Os processos disciplinares contra médicos e o número de queixas por parte dos utentes aumentaram para o dobro no ano passado face a 2017. De acordo com o relatório de Atividades e Auto Avaliação de 2018, publicado no site da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), em 2018 foram instaurados 19 processos disciplinares, mais nove face a 2017 – em que foram instaurados 10 novos casos. Dos 19 processos, 17 dizem respeito a médicos, noticiou esta segunda-feira o Público.
Contactado pelo i, Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, considerou que o aumento do número de queixas pode ser resultado “do facto de os cidadãos estarem mais informados sobre os seus direitos e de como se podem queixar”. Mas as “más condições de trabalho, a pressão excessiva exercida pelo Ministério da Saúde sobre os médicos com tempos de relação médico-doente inaceitáveis, e o facto de muitos médicos se encontrarem em burnout” podem contribuir para o aumento das queixas, considerou. Falta de humanização nos hospitais? Questionado sobre se estes números refletem a falta de humanização nos hospitais, o bastonário sublinhou que a Ordem tem vindo a deixar alertas sobre o facto de o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estar “a trabalhar no limite e os profissionais [serem] obrigados a tratar os seus doentes muitas vezes com condições indignas”. Além disso, o bastonário explicou que as horas extraordinárias – que representam 20% do trabalho dos clínicos – e o acesso a consultas “cada vez mais dificultado” podem também levar a que “os cidadãos, e os próprios profissionais estejam profundamente descontentes”.
Para Miguel Guimarães a falta de humanidade não é culpa dos profissionais de saúde. E aponta o dedo à tutela – que é a responsável por estabelecer regras de organização de trabalho. “A Ordem do Médicos tem feito vários alertas sobre as carências de recursos humanos, os problemas nas infraestruturas, os equipamentos obsoletos e as falhas informáticas mas infelizmente temos sido sucessivamente ignorados”, diz.
Tendo em conta as atuais condições do SNS, “o sistema até tem beneficiado da benevolência dos profissionais e dos utentes, que mesmo assim não têm denunciado tudo o que está mal”, defendeu Miguel Guimarães, adiantando que “gostaria de ver o Ministério da Saúde a encarar com respeito e seriedade os problemas do SNS, os seus profissionais e sobretudo os utentes”.
Aos olhos do clínico, para combater estes problemas é preciso serem feitas algumas mudanças, entre elas reforçar o orçamento para o setor, “contratar mais pessoas” e “investir nas carreiras e em condições de trabalho atrativas e que permitam tratar os doentes com dignidade e respeito”
No entanto, esta questão não é nova. O problema já tinha sido levantado por João Pedroso de Lima, médico no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), em entrevista ao i no início do mês passado. O médico revelou que as reclamações dos utentes aumentam de mês para mês e que os pacientes se queixam que não são tratados da maneira mais apropriada, que existem “atitudes desumanas” ou que “há imenso barulho e não dá para descansar”.
“Há uma absoluta falta de cuidado na maneira como as pessoas se comportam no hospital. Comportam-se melhor numa biblioteca, num teatro ou no cinema do que num hospital, onde devia haver, por maioria de razão, mais cuidado”, reiterou, admitindo que se por um lado “estamos mais individualistas e não nos preocupamos tanto com o outro”, também o número de processos judiciais contra os hospitais é maior. Pedroso Lima disse ainda ao i que a falta de atenção para com os doentes pode ser justificada com o burnout dos profissionais, a falta de condições de trabalho e os ordenados. Mas defendeu que isso não é desculpa para haver “uma desatenção para com o doente, que não tem culpa nenhuma disto”.