Turismo. “Alojamento local não é bode expiatório”

Os responsáveis da ALEP e da AHRESP não têm dúvidas: o problema da habitação não surgiu com o aumento desta oferta; e pedem bom senso ao Governo e autarquias em relação às medidas a aplicar no setor.   

A atividade de Alojamento Local (AL) não pode ser usada como bode expiatório do problema da habitação. A afirmação, ao SOL, é do presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), que garante que existe espaço para crescer em Portugal sem afetar o mercado habitacional. «Basta lembrar que nos últimos Censos tínhamos 735 mil imóveis vagos e 1,3 milhões de imóveis de segunda habitação. É quase uma responsabilidade social aproveitarmos melhor estes imóveis que, em média, são usados menos de 30 dias por ano em vez de estarmos a construir mais e mais», concretiza Eduardo Miranda.

O responsável aponta o dedo às medidas que têm sido implementadas por várias cidades com vista a restringir este negócio. O mais recente caso é o de Madrid, que aprovou um Plano Especial de Hospedagem, que obriga os responsáveis pelos alugueres temporários a construírem acessos diretos das propriedades à rua. «A forma como algumas cidades (não países, pois neste âmbito não há exemplos) estão a reagir é desproporcional e descoordenada», acrescentando que «numa cidade inventam certas regras sem sentido é o caso de Madrid e na cidade ao lado existem outras completamente diferentes. Vão acabar com o conceito e perder uma oportunidade», refere Eduardo Miranda.

De acordo com o presidente da ALEP, «Portugal não precisa, nem deve copiar o que se faz lá fora, simplesmente porque está muito à frente neste processo de regulamentação e na busca de equilíbrio», lembrando que o nosso país é o único que tem uma legislação nacional a regulamentar a atividade e que vai ser o primeiro a criar uma fórmula, através dos regulamentos municipais, que irá permite às cidades, em casos pontuais de alguma concentração excessiva ou de desequilíbrio local, «corrigir essa situação, sem ser apenas por proibições cegas». 

Também para Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP – que este sábado vai organizar a European Hospitality Summit, a maior cimeira alguma vez realizada em Portugal totalmente dedicada ao alojamento turístico – garante que o Alojamento Local tem vindo a ser injustamente acusado de ser a origem de todos os males relacionados com habitação ou falta dela. Ao SOL, a responsável admite que «o verdadeiro problema está mais a montante e surgiu após a alteração à lei do arrendamento urbano, em 2012, que veio facilitar os despejos e os aumentos exponenciais das rendas, e cujos efeitos mais negativos», refere. 

Ana Jacinto vai mais longe e afirma que com ou sem alojamento local «este era um cenário mais do que previsível, pelo que não se pode atribuir responsabilidades ao alojamento local por um problema que não foi ele a criá-lo», defendendo que não cabe a esta atividade a responsabilidade de políticas de habitação, uma vez que, essa função é exclusiva do Estado.

Já em relação à possibilidade de Portugal ‘imitar’ o exemplo de Madrid. A secretária-geral da AHRESP diz apenas: «tendo em conta as modalidades de estabelecimentos que hoje temos, isso seria simplesmente ‘matar’ o alojamento local como hoje o conhecemos», garantindo que esse não será «o desejo, nem do legislador, e muito menos das autarquias, de quem aliás se espera bom senso no exercício do poder que lhe foi atribuído pela lei em matéria de limitação de número de estabelecimentos nos seus territórios».

Ainda assim, a opinião é unânime junto dos dois responsáveis ao considerarem que este mercado está mais asfixiado em Lisboa e no Porto e, no caso da capital, limitado a quatro ou cinco freguesias. 

Mas Eduardo Miranda recorda ao SOL que, nestes casos, já estão a ser aplicadas medidas excecionais de 1900 onde o alojamento local está presente. «Se nestas 4 ou 5 freguesias é preciso fazer alguns ajustes, não podemos esquecer que o alojamento local está a levar de forma gradual e sustentável os benefícios do turismo há centenas de outras freguesias do interior», alerta. 

