É da geração rádio pirata, e mesmo não tendo nunca planeado uma carreira como radialista, de repente estamos em 2019, ano em que comemora três décadas atrás dos microfones. Trinta anos são muito tempo para alguém com a jovialidade de Vanda Miranda, mas no trabalho, como noutras demandas da vida, foi precoce: começou com 17.
Em maio comemora também três anos na M80, rádio onde chegou vinda da sua relação mais duradoura: a Comercial. Por isso, não estranha quando ainda hoje lhe perguntam quando volta à casa onde mais tempo passou até agora. Da bricolagem ao rock, dos vestidos à maternidade, do amor pelas manhãs à vontade de as deixar para trás, da certeza inequívoca de que a M80 não é uma rádio com pó e de mais uns quantos temas se fez esta conversa. Começamos pelo final.
Há ainda a ideia de que a M80 é uma rádio pensada para públicos maduros?
Isso é uma das coisas que é um engano. O meu cavalo de batalha desde que fui para aquela rádio é precisamente explicar às pessoas que não é assim. Percebo que haja essa ideia: afinal, a rádio passa música antiga, que prefiro dizer que são os clássicos da música…
Que não são já dos anos 80.
Passamos pouquíssimo anos 70, anos 80 muito ainda, também porque somos um país muito saudosista nesse aspeto, e passamos já muito anos 90. Por exemplo, eu sou muito anos 90. Nasci em 72, nos anos 80 era uma miúda e acho que formamos o nosso gosto musical ali perto dos 16, 18, que para mim foi durante os anos 90.
Mas ouvia muito Rolling Stones.
Ouvia, porque o meu irmão tem mais cinco anos do que eu. Mas, mesmo para ele, ouvir Rolling Stones já era quase ouvir clássicos. Se calhar, até era mais da geração do meu pai, mas ele adorava os Stones e estava sempre a ouvir os vinis em casa. Led Zeppelin, AC/DC, sempre fui uma miúda do rock porque cresci a ouvir estas coisas. E teve muito a ver com a influência dele. Era uma miúda de dez, onze anos, ele já com 16 ou 17, e acabava por estar sempre com ele a ouvir aquela barulheira, como o meu pai dizia. Talvez por ter crescido a ouvir esse estilo de música, ainda hoje sou muito do rock.
Li numa entrevista que o seu pai era o ‘speaker da aldeia’. Quer explicar?
(risos) Ó pá, o meu pai, às vezes, diz na brincadeira: ‘Tu foste parar a esta profissão porque te inspiraste em mim.’ E eu: ‘Pai, tu eras speaker do clube da aldeia, por favor’. Ao que ele responde: ‘Naquela altura, só os grandes clubes é que tinham speakers, eu é que era muito à frente e montei ali um estúdio’. (risos) Aquelas coisas dos pais quando às vezes querem ser muito vaidosos, com a mania que são modernos. Mas ele conta coisas engraçadas, inclusive locutava publicidade.
Tudo passado em Sarilhos Grandes?
Sarilhos Pequenos.
É isso, enganei-me.
(risos) É uma aldeia pequenina ali na Margem Sul, entre a Moita e o Montijo, onde passei a minha infância. Depois, na adolescência é que fui para a Moita, a vila-concelho.
Qual era o nome desse clube?
1.º de Maio Futebol Clube Sarilhense. Foi onde começou a jogar, por exemplo, o grande Manuel Fernandes do Sporting. Aquela zona tem muita tradição de jogadores de futebol, tanto que às vezes há reportagens na televisão que vão lá, e a terra acabou por ficar mais conhecida um bocadinho por causa disso. Mas acho que o meu pai ter sido speaker não teve muito a ver com a minha escolha profissional. (risos)
Mas os seus pais nunca lhe cortaram as vazas, nunca lhe disseram: ‘Nem pensar, não vás por aí’?
Não, nada. Até costumo dizer que a minha história é um bocadinho atípica porque às vezes ouço os meus colegas da rádio a dizer que sempre sonharam fazer rádio ou aparecer na televisão. Não me lembro nada de ter esse tipo de vontade. Lembro-me, mas acho que era uma coisa que quase toda a gente da minha geração fazia, simular os programas de rádio nos gravadores. Mas não era uma coisa que indiciasse o meu futuro, era mais da geração.
A geração da rádio pirata.
Completamente. E, tirando isso, não me lembro de mais… Quer dizer, havia as locutoras de continuidade que apareciam a dizer a programação, era uma coisa assim muito formal. ‘Caro telespetador, esta noite ainda vai poder ver…’ E lembro-me perfeitamente de me pôr em frente ao espelho com uma revista na mão, a TV Guia ou lá o que era, a dizer a programação. Era ridículo. (risos) De resto, esta história da rádio apareceu muito por acaso porque eu estava no liceu, tinha ainda 17 anos, e na altura tinha começado a surgir a área de jornalismo nos liceus, era uma coisa muito recente.
Fotografia de Miguel Silva
Jornalismo chegou a ser uma área nos liceus?
Sim, mas claro que era uma coisa muito arcaica. Aliás, era jornalismo/turismo. (risos) Acho que fui até por isso, porque queria ser guia turística. Era péssima a Matemática, ótima a línguas.
Nunca ouvi nenhuma criança dizer que queria ser guia turística. De onde veio isso?
Pois, não sei. Claro que passei pela minha fase de veterinária, um clássico. Mas, guia turística, não faço a mínima ideia. Acho que me entusiasmava a ideia, e isso é uma coisa que ainda hoje tenho, que é adorar ir a sítios e conhecer, e penso que já tinha a ver com isso. E aí, sim, se calhar o meu pai tem alguma responsabilidade, porque era daquelas pessoas que acordava domingo de manhã e dizia: ‘Vamos dar uma volta!’ E acabávamos em Espanha.
