Não eram só os homens do ‘antigo regime’ que vaticinavam uma grande debilidade para Portugal se viesse a ‘perder’ os seus territórios ultramarinos/colónias. Os militares revolucionários do 25 de Abril também tinham consciência que a independência e capacidade de decisão autónoma de Portugal no mundo ficariam fortalecidos com a manutenção dessa ‘ligação’. Só que, em vez de uma ‘ligação’ definida por relações de dominação e dependência, a ‘nova ligação’, muito mais potente e eficaz, deveria ser marcada por relações de igualdade, respeito e complementaridade, muito mais ‘integracionista’ do que a farsa com o mesmo nome prosseguida pelos homens de Salazar.
Como todos sabemos, os homens do MFA foram todos, cada um a seu tempo, neutralizados, saneados e substituídos por uma nova hierarquia política e militar muito mais ‘marcelista’, mais euro-centrista, euro-cosmopolitista, apta a abandonar os deveres e os patrimónios morais e culturais do antigo (ou do ‘Quinto’) Império em troca de alguns lugares na corte dos novos ‘filipes’, em Bruxelas.
Relativamente a Angola e Moçambique, por exemplo, os novos poderes ‘neo-marcelistas’, passaram dezenas de anos a tentar abater os governos dos novos países independentes, em nome de interesses estrangeiros e em desfavor dos processos de libertação africana que culminaram com Nelson Mandela.
Por isso, a saga da libertação e do desenvolvimento de África nada lhes deve!
Ao contrário, Angola e Moçambique pagaram um alto preço económico, financeiro, militar e humano pelas suas contribuições nesse esforço libertador, a somar à necessidade de ultrapassar as sequelas de centenas de anos de colonização exploradora.
Como muitos outros militares de Abril, conheço a facilidade de estabelecer relações de confiança, cooperação e irmandade com os dirigentes desses países, de várias ‘gerações’.
Eles sempre ‘nos quiseram de volta’, como iguais, como irmãos na construção de um futuro comum. Dispensam, porém, a soberba (e também a incapacidade prática) de todos aqueles que ainda mantêm (de ‘esquerda’ ou de ‘direita’) todos os tiques da cultura colonialista.
A recente viagem do PR a Angola poderia ter constituído um ‘ponto de viragem’ para a atitude correta, no interesse de Portugal e daqueles povos. Mas, por tudo o que foi falado ou calado desde o seu regresso, poderá não ter passado de um episódio folclórico de afetos inconsequentes.
Estejam alguns descansados: Angola não se vai enfraquecer em disputas entre ‘santistas’ e ‘lourencistas’; Angola, com os seus 30 milhões de habitantes e o que já acumulou de recursos e saberes, tem um lugar como potência estratégica no continente africano. Com ou sem Portugal, mas sempre com muito interesse em que estejamos com eles nessa construção, nem que seja daqui a mais 50 anos, quando nós próprios acordarmos para a vida…