Também para Ana Jacinto não há dúvidas: «Se analisarmos convenientemente este fenómeno, na sua vertente, menos positiva, podemos circunscrevê-lo a apenas duas das 159 cidades do nosso país: Lisboa e Porto e, mesmo nessas cidades, falamos apenas de duas ou três freguesias». E vai mais longe: «Atrevo-me mesmo a dizer que este é um ‘problema bom, que muitas cidades gostariam de ter. E este é um aspeto extremamente importante, quer porque deve nortear a nossa estratégia de atuação futura, quer para chamar a atenção para o facto de o alojamento local contribuir para o crescimento significativo da taxa de ocupação em muitas regiões do nosso país, tradicionalmente com menor procura de turistas».

Recorde-se que, a par do Bairro Alto, Madragoa, Castelo, Alfama e Mouraria também a Graça e a Colina de Santana vão passar a ter o alojamento local condicionado em Lisboa. São ao todo sete bairros considerados que passam a ter limites em termos de oferta. Nas áreas de contenção definidas pela Câmara de Lisboa vai passar a haver dois níveis de quotas de alojamento local, distinguindo-se as zonas onde o seu peso já ultrapassa 20% face ao stock de habitação, e uma segunda linha de restrições a aplicar em zonas onde este índice é superior a 10%, como é o caso da Graça e Colina de Santana.

 

Contributo para a reabilitação

Para Ana Jacinto esta atividade não pode ser separada do seu contributo em relação à reabilitação de imóveis, caso contrário, garante que estaríamos a braços com milhares de casas degradadas ou devolutas. «Dos estudos que AHRESP realizou, surge a clara conclusão de que a maioria dos imóveis, antes de serem convertidos em unidades de AL, estava desocupada. Em Lisboa essa percentagem foi de 59%. Em 19% dos casos passaram de arrendamento para habitação para AL e 13% eram utilizados para habitação própria. E estas são percentagens que não diferem muito do apurado para as restantes zonas do país. O que se conclui daqui é que o AL não veio retirar imóveis à habitação», diz ao SOL. 

A par disso há que contar, segundo a responsável, com a criação de postos de trabalho e com o dinamismo das economias locais, sem esquecer «o seu importante papel no combate à desertificação de algumas zonas das cidades de Lisboa e Porto, que estavam votadas ao abandono, sem comércio, sem restauração e sem habitantes». 

Uma opinião partilhada por Eduardo Miranda ao defender que «hoje é reconhecido que além do impacto que teve na reabilitação urbano, na criação de um ecossistema que criou milhares de emprego, rendimento para dezenas de milhares de famílias e micro negócios, que ajuda o comércio local, e que além de tudo isto, foi um dos pilares do crescimento do Turismo e teve um papel importante nos prémios que Portugal ganhou nos últimos anos». 

Mas vamos a números. Os últimos dados referentes a janeiro indicam que o alojamento local representa já 402.100 dormidas (13,5%) e 189.700 dos hóspedes (15,2%), enquanto que o turismo rural e de habitação representa 51.900 dormidas (1,7%) e 28.400 hóspedes (2,3%). 

Mas apesar do crescimento da oferta deste segmento, Ana Jacinto garante a oferta tradicional hoteleira está a saber reagir a esta ‘concorrência’ ao lembrar que são ofertas distintas, com características e públicos diferentes e, como tal, há espaço para todas. «Devemos aceitar que tudo é alojamento turístico, tudo contribui para a qualidade da nossa oferta, desde o grande grupo hoteleiro, até ao apartamento que é utilizado pelo particular para incrementar o seu rendimento. E é aqui que deve estar centrado o nosso foco, o foco de todos aqueles que se preocupam em manter e melhorar a qualidade da experiência que proporcionamos a todos aqueles que nos visitam», salienta.