Éder Militão tinha um sonho de carreira: «Ir jogar na Europa e jogar a Liga dos Campeões.» O menino nascido no Sertãozinho, cidade do nordeste do Estado de São Paulo, revelou-o em agosto do ano passado, na primeira entrevista que deu na vida, poucos dias antes de deixar o seu São Paulo e embarcar numa viagem rumo, lá está, à Europa. Mais concretamente ao Porto, clube e cidade. Pelos seus serviços, os dragões pagaram 8,5 milhões de euros ao tricolor paulista, que ficou ainda com direito a dez por cento de uma futura venda – podiam ter esperado até janeiro, altura em que terminava a ligação do jogador ao gigante brasileiro, para o contratar a custo zero, mas preferiram jogar na antecipação.
Pois bem: provavelmente foi uma boa jogada. Na última quinta-feira, Real Madrid e FC Porto oficializaram o acordo para a transferência do defesa (central ou lateral-direito) de 21 anos, orçada no valor exato da sua cláusula de rescisão com os dragões: 50 milhões de euros. Dessa parcela, os azuis-e-brancos encaixarão 45, com os outros cinco milhões a irem precisamente para o São Paulo, devido a essa tal cláusula – o Real irá pagar ainda mais 2,5 milhões aos brasileiros pelos direitos de formação de Militão, que chegou ao clube em 2012, com 14 anos, e ali ficou até aos 20.
O FC Porto, refira-se, ainda podia ter lucrado mais se conseguisse manter Éder Militão nos seus quadros pelo menos até 15 de julho: a partir dessa data, a cláusula subiria 50 por cento, para os 75 milhões. Ainda em dezembro, de resto, Pinto da Costa admitia o desejo de fechar rapidamente esse dossiê. O poder negocial dos merengues, todavia, acabou por fazer a diferença – tal como o nome, bem entendido: o próprio Militão não conseguiu esconder a satisfação pelo concluir do acordo. «Estou muito feliz, muito», confessou na segunda-feira ao periódico desportivo espanhol Marca, no início da concentração da seleção brasileira para o duplo compromisso com Panamá e República Checa, a realizar-se no Estádio do Dragão. Também Zinedine Zidane, o ‘novo’ treinador do Real Madrid, se dirigiu em tom elogioso ao reforço (que assinou com o gigante madrileno por seis épocas): «É um jogador muito bom, com futuro. É um jogador jovem e pode jogar em duas posições, mas a sua posição preferida é a de central. É um jogador que aqui vai contar».
O mais caro de sempre
Trinta e quatro jogos (entretanto fez mais um) e três golos (também marcou na última partida) em sete meses na primeira experiência europeia chegaram para convencer um dos maiores clubes do mundo a desembolsar um valor nunca visto na realidade portuguesa. É verdade: Éder Militão tornou-se a maior venda da história de um clube nacional.
Até agora, no topo encontrava-se James Rodríguez, que no verão de 2013 trocou o FC Porto pelo Mónaco, com o conjunto do Principado a deixar 45 milhões de euros nos cofres azuis-e-brancos (além dos 25 pagos por João Moutinho, num ‘bolo’ total de 70 milhões). Na época anterior, Hulk havia deixado os dragões rumo ao Zenit, que pagou no total 60 milhões de euros pelo avançado canarinho – e por essa razão, alguns órgãos de comunicação social ainda o apresentam como a maior venda de sempre de um clube português. O FC Porto, porém, desde logo comunicou à CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) que o seu encaixe no negócio se cifrava unicamente em 40 milhões.
Por essa razão, Hulk ocupa ‘apenas’ o último lugar do pódio neste capítulo, partilhando-o com mais quatro jogadores: Witsel, que foi na mesma altura do Benfica para o Zenit; Falcao, que um ano antes havia trocado o FC Porto pelo Atlético de Madrid; João Mário, que após a conquista do Euro 2016 deixou o Sporting rumo ao Inter de Milão; e Ederson, que no início da época passada se tornou jogador do Manchester City após o gigante inglês bater os referidos 40 milhões – o valor da cláusula de rescisão no contrato do guardião brasileiro com o Benfica. O top-10 de maiores transferências de sempre de clubes portugueses fica completo com os 38 milhões pagos pelo AC_Milan por André Silva em 2017/18; os 37,1 despendidos pelo_Atlético de Madrid por Jackson Martínez, então também jogador do FC Porto, em 2015/16; e os 35,7 pagos na época passada pelo Barcelona para levar Nélson Semedo da Luz.
