15 de setembro de 1979. A data em que foi publicada a lei do Serviço Nacional de Saúde depois de meses de discussão acesa no Parlamento tornou-se um marco na história do país. A caminho do 40.º aniversário, o Governo nomeou esta semana uma comissão para organizar as celebrações. Marta Temido chamou três gerações distintas: Francisco George, Catarina Sena e Rita Sá Machado. O antigo diretor-geral da Saúde era o único que já exercia ainda antes de o SNS dar os primeiros passos. Catarina Sena, administradora hospitalar e subdiretora geral da saúde, era ainda criança e Rita Sá Machado, médica especialista em saúde pública recentemente nomeada chefe de divisão de Epidemiologia e Estatística na Direção Geral da Saúde, ainda não tinha nascido. Em comum, aponta o despacho assinado por Marta Temido, a dedicação ao SNS na área da saúde pública. E a mesma ‘casa’: a DGS.
Ao SOL, o presidente da Cruz Vermelha Portuguesa adianta que as reuniões de trabalho já começaram e que haverá diferentes eventos associados, não revelando o orçamento que têm disponível. O principal será uma cerimónia prevista neste momento para o Coliseu de Lisboa, numa data que ainda não está fechada. George recorda que o distrito de Beja, onde trabalhava como médico de saúde pública, foi uma das «zonas piloto» do país no desenvolvimento do SNS na área dos cuidados primários e desenvolvimento da assistência materno-infantil.
São esses passos da construção do SNS que serão lembrados, indo aos «primórdios», descreve o diretor-geral da saúde. «Vamos juntar todos os elementos que contribuíram para a construção do SNS desde o programa do MFA [Movimento das Forças Armadas], que previa o desenvolvimento de um serviço de saúde, aos trabalhos prévios da lei de António Arnaut até à publicação da lei que ainda hoje tem o seu nome».
O projeto inicial do diploma deu entrada no Parlamento em novembro de 1978, assinado por António Arnaut, Mário Soares e Francisco Salgado Zenha. A votação final teria lugar em junho de 1979, com os votos a favor de PS, PCP, UDP e contra de PPD, CDS e de um conjunto alargado de deputados independentes. «Desde a minha juventude lutei pelos grandes valores da dignidade humana e quando por acaso fui para ministro dos Assuntos Sociais, assumi este compromisso. Foi um compromisso de honra que levei até ao fim perante muitas dificuldades e incompreensões, incluindo no meu próprio partido, a começar pelo ministro das Finanças Vítor Constâncio, que estava mais preocupado com os números do que com a dignidade dos portugueses. Eu sou mesmo socialista mas isto não tem nada a ver com ideologia, é uma questão ética», disse Arnaut na última entrevista ao jornal i em janeiro de 2018, na altura em que apresentou uma proposta de revisão da Lei de Bases da Saúde em conjunto com João Semedo, em que defendiam ser preciso ‘salvar’ o SNS do subfinanciamento mas também da degradação das carreiras e perda de funcionários e verbas para o setor privado.
A proposta, que o Bloco de Esquerda apresentou no Parlamento, propunha o fim das parcerias público-privadas na Saúde. A iniciativa do Governo, apresentada já depois do falecimento de António Arnaut e João Semedo – os dois vítimas de doença prolongada – acabou por não ir tão longe, mas defende o recurso ao privado e setor social por parte do SNS apenas de forma suplementar, dando primazia ao setor público.
A revisão da lei viria a revelar-se um processo turbulento: a proposta do Governo foi apresentada já depois da remodelação do Ministério da Saúde. Adalberto Campos Fernandes nomeara no início de 2018 uma comissão liderada pela ex-ministra socialista Maria de Belém Roseira para promover um debate alargado e apresentar uma pré-proposta de diploma.
Já com Marta Temido na liderança da Saúde, o diploma aprovado em conselho de ministros acabou por não incluir todos os pontos da iniciativa de Maria de Belém e foi lido como uma viragem à esquerda. No preâmbulo lê-se que o forte crescimento do setor privado da Saúde nos últimos anos foi «quase sempre acompanhado por efeitos negativos no SNS, sobretudo ao nível da competição por profissionais de saúde e da desnatação da procura».
Nas últimas semanas têm decorrido várias audiências em torno da revisão da lei no Parlamento. Esta semana, Maria de Belém Roseira, que já tinha criticado publicamente a decisão do Governo pela redução da proposta e a ministra da Saúde por não a ter convidado pessoalmente para a apresentação, vincou o mal-estar. «Estive na vida política muitos anos e faltaram-me muitas vezes ao respeito ou à consideração, mas às pessoas que eu desafiei para trabalharem de graça» não, disse a antiga ministra, citada pela Lusa.
Os deputados têm em mãos propostas do BE, do Governo mas também do PCP, do PSD e do CDS. Esta semana a comissão parlamentar de saúde pediu a primeira prorrogação do prazo até uma nova votação da generalidade das diferentes iniciativas, o que poderá prolongar por mais três meses os trabalhos – passando o prazo de 26 de março para o final de junho. O calendário fica apertado para haver uma nova Lei de Bases da Saúde a tempo do aniversário do SNS, o que era a intenção inicial do Governo.
Se o consenso alargado parece difícil, de Belém já houve o aviso de que Marcelo Rebelo de Sousa vetará uma Lei de Bases aprovada só à esquerda, o cenário que se vem desenhando como mais provável. O PS não tardou a reagir à posição avançada no final de janeiro pelo Público. «Penso que estava a estimular o PSD no sentido de se aproximar da perspetiva que os outros partidos também têm sobre a organização do sistema de saúde», disse Carlos César, admitindo o cenário de a iniciativa ser confirmada na AR.