Tinham condições para ter alta mas não podem ir para casa – por não terem condições ou suporte familiar, porque a família não tem meios ou porque precisam de cuidados de reabilitação ou outro tipo de assistência em cuidados continuados. A 3.ª edição do barómetro de internamentos sociais promovido pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) apurou que a 18 de fevereiro havia 829 doentes nestas circunstâncias nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, num inquérito que abrangeu 33 unidades de norte a sul. São menos 131 do que há um ano, mas parece estar a aumentar o tempo que permanecem a ‘viver’ nos hospitais: em fevereiro de 2018, a demora média destes internamentos considerados ‘inapropriados’ era de 67,4 dias. Este ano está nos 98,4 dias, um aumento de 46%. E nos hospitais de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte do país há casos em que os internamentos se prolongam cerca de oito meses.
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O estudo, a que o SOL teve acesso e será apresentado este sábado numa conferência da APAH em Peniche, conclui que estes internamentos ocupavam em fevereiro 4,7% das camas dos hospitais que responderam ao inquérito (uma amostra que representa 79% do número total de camas do SNS). Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, admite que, extrapolando os dados para todo o país, facilmente se chegará a mil pessoas internadas diariamente nos hospitais portugueses sem necessidade de estarem hospitalizadas. Haver menos casos do que no barómetro de 2018 não é encarado com um sinal de melhoria. «Há uma diminuição em relação do número de doentes internados inapropriadamente mas existe um grande aumento da demora média. São mais de três meses, praticamente 100 dias que as pessoas estão em média internadas sem resposta», sublinha o administrador hospitalar. Destaca-se o aumento da duração destes internamentos na região norte, que passou de uma média de 63 dias em 2018 para 121 no inquérito deste ano. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, subiu de 92 para 110 dias. As durações médias máximas revelam internamentos prolongados em 229 dias na região de Lisboa e Vale do Tejo e em 248 dias na região Norte.
Quando os cuidados continuados não dão resposta
No topo dos motivos para os doentes permanecerem internados nos hospitais surge a espera por vaga para admissão na Rede Nacional de Cuidados Continuados, explicação dada pelos hospitais para 52% dos casos. Para outros 18% é descrita a incapacidade de resposta de familiares ou cuidadores e por fim outras causas de índole social. Os dados recolhidos pelo barómetro permitem ainda concluir que a maioria dos doentes nestas circunstâncias foram inicialmente internados nos hospitais por motivos de doença e não cirurgia. Mais de 80% são pessoas com mais de 65 anos, a maioria com mais de 80 anos.
Alexandre Lourenço explica que uma das preocupações com esta realidade, que a associação começou a monitorizar no final de 2017, prende-se com o efeito que tem a prazo nos doentes e no sistema de saúde. «Ao permanecerem internados, estão sujeitos a infeções hospitalares, a quedas e uma grande perda de autonomia. Sabemos que a partir do terceiro e quarto dia de internamento as pessoas começam a perder autonomia e mobilidade e cria-se um círculo vicioso. Estão acamadas e torna-se mais difícil recuperarem as suas atividades diárias. Há uma deterioração do estado psicológico e físico e vão ser necessários meses até voltarem a ter o mesmo tipo de mobilidade». Se as famílias têm dificuldades em lidar com este tipo de cuidados, o desafio acaba por tornar-se maior.
Na vida dos hospitais, o impacto não é de somenos. O inquérito apurou que, a 18 de fevereiro, os internamentos por motivos sociais já tinham custado 31,6 milhões de euros, o que permite extrapolar que este ano este tipo de casos terá um impacto financeiro no SNS de 83,7 milhões de euros. «Não só permanecer nos hospitais não é a solução adequada para os doentes como manter estas camas ocupadas vai impossibilitar o cuidado a doentes que tenham necessidade. Além disso, ao perderem a sua mobilidade e autonomia, precisam de cuidados mais intensivos e acabam por sobrecarregar ainda mais os profissionais». O sentimento, descreve Alexandre Lourenço, é de frustração. «Os profissionais conhecem as pessoas, cuidam delas durante meses, mas existe um sentimento grande de frustração porque estão a prestar cuidados a doentes que podiam estar a ser acompanhados noutro lado e se calhar há outras pessoas que precisavam de estar ali».
Para lidar com esta realidade, alguns hospitais acabam por contratar camas em lares para aliviar as enfermarias. O barómetro não inclui essa pergunta, mas Alexandre Lourenço reconhece que há vários hospitais a fazê-lo, de situações pontuais à contratação de dezenas de camas. Um cenário que já tem sido assumido publicamente por diferentes unidades. Em entrevista ao jornal i em fevereiro, o diretor clínico do IPO de Lisboa relatou a dificuldade de conseguir a admissão de doentes oncológicos em cuidados continuados. Na altura o IPO tinha dois doentes em espera de vaga de cuidados continuados quase há dois anos, que o hospital optou por enviar para uma unidade com quem fizeram uma convenção. «Se não estivessem lá estariam aqui a ocupar duas camas, impedindo que fossem usadas para tratamentos», disse João Freire.
O círculo vicioso não tem a ver apenas com o prognóstico dos doentes, mas com o funcionamento dos hospitais. Alexandre Lourenço sublinha que os internamentos sociais contribuem para uma menor capacidade de resposta em picos de maior procura como o inverno ou as ondas de calor. Nessas alturas, há um aumento de 2,6% nos internamentos. E as camas ocupadas nas enfermarias impedem a admissão de novos casos. «Muitos dos episódios de congestionamento das urgências e doentes em macas devem-se à incapacidade de internar os doentes». Para resolver o problema, a associação aponta soluções em duas esferas. «Muitas destas pessoas são doentes crónicos que poderiam ter uma melhor gestão da sua doença. Os dados dizem-nos que 8% dos portugueses enfrentam despesas de saúde catastróficas. São estes doentes que vão ao serviço de urgência, muitas vezes porque não têm dinheiro para fazer as suas medicações e acabam por descompensar as suas doenças. São pessoas que vivem isoladas e precisam de mais apoios». Uma das propostas da associação passa por haver uma majoração da comparticipação de medicamentos para famílias com menos recursos, mas também por mais apoio domiciliário ou em áreas como a visão. «Há muitos doentes que vão muitas vezes às urgências por quedas no seu domicílio e há pequenos investimentos que podiam fazer alguma diferença. Por exemplo, as carpetes nas casas dos idosos constituem muitas vezes um risco».
Integrar as respostas da Saúde com a Segurança Social é um desafio premente, diz Alexandre Lourenço, que defende também um melhor aproveitamento da capacidade instalada nos cuidados continuados. «Sabemos que as unidades de internamento estão cheias, mas a nível dos cuidados domiciliários a capacidade não está a ser toda aproveitada. Devia haver uma maior articulação». Se o investimento é muitas vezes a dificuldade, é preciso pensar no retorno.
«Apurámos um impacto de 83,7 milhões de euros, se extrapolarmos para todos os hospitais do SNS chegamos facilmente a 100 milhões. Neste momento são um desperdício e podiam estar a ser usados em medidas que contribuíssem para dar melhor resposta a estes casos, como a majoração das comparticipações. São pessoas que podiam mais rapidamente regressar ao trabalho ou à família onde muitas vezes têm um papel importante».