Ex-secretária de Estado conta que foi “despejada há um ano”

Ana Benavente conta um dos problemas que enfrentou no ano passado, quando se viu despejada da casa onde vivia com os filhos. A ex-governante diz que o seu caso é o espelho da ‘Lei Cristas’ e que este Governo apenas ‘remendou’ e não resolve «nenhum problema da expulsão dos cidadãos da cidade».

Como entrou na política?

Comecei pelo PCP antes do 25 de Abril. Fiz parte de grupos de luta anti-imperialista, enquanto vivi na Suíça. Vivi fora do país quase dez anos, no exílio. Publiquei uns livros com o Grupo de Genebra Revisitado, com o António Barreto e Medeiros Ferreira, os colegas que lá estavam.

Foi para Genebra em que ano?

Em 65.

Como era o dia-a -dia em Genebra?

Trabalhei sempre enquanto estudei. Foram anos muito duros. Vivi lá o Maio de 68. O dia-a-dia era de tal modo, que ainda ontem recebi um longo mail de Genebra, onde continuo a ir frequentemente, a contar-me que vão fazer arquivos contestatários, financiados pela Câmara de Genéve, sobre os saisonniers, os trabalhadores temporários, que não tinham direito a estadia nem a levar a família, etc.

Conhecia de perto essa realidade?

O pai da minha filha mais velha, que nasceu lá, era um trabalhador temporário espanhol. Apareço em fotos que estão lá e por isso contactaram-me para participar num documentário sobre a primeira vez que os trabalhadores temporários sairam à rua, em maio de 1974. Há uma foto em que apareço, jovem, com um grupo de cerca de 300 jovens portugueses que nunca tinham saído à rua e não sabiam bem como se comportar. Tinham cartazes escritos em português, onde se lia «Mesmo trabalho, mesmos direitos», «Fora com o cônsul fascista de Genéve», que à época, era. Era um quotidiano feito de juventude, festa, trabalho e muita luta política.

Regressou a Portugal em que ano?

Em 74/75. Estive cá em 74 depois tive de regressar para fechar o projeto em que estava envolvida, era assistente na universidade, acabou o contrato e voltei para Portugal.

E como foi o regresso?

Sou uma cidadã e uma militante um pouco atípica. Não só eu, somos muitos. Somos os que fizemos a socialização entre os 20 e os 30 anos num país muito diferente de Portugal. E quando regressamos quase que nos sentimos mais exilados cá do que no país onde estávamos e onde já nos tínhamos enraizado. Já tinha uma filha lá nascida, tinha os meus amigos, camaradas, colegas, vida profissional, vida pessoal e de repente chego cá e encontro este país, onde ninguém me conhecia e não conhecia ninguém.

Depois de regressar, qual foi o seu primeiro contacto com a política?

A minha primeira ligação foi com o MES, o Movimento de Esquerda Socialista e senti-me completamente exilada de novo. Tem sido muito difícil para mim perceber determinadas lógicas que tem o nosso país e das quais não participo. Sinto-me na terra de ninguém, já não pertencemos nem aqui e nem lá.

É?

Não me identifico com esta fase do nosso coletivo. Sou muito sensível às questões do clima. Há muitos anos que me tornei vegetariana e preocupada com os desperdícios e com os modos de vida. Identifico-me com a área da esquerda, mas nesta fase da vida prefiro sentir-me livre e participar em movimentos sociais. Nos últimos tempos aproximei-me dos movimentos relativos do Direito à Cidade porque fui despejada no ano passado, faz agora um ano. Causa das minhas doenças atuais. Um brutal stress, aos 73 anos não é fácil quando a casa em que se pensa ficar até ao fim da vida…

Vivia nessa casa há quantos anos?

Não vivia há muitos, há cinco. Conhecia o senhorio, que me tinha pedido para ir para aquela casa porque o andar ia ficar livre e ele não tinha capital para investir. E fui. Era um terceiro andar sem elevador, no Bairro dos Atores, e investi muito no andar. Entretanto, o senhorio vendeu o apartamento a uma sociedade que não me renovou o contrato. Tive que me ir embora.

Como resolveu o problema?

Os meus filhos viviam comigo e tivemos que encontrar três soluções. Tivemos que nos separar. E aí percebi algo que é verdade na Educação e que é verdade na Habitação e provavelmente noutras áreas, que é: cada vez que a direita governa, toma medidas horrendas e lesivas do interesse dos cidadãos, sobretudo os de classe média baixa e de menos recursos; e depois quando chega o PS, até com um acordo parlamentar à esquerda, reverte-se só um pouquinho.

Mas houve agora umas alterações à lei…

Ninguém tinha tocado na lei Cristas. Era a lei Cristas, sim senhor, mas o PS já lá estava há três anos. E aquilo em que o Governo tocou é um remendo que não resolve nenhum problema da expulsão dos cidadãos da cidade.