A primavera ainda agora começou e as temperaturas já fazem lembrar o verão – seja pelas idas à praia, seja pelos incêndios que lavram já por todo o território nacional. Esta semana, Emanuel Oliveira, analista de gestão de risco de incêndio, explicou ao jornal i que os incêndios nesta época do ano são normais e correspondem a cerca de 40% da área ardida anualmente. «Incêndios de primavera existem e existiram sempre, por exemplo, de 2011 a 2010, a percentagem [de incêndios nesta época] está entre os 20 e os 25%», disse Emanuel Oliveira. Em números, este ano foram registados 2045 fogos rurais desde o início do ano, de acordo com os dados da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
Sobre os incêndios que ocorrem desde o início do ano, há duas causas que sobressaem: as queimadas – que habitualmente são proibidas apenas em época de incêndios florestais – e fogo posto. De um lado, as queimadas descontroladas são consideradas uma contraordenação e, por outro lado, o fogo associado a mão criminosa constitui um crime. Segundo dados enviados ao SOL, até ao dia 24 de março, a GNR registou 255 contraordenações «no que diz respeito à realização de queimas e queimadas». Quanto ao crime de incêndio florestal, «a GNR procedeu à detenção de 20 pessoas e à identificação de outras 114 pessoas».
Um dos incêndios de maiores dimensões, lavrou durante o dia de terça-feira em Oliveira de Azeméis. O alerta foi dado às 3h32 da manhã – hora pouco provável para fazer queimadas. A par deste fogo, é possível perceber que parte das ocorrências se registaram durante a noite. Ainda que as queimadas sejam responsáveis por parte dos fogos que lavram durante o período da primavera, Emanuel Oliveira não acredita que estejam na origem dos incêndios que começam em período noturno. Os últimos dados referem que desde o dia 23 de março até segunda-feira, «31% das ocorrências dão-se entre as 20 e as sete horas da manhã». «Há aqui outras intenções, não acredito muito que seja por queimadas, que ninguém vai fazê-las a estas horas», refere o especialista.
A limpeza dos terrenos não é um assunto menos importante, já que a falta de gestão de combustível é fator favorável à propagação dos incêndios. O prazo para limpar os terrenos terminou a 15 de março, mas isso não significa que todos o tenham cumprido. Até agora já foram detetados pela GNR 29 530 terrenos onde não foi feita qualquer limpeza. E, nesta matéria, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) não ficou fora da fiscalização da GNR. O Comando Territorial de Leiria deu conta de oito situações de falta de gestão de combustíveis na Mata Nacional de Leiria, denunciadas no ano passado através da linha SOS Ambiente. Ao SOL, o ICNF garantiu que «não há falta de limpeza» e que o ICNF apenas «foi notificado de quatro autos de contraordenação relativos a alegadas violações de normas do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios». O organismo gerido pelo Estado explica que a situação foi desencadeada pela «escassez de mão de obra especializada» e ainda pelas «condições meteorológicas, que impediram e dificultaram muito a circulação de máquinas nas zonas rurais». Alguns trabalhos, garante o ICNF, não foram executados «dentro dos prazos contratados», mas foram «concluídos logo que possível».
«A população não está minimamente preparada»
A semana ficou marcada pelo elevado número de incêndios que ocorreram em todo o país, sobretudo a norte do território nacional. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) alerta para a continuação das temperaturas altas e o Ministério da Administração Interna e o Ministério da Agricultura, Floresta e Desenvolvimento Rural declararam esta terça-feira o estado de Situação de Alerta, que deverá manter-se até ao primeiro dia de abril. Em comunicado, a tutela apontou «medidas de caráter excecional», como a «proibição da realização de queimadas, de queimas de sobrantes de explorações agrícolas e florestais e de ações de gestão de combustível com recurso à utilização de fogo».
Face às condições meteorológicas dos últimos dias, vários municípios do país anteciparam a decisão do Governo e alertaram a população para o perigo das queimadas. Só esta semana contaram-se 40 incêndios que tiveram como origem queimadas, de acordo com dados da ANPC. O Serviço Municipal de Proteção Civil de Guimarães – município onde estão, aliás, quatro freguesias assinaladas como primeira prioridade pelo ICNF -, alertou esta semana para a restrição de queimas até dia 2 de abril. Além das queimadas, o alerta para as medidas preventivas centra-se também na restrição da «realização de fogueiras para recreio ou lazer, ou para confeção de alimentos», avança a Câmara Municipal de Guimarães em comunicado. Na mesma linha está também o município de Braga, que determinou a proibição de queimadas desde segunda-feira – período que se estende, para já, até ao primeiro dia de abril.
No entanto, esta questão pode dar origem a outro problema – as queimadas ilegais. «Se condicionamos muito, as pessoas vão querer livrar-se, muito por força da lei, do amontoado de combustíveis», explica Emanuel Oliveira. Além disso, de acordo com o analista de gestão de risco de incêndio, existem outras motivações: «Uma vez que não têm dinheiro para limpar as faixas, há pessoas que colocam fogo, isso fica muito barato».
As zonas onde o registo de incêndios é mais elevado são, essencialmente, rurais e habitadas por uma população envelhecida. Como explicou Emanuel Oliveira, «a população não está minimamente preparada e não sabe viver com o risco». E vai mais longe: «Há uma cultura de risco que temos de assumir e que Portugal ainda não assumiu».
Linha de crédito aprovada apenas a 11 municípios
Para apoiar as autarquias no momento da limpeza dos terrenos, e também quando estas têm de substituir os proprietários na gestão das faixas de combustível, o Governo criou uma linha de financiamento. À semelhança do ano passado, o montante previsto no Orçamento de Estado é de 50 milhões de euros, mas agora há alguns municípios que denunciam a falta de financiamento. Ou seja, alguns municípios garantem que a candidatura foi submetida, mas o respetivo contrato nunca chegou. A falta de comunicação na passagem de informações cruciais para as candidaturas é também um dos problemas apontados.
Em resposta, o Ministério da Administração Interna adiantou – sem especificar – que apenas 18 municípios se candidataram à linha de crédito. No entanto, «onze não apresentaram qualquer despesa elegível, logo não há lugar a qualquer transferência», disse a tutela ao SOL. Neste momento, apenas dois municípios receberam as verbas que, aliás, só são transferidas «após a validação dos serviços e a celebração dos contratos».