Há meses contestado nas ruas, o presidente sudanês, Omar Al-Bashir, foi ontem deposto pelos militares. A estação de televisão estatal foi ocupada pelo exército, tanques foram vistos nas ruas, presos políticos libertados e milhares de sudaneses saíram de casa para celebrar o fim de 30 anos de governação despótica. Ninguém sabe o que poderá acontecer agora – se uma junta militar irá governar indefinidamente ou apenas durante os próximos dois anos, até à realização de eleições. E a possibilidade de a instabilidade política produzir violência não pode ser descartada.
Num discurso emitido pelo canal estatal sudanês, o até agora ministro da Defesa, Awad Mohamed Ahmed Ibn Auf, anunciou um período de dois anos de governação militar, a que se seguirão eleições. A governação ficará a cabo de um conselho militar, ainda que não se saiba quem o encabeçará, e a Constituição foi suspensa. O espaço aéreo e as fronteiras sudanesas foram ontem encerrados por um período de pelo menos 24 horas. Al-Bashir, que tomou o poder em 1989 com um golpe de Estado sangrento, foi detido e colocado sob forte escolta militar no palácio presidencial.
Ainda que os militares tenham concretizado a principal exigência dos manifestantes, que desde dezembro protestam todas as semanas, a desconfiança em relação aos militares (históricos aliados de Al-Bashir) não é pouca. A Associação de Profissionais Sudaneses, líder dos protestos contra o chefe de Estado deposto, olha com apreensão para este novo período: pediu aos manifestantes que não reduzam a pressão política, que se mantenham nas ruas, onde podem fazer a diferença. “Apenas aceitaremos um governo transição civil”, disse à Reuters Omar Saleh Sennar, membro da associação.
Os protestos contra Al-Bashir começaram a 19 de dezembro e foram motivados pela deterioração das condições de vida, com o Governo a querer aumentar brutalmente o preço do pão – bem de primeira necessidade e essencial na dieta da grande maioria dos sudaneses. Milhares foram para as ruas e o regime reagiu com balas de borracha, gás lacrimogéneo e, já no desespero, com tiros. Como consequência, o ódio ao regime aumentou, com as exigências a evoluírem para a necessidade de reformas económicas estruturais e o afastamento de Al-Bashir.
Os protestos foram arrastando-se e o Governo ora reprimia ora fazia ouvidos moucos. O número de vítimas mortais foi aumentando semana após semana – já ultrapassam os 50 mortos. Quando os protestos estavam a perder força no Sudão, os efeitos do que estava acontecer na Argélia voltaram a aquecer os ânimos. Na última semana, o povo argelino, após mais de um mês de protestos, conseguiu afastar o presidente Abdelaziz Bouteflika, há 20 anos no poder. Episódio que renovou energia aos manifestantes sudaneses.
No sábado passado, os manifestantes sudaneses convocaram uma manifestação à porta do ministério da Defesa, onde a residência de Al-Bashir se encontra, e dezenas de milhares responderam ao apelo. Lá chegados, decidiram por permanecer indefinidamente – ontem ainda estavam no local. Apoiantes do regime responderam com o envio de milícias e eclodiram vários confrontos – pelo menos 22 pessoas perderam a vida. Por seu turno, o exército posicionou-se ao lado dos manifestantes, cercando o local e disparando contra as milícias.
Al-Bashir começou a perder apoio e, sabendo-o, avança o Sudan Tribune, uma ala favorável ao regime, de cariz islamita com o apoio dos serviços secretos e de uma parte do exército, começou a preparar um golpe de Estado para acabar com a instabilidade política – não se sabe se Al-Bashir, em caso de sucesso, se manteria ou não no poder. Os militares liderados pelo ministro da Defesa sudanês anteciparam-se e fizeram o seu próprio golpe de Estado, com unidades leais a si a tomarem posições estratégicas na capital sudanesa, Cartum.