O mais recente episódio desta campanha foi uma entrevista ao médico António Vaz Carneiro (AVC) que o jornal i do dia 5 de Abril (edição de fim de semana) publicou, e da qual extraiu a sua manchete, com a foto do médico e a seguinte frase em letras gordas: “A homeopatia é totalmente inaceitável. São copos de água a 50 euros”.
É claro que não foi o médico quem escolheu esta frase para servir de chamariz e levar mais gente a comprar o jornal, mas o facto é que foi ele que a disse.
Não é a primeira vez que o Prof. AVC – figura pública cuja obra me parece muito meritória – mostra ter vastos e sólidos conhecimentos sobre a medicina convencional, mas uma evidente ignorância quanto às ditas medicinas alternativas (pelo menos no que se refere à homeopatia e à osteopatia, que são as únicas por ele citadas de que tenho experiência directa). Daí eu julgar que (em especial devido às responsabilidades que lhe cabem pela instituição que dirige) seria natural, e moralmente obrigatório, que se abstivesse de falar em público sobre matérias que claramente não domina, já que os leigos e incautos tenderão a acreditar na fiabilidade daquilo que afirma, e só terão a perder com isso.
Nesta última manchete a que me refiro, o que me pareceu especialmente estranho foi o facto de ele, na tentativa de denegrir o máximo possível a homeopatia, ter utilizado como argumento uma acusação falsa e facílima de desmentir que eu nunca antes vira ser usada por ninguém: a de os remédios homeopáticos serem muito caros. Bastará dizer que o custo que ele atribui a cada toma – 50 euros – corresponde mais ou menos ao preço de uma embalagem típica (tubo de grânulos) multiplicado por dez. Ou seja: uma “informação” que milhares de portugueses sabem não corresponder à verdade. Ora, como não se pode afirmar que o Prof. Vaz Carneiro é um médico intelectualmente desonesto e irresponsável, a explicação que me parece mais plausível para estas suas afirmações terá certamente a ver com a sua profunda ignorância e absoluta inexperiência sobre tudo aquilo que, na verdade, se refere à ciência empírica conhecida por homeopatia.
Há que ter em mente que AVC tem uma longa e rica experiência clínica no âmbito da medicina convencional, iniciada nos EUA e prosseguida em Portugal. Assim, quando ele, no Centro que criou e dirige, passou a dispor de acesso directo e privilegiado a uma informação electrónica riquíssima sobre os inúmeros estudos que no mundo vão sendo publicados e têm algo a ver com a saúde e as patologias humanas, os seus conhecimentos técnicos tornaram-se não só impressionantes em termos qualitativos, mas também em termos de quantificação das variáveis em causa. Daí que as suas opiniões e pareceres tenham, merecidamente, um valor inestimável enquanto assessor dos ministros da Saúde. Mas é importante nunca esquecer que, subjacente a todo este enorme valor informativo e interpretativo que o seu Centro representa, está o facto de ele, como médico, ter uma vasta e rica experiência clínica, sem a qual as tais bases de dados não poderiam ser lidas e aproveitadas devidamente, por falta dos critérios de validação que só a própria experiência pessoal pode fornecer.
Ora, pelo contrário, a experiência clínica de AVC no âmbito das chamadas medicinas alternativas ou complementares, é nula, quer como agente activo (médico) quer como agente passivo (doente). A única informação de que ele dispõe sobre estas práticas, é “em segunda mão”: leitura de textos de outrem, cujo grau de fiabilidade ele, naturalmente, ignora qual seja. Do que é possível depreender das suas opiniões publicadas, tudo parece indicar que ele nunca terá tido, sequer, a curiosidade de ler um livro onde pudesse começar a aprender em que consiste e como é praticada a homeopatia, e quais os resultados terapêuticos que, muitas vezes, com ela se obtêm. Provavelmente, só leu artigos desfavoráveis ou mesmo anedócticos a esse respeito, de autores que, por qualquer razão, não a vêem com bons olhos. E, certamente, desconhece tudo ou quase tudo o que sobre ela realmente mais importa; por exemplo, que há países (entre os quais a França, a Inglaterra ou a Índia) onde uma grande percentagem de pacientes, e de médicos, com a aprovação expressa das autoridades públicas, usam regularmente, e com genérica satisfação, remédios homeopáticos para males muitíssimo variados e, muitas vezes, nada “benignos”.
Mas eu, que também tive, até aos 50 anos de idade, apenas uma formação académica e a profissão de médico ortodoxo, venho agora sugerir ao Dr. AVC que – caso esteja interessado em preencher essa sua lacuna – leia um livro, um livro muito singular porque reúne todos os tipos de informação que são indispensáveis, sobre homeopatia, a uma pessoa com o trajecto e com o actual estatuto de AVC. Trata-se, em meu entender, de uma obra de grande qualidade, rigorosa e abrangente (incluindo uma bibliografia selecionada) escrita pelo mais reputado divulgador desta disciplina nos EUA e, talvez, no mundo. Caso a ideia lhe agrade e a concretize, bastar-lhe-ão poucos dias de leitura para perceber até que ponto tem andado longe da realidade, no que respeita à homeopatia. Sugiro ainda que comece por ler o capítulo dedicado aos cépticos, por ser o grupo de pessoas a que ele próprio pertence.
Não tenho, ao sugerir esta leitura, a pretensão de “converter” o Dr. AVC, tornando-o adepto da homeopatia. Mas, sinceramente, acalento a esperança de que ele possa compreender finalmente as vantagens que haveria para a nossa população se o sistema de saúde português, de modo pacífico, harmonioso e complementar, não excluísse liminarmente a homeopatia.
Autor do livro sugerido: Dana Ullman, mestre em Saúde Pública (Berkeley)
Título: The Consumer’s Guide to Homeopathy
Caro Prof. Vaz Carneiro, como esta minha “carta aberta” já vai bastante longa, e porque tal me parece apropriado, conclui-la-ei com uma breve referência a alguém por quem o senhor, imagino, sentirá tanta admiração como eu próprio sinto.
Quando ao Prof. António Damásio, numa entrevista em Lisboa, perguntaram se achava aceitável o recurso às terapias não convencionais, ele nem sequer hesitou ao responder, bem à americana: «Whatever works, man!». Pois é – uma reacção um nadinha diferente da sua, não é?
10. Abril. 2019
António Silva Carvalho (médico reformado)