A Central Nuclear de Almaraz vai mesmo ver a atividade prolongada até 2027/2028. Depois de, no último dia 22, o jornal espanhol El País ter avançado que as empresas elétricas proprietárias da central – Iberdrola (53%), Endesa (36%) e Naturgy (11%) – chegaram a acordo para requerer a renovação da licença de exploração até 2027, no caso do reator I, e até 2028, no caso do reator II, o SOL questionou o Ministério dos Negócios Estrangeiros português relativamente ao assunto e a resposta não deixa margem para dúvidas: «O Ministro dos Negócios Exteriores de Espanha confirmou no passado dia 15 de março, em declarações públicas, em Lisboa, que a Central fechará em 2027/2028».
As declarações passaram despercebidas por cá, mas foram realmente proferidas no âmbito de uma conferência de imprensa conjunta com o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva e o homólogo espanhol Josep Borrell, no passado dia 15 de março, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa. «Informei o ministro que Espanha já apresentou em Bruxelas o seu plano de transição energética que inclui o encerramento ordenado de uma parte importante do parque nuclear espanhol. E a primeira central será a de Almaraz, que encerrará o seu primeiro reator em 2027 e o seu segundo em 2028», disse aos jornalistas Josep Borrell. O que tem sido noticiado como uma hipótese parece já ser, afinal, uma certeza, tendo mesmo chegado à União Europeia.
Ao SOL, Nuno Sequeira, da Quercus – uma das 50 organizações ambientais e cívicas portuguesas e espanholas que integram o Movimento Ibérico Antinuclear (MIA) – mostra-se surpreendido e diz desconhecer que qualquer decisão oficial tenha já sido tomada. «Para nós isso é uma surpresa e uma surpresa muito má. Não tivemos conhecimento de nada. Não houve ainda nenhuma autorização formal para isso acontecer, portanto até lá nós vamos continuar a lutar para que realmente o prolongamento não aconteça. Além disso, no próprio Governo espanhol vão fazendo declarações contraditórias e ainda não há uma posição oficial, nem muito menos o início de um processo formal de encerramento faseado das centrais», diz.
Para a Quercus, aliás, o facto de o Governo espanhol não se ter comprometido com o encerramento, como previsto, em 2020 – ano em que expira a licença de exploração – , é um problema. «O Governo não se comprometeu e isso para nós é grave, porque o problema é que qualquer dia este Governo deixa de estar em funções e o próximo não fica comprometido com este assunto. Neste momento há uma situação pré-eleitoral em Espanha e há aqui uma margem de incerteza que nos parece grande que nos deixa obviamente preocupados». Por isso, promete, o MIA vai continuar a desenvolver iniciativas públicas com o objetivo de pressionar para que o adiamento do encerramento da Central Nuclear de Almaraz não aconteça.
Já devia ter encerrado
Não é a primeira vez que o prolongamento do funcionamento da Central Nuclear de Almaraz está em cima da mesa. Na verdade, como recorda Nuno Sequeira, a central já devia ter encerrado. «Já deveria ter encerrado em 2010, quando fez 30 anos, mas o fecho acabou por ser adiado. Na altura, o Governo espanhol já tinha anunciado que ia encerrar, mas estávamos a começar a entrar numa situação de crise económica e financeira e o Governo espanhol recuou por não ter coragem de encerrar e acabou por ceder às pressões que existiam. Prolongou o funcionamento por dez anos, mas excecionalmente», elucida. Trinta anos, como explica ao SOL, é o tempo de funcionamento considerado «razoável a nível internacional» para uma central nuclear. Por isso, no entender de Nuno Sequeira, é «inadmissível» que o funcionamento possa ser equacionado por mais oito anos. «A central nuclear faz 40 anos em 2020, é uma central muito envelhecida, tem tido incidentes com regularidade e julgamos que as condições de segurança não são certamente as melhores», continua Nuno Sequeira, que lembra que Almaraz se distancia apenas cerca de 100 quilómetros da fronteira portuguesa e que se algum acidente acontece, também Portugal será afetado.
Para a Quercus, de resto, o país não tem sabido defender os seus interesses, o que levou o MIA a solicitar ontem, sexta-feira, uma audiência ao ministro do Ambiente português, João Pedro Marques Fernandes. «Queremos que Portugal se envolva mais ativamente neste trabalho junto do Governo espanhol para que os interesses portugueses sejam defendidos. No nosso entender, os diversos governos – não tem que ver só com este ou o último – que têm lidado com este problema não têm tido a força suficiente para fazer valer os interesses nacionais e também nos parece que não têm feito o suficiente, porque efetivamente Espanha continua a faltar ao respeito a Portugal», defende Nuno Sequeira.
Além da intenção mais recente relativa ao prolongamento da licença de exploração da central, o responsável da Quercus lembra um outro episódio que remonta a 2016, quando Espanha «quis construir o armazém de resíduos nucleares junto à central de Almaraz, fez uma consulta pública ao projeto e quis iniciá-lo sem nos informar e consultar». O responsável da Quercus recorda que «em Espanha não existe um local central apropriado para armazenar este resíduos e então o Governo espanhol decidiu construir um armazém adicional na Central Nuclear de Almaraz para guardar estes resíduos junto à Central». O motivo apontado na altura «foi que daria mais segurança ao local, mas a dúvida que sempre se levantou foi se não seria isto já um processo para criar mais espaço para albergar futuros resíduos que viessem da Central, porque se ela encerrasse em 2020 não seria necessário um armazém». De certa forma, «foi um modo de legitimar o prolongamento, porque assim as empresas elétricas podem dizer que já têm local para guardar os resíduos ou mesmo para guardar resíduos doutras Centrais».
Na época, depois de muita pressão social em Portugal, o Governo português interveio junto do Governo espanhol, o que levou a uma consulta pública em Portugal e resultou numa visita de várias entidades portuguesas à Central, depois da qual a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) concluiu que a solução era adequada e segura. A abertura de Espanha para tal, contudo, só aconteceu depois de Portugal ter apresentado uma queixa na Comissão Europeia contra o país vizinho por não ter informado sobre a intenção de construir o referido armazém, nem ter realizado qualquer estudo de impacto transfronteiriço – algo que, de resto, é obrigatório nestes casos. O país, no entanto, acabou por recuar e retirar a queixa, depois de chegar a acordo com Espanha, que assegurou então revelar informação e permitir a visita.
«Claro que estamos a falar aqui de um jogo de forças desequilibrado, com fortes questões económicas e políticas envolvidas. A Central está a 100 quilómetros da fronteira com Portugal, numa das margens do rio Tejo, e se houver um acidente o rio corre para Portugal e traz a radioatividade, o nosso país será tão atingido como Espanha, até pela própria atmosfera. A diferença é que os espanhóis têm ainda assim as mais valias, de retorno económico e produção de energia, enquanto nós ficamos com a parte má», defende Nuno Sequeira, que enfatiza que «o armazém guarda resíduos cuja vida pode chegar aos milhares de anos. Um acidente pode ter impactos muito sérios para o ambiente e para nós, que perduram durante vários anos». E em que ponto está o acordo feito entre Portugal e Espanha? «O que ficou acordado entre as autoridades portuguesas e espanholas sobre a monitorização do armazém está a ser cumprido», assegura o Ministério dos Negócios Estrangeiros ao SOL.