De Francisco Sá Carneiro a Passos Coelho, foram 17 os líderes do PSD (contando Leonardo Ribeiro de Almeida, que presidiu à Comissão Política quando Francisco Sá Carneiro liderava o partido) aos quais prestou assessoria. Falhou Rui Rio porque, há pouco mais de um ano, no final de 2017, aceitou o desafio de Marcelo e rumou a Belém. O histórico assessor do partido morreu esta quinta-feira, vítima de cancro, com o qual se debatia nos últimos tempos. Tinha completado setenta anos há precisamente uma semana. «Nesta hora, faltam as palavras para expressar a sua importância para o Partido e para todos aqueles com quem se cruzou ao longo da vida. Dedicação, seriedade e amizade são apenas alguns dos valores em que pensamos quando o relembramos», reagiu de imediato em comunicado o partido.
A notícia da sua morte foi recebida com consternação por todos os que privaram com aquele que tinha sido o mais antigo funcionário do partido. Discreto, leal, competente e dedicado eram ontem os adjetivos mais repetidos para classificar um homem cuja história se confunde com a o percurso do PPD/PSD e que tinha na São Caetano à Lapa uma segunda casa. Mas nunca quebrou o voto da discrição. «Já me desafiaram para as memórias, o partido sempre teve confiança em mim, pelo que não faria sentido escrevê-la», contou numa rara entrevista concedida ao Público há quase sete anos.
Na Assembleia da República, foi ontem aprovado, por unanimidade, um voto de pesar apresentado pelo PSD. «Zeca Mendonça, como era carinhosamente conhecido, foi a personificação do ideal de convivência democrática, estimado e respeitado por todos a quem a sua vida tocou – as lideranças do seu partido, o grupo parlamentar, os colegas de trabalho, os dirigentes e trabalhadores dos diferentes partidos e os jornalistas, dos veteranos aos mais novos», constava no texto do voto de pesar lido pelo líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão. «O seu humanismo, experiência e sentido de humor tornou-o numa figura incontornável no PSD e no Parlamento, sendo muito mais do que espetador. É justo dizer que muitas coisas acontecerem como aconteceram devido à sua sensibilidade para a gestão mediática», acrescentava.
Nascido a 23 de março de 1949, em Lisboa, Zeca Mendonça foi militante da Juventude Operária Católica (JOC). «Decidi ir à guerra [colonial] por moeda ao ar, saiu coroa… fui à guerra», contou na citada conversa com o Público. Acabou por servir na Guiné entre 72 e 76. Na década de sessenta, trabalhou no teatro e teve como encenador Manuel Lopes, fundador da CGTP. «Fazíamos teatro no Hospital de Arroios», em frente ao Café Império à Alameda, a zona onde morava, recordou ao diário. Nessa altura, fez amigos como Paulo Carvalho e Carlos Mendes, dos Sheiks, ou Jorge Palma, e é com este último que, em 1968, faz umas férias de seis meses pelo Algarve onde chegou a cantar fado para os estrangeiros. «Eles não percebiam, não me atrevia a cantar para portugueses».
Chegado da guerra, estava na casa dos 40 anos quando começa a trabalhar no então PPD como segurança, a convite de João Inácio Simões de Almeida. «Fazia vigilância à sede nacional na Duque de Loulé». Estávamos em 1974 e, como um dos primeiros militantes, foi um dos nomes a subscrever a petição para legalizar o PPD.
Três anos depois transita para o gabinete de imprensa, onde manteve funções até ao final de 2017, quando aceitou o convite para se juntar à Casa Civil da Presidência da República. Uma decisão que surpreendeu quase todos, mas há quem garanta que o atual Presidente foi dos líderes do PSD com quem mais gostou de trabalhar. Algo nunca confirmado pelo assessor, extremamente reservado na hora de dar a sua opinião sobre os presidentes do PSD.
Marcelo Rebelo de Sousa falou na quinta-feira com o Expresso, pouco após ser conhecida a notícia da morte do amigo. E sublinhou que as sondagens do PSD ainda faziam «brilhar os olhos» ao companheiro de partido. Já na página da Presidência da República deixou uma nota evocativa. «Demonstrando, sempre, que as virtudes pessoais valem mais do que os cargos e as funções, e que a força da Democracia nasce do humilde contributo de todos os dias ao serviço dos outros. O Presidente da República agradece o seu exemplo. O companheiro de meio século de percurso comum recorda, com infinita saudade, a sua inexcedível amizade».
O corpo de Zeca Mendonça estará em câmara ardente a partir das 18h00 de hoje na Basílica da Estrela. Amanhã, domingo, haverá missa de corpo presente às 14h30. O corpo será depois sepultado no Cemitério da Galiza, no Estoril.