Correia que ao SOL revela que as renováveis apresentam a melhor fatia das receitas do grupo. «A energia renovável é sem dúvida o setor com maior potencial de crescimento para a EDP». Quanto à venda de ativos, o analista lembra que essa estratégia pretende agilizar a estrutura de custos da empresa, que no seu entender «não possui atualmente o nível ótimo de dívida devido à transição da maior parte das receitas do setor elétrico para o renovável». E deixou uma garantia: «A evolução da EDP passa por focar-se nas operações mais rentáveis e com maior procura, pelo que esta opção é coerente com os objetivos e visão estratégica do executivo para os anos vindouros.»
Esta revisão do plano ocorreu na mesma semana em que a empresa apresentou os resultados referentes a 2018, revelando uma queda dos lucros de 53% para 519 milhões de euros. A operação em Portugal apresentou prejuízos de 18 milhões de euros – pela primeira vez desde o início da privatização, em 1997.
A elétrica justificou este resultado com o forte impacto da elevada fiscalidade e das decisões regulatórias adversas. De acordo com a EDP, estes impactos, avaliados em 672 milhões de euros, acabaram por condicionar fortemente também a atividade global da empresa.
Um argumento que não convence José Bebiano Correia ao admitir que esta quebra dos resultados não se poderá limitar apenas pelas medidas impostas pelo Governo português. «As medidas impostas pelo governo foram uma pedra no sapato para a EDP, constituindo uma porção significativa dos custos operacionais de 2018 para o mercado nacional. No entanto, só esse fator não pode justificar a quebra de 53% dos resultados relativos a 2018 face a 2017, que demonstram que a empresa precisa de rever os seus objetivos estratégicos, uma vez que não está a alocar os seus recursos de forma eficaz», diz ao SOL.
Além disso, segundo a elétrica, em 2017 a empresa tinha beneficiado de um ganho extraordinário com a venda do negócio de distribuição de gás em Espanha, no valor de cerca de 591 milhões de euros. No ano passado, a dívida líquida da EDP diminuiu 3% para 13.500 milhões de euros, o correspondente a 400 milhões de euros. E vai propor a manutenção do dividendo aos acionistas relativo a 2018 nos 19 cêntimos por ação.
A verdade é que as decisões que têm sido levadas a cabo pelo Governo português levaram António Mexia a falar em «nuvens regulatórias» que, ainda assim, acredita que «já passaram». Mas ‘nuvens’ suficientes para levarem o presidente da EDP a garantir que dos 285 milhões de euros que a empresa provisionou, apenas um terço foi usado para baixar as tarifas elétricas em 2019. Por isso mesmo, o responsável acredita que há margem financeira para reduzir preços. «O céu está a ficar mais azul», referiu durante a apresentação do plano estratégico. E, esta instabilidade não é suficiente para pôr em causa os investimentos no nosso país, admitindo que a empresa vai continuar comprometida com Portugal, tal como esteve no passado, recordando que foi o maior investidor no mercado português na última década. «Sempre fomos comprometidos com Portugal e podem contar connosco», mas lembrou: «A estabilidade das regras é fundamental nos investimentos.»
OPA incerta
Apesar das dúvidas que têm sido colocadas em relação a um desfecho positivo da oferta pública de aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG), António Mexia garantiu que a operação continua em marcha e que está a avançar. «Os passos estão a ser dados. Agora, este trabalho administrativo é talvez mais complexo e mais longo do que as partes pensavam. Mas temos prova de que está a ser feito», disse, mostrando-se ainda otimista em relação ao registo da OPA que, no seu entender, deverá ocorrer «em breve».
