O ex-ministro da Educação e atual vice-presidente do PSD, David Justino, celebrou um contrato com a Câmara Municipal da Maia em agosto de 2018 – dois meses após as diretas do partido – em que se comprometeu a prestar serviços de aconselhamento técnico e científico ao município na área da Educação. Mas O SOL sabe que o contrato de 12 meses feito por ajuste direto, com um valor de 19200 mil euros (acima dos 20 mil já obrigaria a concurso), não foi integralmente cumprido. Apesar disso, o município não pondera sequer acionar as cláusulas de incumprimento, que preveem penalizações para o prestador de serviços.
No contrato assinado pelas partes fica claro que David Justino passaria a ter como obrigações apoiar técnica e cientificamente o pelouro da Educação e Ciência – a cargo da vereadora municipal e deputada à Assembleia da República Emília Santos –, nomeadamente na elaboração de documentos estratégicos, como a Carta Educativa (cuja elaboração será feita pela Universidade do Porto) e o Plano Estratégico Educativo Municipal. Na cláusula 6.ª do contrato fica definido que o «prestador de serviços fica obrigado a manter, com uma periodicidade mensal, reuniões de coordenação com o gestor do contrato, das quais deve ser lavrada ata» e com a mesma periodicidade David Justino ficou obrigado a apresentar «um relatório com a evolução de todas as operações objeto dos serviços». No final, portanto, em março deste ano, o objetivo seria entregar um relatório final que até hoje não foi entregue e que numa primeira abordagem David Justino disse nem sequer saber que estava contratualizado.
Quanto aos relatórios entregues, sete deles foram feitos com recurso ao projeto ESCXEL da Universidade Nova de Lisboa. Deste projeto fazem parte várias autarquias – que pagam por isso à Universidade Nova – mas não a Câmara da Maia, que não obstante ter beneficiado de relatórios idênticos aos dos municípios da rede e que contaram com a colaboração de uma bolseira na sua execução, apenas celebrou um contrato a título individual com o ex-ministro da Educação.
Contactado na quinta-feira, David Justino começou por dizer que tinha sido o próprio a produzir toda a documentação que foi feita para o município da Maia e que não estava contratualizado qualquer relatório final: «Não há relatório final, eu acabei de entregar agora o relatório que pode funcionar como relatório final que é precisamente municiar o plano que estão a desenvolver e a carta educativa, com uma caracterização das escolas e dos alunos». Após alguma insistência, disse que ainda teria uma nova reunião e que se lhe pedissem um novo relatório que o mesmo seria feito.
‘Se você me diz, agradeço-lhe muito’
Confrontado com o texto do contrato que assinara, o antigo ministro da Educação rematou: «Se está previsto eu faço. Eles nunca me pediram um relatório final, mas se você me está a dizer isso, e ainda bem, olhe fico-lhe muito agradecido porque assim vou ver o contrato e vou ver em que termos é que está posto o relatório final e faço-o, porque não me custa nada fazer isso».
O contrato assinado com o município é claro: «No final da execução do contrato, o prestador de serviços deve ainda elaborar um relatório final».
Quanto à colaboração do grupo de trabalho da Nova, o da rede ESCXEL, o vice-presidente do PSD também negou na quinta feira essa possibilidade: «Não houve participação de nenhum investigador [da universidade]. Isto aqui não há exploração de trabalho alheio». E adiantou: «Se eu tenho um contrato individual não posso estar a dar trabalho a outras pessoas».
Disse ainda que a única hipótese de haver documentação com o logo do grupo de trabalho da Universidade Nova era um exemplar de um relatório feito para a Câmara da Amadora que havia mandado a título de exemplo.
Mas uma resposta por email enviada na quinta-feira à noite acabaria por, além de elencar de forma sucinta o trabalho desenvolvido, admitir a colaboração de uma bolseira. Diz David Justino que foram feitos «sete relatórios sobre resultados escolares dos agrupamentos […] (em colaboração com a Prof.ª Doutora Eva Gonçalves responsável pelas Bases de Dados ESCXEL, CICS.NOVA)». No mesmo email, descreve ainda que neste ano de trabalho fez outros três relatórios e que o relatório final já está em curso e será entregue até ao final de abril. São ainda elencados seis pareceres e textos orientadores realizados e o facto de ter analisado e feito comentários ao Plano Estratégico Municipal, à Carta Educativa e às Orientações Estratégicas do Pelouro da Educação. Além disso, David Justino garante ter estado em 11 reuniões do município e noutra realizada na própria universidade.
‘Sou pessoa de bem. Está a pegar em pormenores’
Num contacto do SOL posterior a este email, durante o dia de ontem, David Justino justificou a colaboração da bolseira da seguinte forma: «Ela gerou os relatórios e eu fiz o texto adaptado ao caso da Maia […] Nós desenvolvemos um modelo de relatório que é quase automático e nós adaptamos só uma parte». Questionado sobre se a bolseira teve alguma compensação por este trabalho extra rede ESCXEL a resposta foi pronta: «A única coisa que fez foi gerar os relatórios que eu depois adaptei. Aliás, nem pode receber porque ela é bolseira».
E foi por ter usado outputs deste plataforma que os relatórios entregues à Câmara têm uma capa com o logotipo da ESCXEL. Quanto ao facto de não ter subscrito os mesmos, justificou: «Eu não preciso de assinar relatórios, porque há uma relação de confiança».
«Sou uma pessoa de bem. Está a pegar em pequenos pormenores. Se assinei ou não. Isto não tem a ver com aquele dimensão burocrática, agora o que não houve foi falta de trabalho», concluiu.
Câmara elogia trabalho científico
Ao SOL, a Câmara da Maia disse que a informação técnica e científica produzida «foi útil a diversos projetos educativos». Ainda antes do contacto em que David Justino disse não se recordar que tinha de entregar um relatório final, o município afirmou: «Uma vez que o contrato terminou em meados de março e não foi renovado, o relatório final encontra-se a ser elaborado pelo prestador de serviços, sendo que o dito relatório será utilizado pelos serviços para a avaliação do prestador tal como obriga atualmente o código da contratação pública».
Tanto a autarquia quanto o autor recusaram enviar ao SOL os relatórios feitos. Quanto à derrapagem na entrega do relatório final a câmara disse que não irá acionar qualquer cláusula de penalização. E tanto uma parte como outra negaram qualquer ligação entre este contrato e uma aproximação daquela autarquia – cujo ex-presidente apoiou Santana Lopes – a Rui Rio. Fonte oficial da Câmara diz: «As necessidades e a ação do município não estão subordinadas às circunstâncias da vida interna dos partidos».
A vereadora Emília Santos disse ao SOL que apesar dos atrasos e de algumas indisponibilidades pontuais o trabalho do ex-ministro tinha sido importante. E realçou que o contrato não foi renovado este ano, uma vez que já não se considera necessário tal aconselhamento.
Confrontado com este caso, Paulo Morais, presidente da Associação Frente Cívica, lança duras críticas: «Acho lamentável que um vice-presidente de um partido com a responsabilidade do PSD use o seu cargo para dele tirar benefícios pessoais, nomeadamente remunerações. Além disso, não acho digno para quem exerce o magistério da docência universitária disso tirar benefícios pessoais e privados, nomeadamente da atividade que tutela na universidade. E acho que a universidade tem uma palavra dizer».