Éder Militão passa ainda a ser o defesa mais caro da história do Real Madrid: o valor mais alto que os merengues tinham pago até agora por um defesa havia sido os 31,5 milhões de euros em 2015/16 por Danilo, lateral-direito brasileiro… que também atuava no FC Porto. Se restringirmos a amostra aos centrais, Militão ultrapassa… exato: Pepe, por quem em 2007/08 o Real pagou aos dragões 30 milhões de euros e que neste mercado de janeiro regressou à Cidade Invicta ainda a tempo de partilhar o balneário (e o relvado) com o menino do Sertãozinho.
O top-5 de maiores compras de defesas do Real, na verdade, é quase exclusivamente composto por jogadores provenientes do futebol português: além de Militão, Danilo e Pepe, também Fábio Coentrão entra nesta lista. Em 2011/12, os merengues, então com José Mourinho ao leme, pagaram igualmente 30 milhões de euros ao Benfica para assegurar os serviços daquele que era, na altura, um dos mais excitantes laterais-esquerdos do mundo.
Em termos mundiais, Éder Militão tornou-se o quarto central mais caro de sempre, só atrás de Virgil van Dijk (Southampton/Liverpool por 84,5 milhões), Aymeric Laporte (Athletic Bilbau/Manchester City por 65,2) e John Stones (Everton/Manchester City por 55,6).
A exorbitância da Juve por Rui Barros
Bem longínquo parece já o verão de 2010, quando o Real Madrid (sempre o Real Madrid) deixou 33 milhões de euros nos cofres do Benfica – mais Rodrigo no plantel – para levar Ángel Dí Maria para o Santiago Bernabéu. Essa era, à altura, a mais cara transferência promovida na história por um emblema nacional. Mas se esses tempos parecem já ficar difusos na memória, tamanha é a fugacidade e voracidade com que se vão sucedendo as notícias no mundo atual, que dizer de nomes como João Alves, António Oliveira, Humberto Coelho ou Jorge Mendonça? Pois, o leitor mais jovem certamente já terá dificuldades em conseguir encontrar recordações de algum destes nomes enquanto jogadores…
Mendonça foi, de todos, o pioneiro. Nascido em Luanda em 1938, teve o primeiro registo como futebolista nas camadas jovens do Sporting e estreou-se como sénior no Braga na temporada 1956/57. No fim da época seguinte, foi convidado por um empresário amigo da família para dar uma ajuda ao Corunha, que estava em risco de cair para a terceira divisão espanhola: cumpriu, transferiu-se para o Atlético de Madrid e começou aí uma carreira excecional no país vizinho._Nos colchoneros, tornou-se o primeiro português a atuar numa I liga estrangeira e em oito anos e meio ganhou um campeonato, três Taças e uma Taça das Taças (marcou um golo na finalíssima), passando ainda dois anos e meio no Barcelona (com mais uma Taça para o currículo) e um no Maiorca, onde encerrou a carreira.
Este terá sido o primeiro esboço de transferência de sempre de um jogador de um clube português para outro estrangeiro. Uma prática que conheceu um ligeiro desenvolvimento na década de 60 mas que acelerou definitivamente a partir dos anos 70, sendo porém muito complicado aferir dos valores envolvidos nas negociações – na altura, os clubes não eram obrigados a comunicá-los a qualquer entidade. Há relatos na internet, ainda assim, de que João Alves terá custado «exorbitâncias» ao Salamanca e PSG: os espanhóis, em 1976/77, terão pago… 12 mil contos (60 mil euros) ao Boavista pelo mago das luvas pretas; os franceses, em 1979/80, despenderam qualquer coisa como 32 mil contos (160 mil euros) para o resgatar ao Benfica. Outros tempos… e outros números. A primeira transferência realmente milionária de um atleta nacional para o estrangeiro será a de Rui_Barros, que em 1988/89 deixou o FC Porto rumo à Juventus, com o atual clube de Cristiano Ronaldo e João Cancelo a pagar a então exorbitante quantia de um milhão de contos (cinco milhões de euros) pelo baixinho internacional português.