No entanto, o embaixador norte-americano em Portugal, George Glass, já veio revelar que Washington não vai permitir que os chineses controlem os Estados Unidos. «A EDP controla 80% da energia elétrica em Portugal. Do ponto de vista dos Estados Unidos, do ponto de vista de negócios, como do meu ponto de vista pessoal, não deve haver uma entidade estrangeira a deter a vossa energia elétrica. Deve ser controlada pela Nação ou pelos privados sob regulação nacional. Não é o caso do que está a ocorrer com a EDP», disse em entrevista ao Jornal Económico. O diplomata revelou também que os Estados Unidos opõem-se «absolutamente» a este negócio, por uma questão de segurança nacional, deixando a garantia de que «em nenhuma circunstância os chineses vão controlar o que a EDP tem nos Estados Unidos, o terceiro maior produtor de energia renovável».
Também os analistas contactados pelo SOL garantem que a oferta pública de aquisição está cada vez mais condenada ao fracasso. Primeiro porque, as negociações entre as duas empresas «não parecem estar bem encaminhadas, uma vez que existem vários impedimentos regulatórios nesse sentido». Depois, o fundo Elliott diz que a cotação atual da EDP em bolsa está abaixo das estimativas de mercado, «o que tornará os rendimentos do conglomerado nacional ainda mais voláteis, aumentando a incerteza relativamente a um desfecho bem-sucedido da OPA em curso».
Em causa está a carta do fundo americano Elliott, que tem 2,9% do capital da elétrica, enviada ao presidente do conselho geral da empresa em fevereiro a alertar para o impasse criado pela oferta da China Three Gorges, chamando a atenção para que o preço oferecido pelos acionistas chineses ser «excessivamente baixo», acabando por «subavaliar significativamente» a empresa liderada por António Mexia.
«A oferta da CTG, tal como se encontra atualmente, não favorece os melhores interesses dos stakeholders [financiadores] da EDP e, em última análise, conduzirá a um enfraquecimento da EDP que será uma empresa mais volátil, com um conjunto de ativos menos atrativo e com poucas oportunidades de crescimento», disse o fundo, também conhecido como ‘Abutre da Argentina’.
De acordo com os analistas, «a carta enviada pelo fundo Elliott pretende minar as negociações da OPA em curso entre a EDP e a CTG, apresentando uma alternativa aparentemente mais interessante para aumentar o potencial de crescimento da EDP», admitindo que isso poderá influenciar as negociações da OPA em curso, apesar de não ser decisivo para o seu desfecho, mas essa perspetiva «será naturalmente considerada pelos decisores envolvidos nas negociações».
No entanto, ainda esta semana a Reuters avançou que a empresa poderia estar a avançar com um plano B no caso da operação não ser bem sucedida e que passaria por a EDP estar a formar uma parceria com a empresa pública chinesa para que a CTG consiga expandir-se no Brasil e na América Latina, citando fontes ligadas ao processo. De acordo com a agência de notícias, a CTG está inclinada a expandir-se na América Latina e, por isso, uma joint venture com a EDP nesses países seria uma solução ‘satisfatória’ caso a OPA falhe. No caso específico do Brasil, a EDP Energias do Brasil – detida em 51% pela EDP – tem uma capitalização de mercado de 2,8 mil milhões de dólares e a CTG tem ativos não listados no país. As duas empresas já formam uma parceria num projeto no Peru.
«Se a CTG falhar o aumento do controlo [da EDP], um retrocesso para o status quo é impossível, a CTG pode acabar por adquirir o negócio brasileiro e ter uma percentagem mais pequena na EDP», disse uma das fontes à agência. Outra das fontes revelou que a ideia é combinar os ativos da CTG no Brasil com a EDP Energias do Brasil. Como os ativos da CTG têm um valor estimado de 5,6 mil milhões de dólares, a junção das duas empresas daria à CTG controlo de cerca de dois terços da entidade combinada.
Apesar destas incertezas, António Mexia afastou o cenário de que a OPA poderia estar a condicionar a atividade da EDP, assim como a elaboração do seu plano estratégico, que, segundo o mesmo, foi aprovado por unanimidade, na segunda-feira, em conselho geral e de supervisão da EDP. «Não temos passividade, mas temos dever de lealdade. Obviamente, há operações que não podem ser feitas quando se está debaixo de uma OPA. Mas não é isso que está a acontecer», afirmou.