Ainda noutro dia contou no seu blogue que pegou no seu filho e meteram-se na A8 para sair na primeira localidade que ele ainda não conhecesse.
É verdade, faz agora um ano desse episódio, estávamos de férias da Páscoa. Tenho muito isso porque lembro-me de o meu pai fazer isso comigo, e achava tão giro que tentei fazer com os meus filhos. A história da guia turística, se calhar, vem daí, e depois, como já gostava muito de inglês, de francês, se calhar também vi aí uma oportunidade de carreira. Só que depois não foi nada por aí. Gostei muito de Jornalismo, adorei o professor, apesar de não ser nada aprofundado, era só uma disciplina. Mas lá está, era a altura das rádios piratas que depois foram sendo legalizadas e se tornaram rádios locais. Tinha um amigo que já estava no Rádio Clube da Moita e um dia desafiou–me para fazer uns testes lá para a rádio. Era uma miúda, como costumava dizer ainda falava assim (imita uma voz esganiçada).
Mas a Vanda é que achava que tinha a voz fininha ou diziam-lhe?
Ó pá, eu tinha mesmo! (risos)
Era só para despistar a falsa modéstia.
Há pouco tempo encontrei uma gravação, uma cassete, já ninguém tem leitores… E o que me ri a ouvir aquilo! Ainda por cima, o meu primeiro programa era de informação. Parecia daquelas coisas da rádio-escola. Mas tinha uma vantagem, e nisso não vou ser modesta: lia muito bem, tinha uma ótima dicção. Quando era preciso dizer nomes em inglês – sei lá, por exemplo, na altura, a primeira-ministra britânica era a Margaret Thatcher -, tinha ali uma ótima dicção.
Imagino que nessa altura ainda havia muita gente a meter os pés pelas mãos na hora de falar inglês.
Havia. Lembro-me perfeitamente de a coordenadora que nos estava a escolher me ter dito que eu lia muito bem e que, por isso, iam ficar comigo para fazer a informação. Então comecei por fazer noticiários, primeiro escrevia as notícias – parte delas copiávamos da TSF, mas pronto. (risos) E, portanto, o meu primeiro trabalho na rádio foi a apresentar as notícias, ainda no liceu, ainda a tirar a carta.
Foi muito precoce em tudo.
Fui, até a ter uma filha aos 22 anos, fiz 23 uns dias depois de ela nascer.
Já contou várias vezes que a maternidade nunca a impediu de conciliar com a carreira.
A minha mãe ficava com a Sofia quando eu tinha de trabalhar, e era assim: se fosse para trabalhar, tudo bem; se fosse para me divertir, dizia logo: ‘Não te esqueças que tens uma filha!’
O que é justo.
Na altura, já achava que era, hoje em dia ainda percebo melhor. Mas foi tudo muito natural. Para já, nunca fiz grandes planos, nunca quis ser conhecida. Nunca vi a rádio como um meio para as pessoas me conhecerem. Aliás, era muito tímida, ainda hoje sou um bocadinho. Se calhar, o que me agradava na rádio era, aliás, que as pessoas não conheciam a nossa cara.
Isso mudou radicalmente ao longo dos seus 30 anos de carreira.
Até assusta dizer 30, faz-me muito velha! (risos) Faço este ano em setembro os 30. Fico assim a nem querer dizer nem celebrar. Mas pronto, como não tinha propriamente planeado, as coisas na minha vida foram acontecendo. Do Rádio Clube da Moita passei rapidamente para a Super FM, que era uma das rádios jovens que dava muito que falar. Depois de um ano recebi um convite do Nuno Santos para ir para a Rádio Energia, que essa, então sim, era a rádio jovem.
Foi o primeiro grande salto na sua carreira?
Completamente. Não foi só mudar de rádio e ir para uma muito maior, foi mesmo vir para Lisboa.
Nunca tinha morado sozinha até aí?
Não, e mesmo nessa altura não vim logo morar para cá, ia todos os dias para a Margem Sul. Lembro-me de uma altura em que fazia o programa mais à noite, que acabava para aí às nove ou às dez, e lá ia eu de barco para casa. Não me assustava nada. Com a minha filha, sempre consegui coordenar porque, lá está, eu também não estava assim tão… não é empenhada que quero dizer, porque me empenhava sempre a fazer um bom trabalho, acho que sempre tive ética profissional – quando estava de microfone ligado era a 200%, depois simplesmente geria a vida à volta -, não estava, vá, deslumbrada com nada, acho que geri tudo de uma forma natural.
As Manhãs da Comercial, que instauraram um novo paradigma: lembra-se da primeira vez que foi reconhecida na rua?
Antes, já me tinha começado a acontecer. Fui para as Manhãs da Comercial em 2007; antes, já me reconheciam porque a nossa fotografia já aparecia nos sites. E durante uns anos tive um programa de música da TVI aos sábados de manhã. Claro que depois, com as Manhãs, foi uma coisa a outra escala, as Manhãs da Comercial, de facto, mudaram ali qualquer coisa.
Como reage a esse contacto?
Reajo bem. Quando conto isto, as pessoas nem acreditam, mas sou mais tímida se me põem em cima de um palco. Aí fico em pânico. Sei que falo para milhares de pessoas todos os dias, mas não estou a olhar para ninguém.
Mas também já esteve em cima de um palco perante milhares de pessoas [na Altice Arena].
Pois, e curiosamente, na altura, não me senti nada nervosa, até porque estávamos ali em grupo. Começámos de facto a perceber que ia acontecer qualquer coisa em grande com as Manhãs porque cada vez mais as pessoas se metiam connosco na rua. Nós próprios conversávamos uns com os outros e dizíamos: mas isto é só um programa de rádio, o que está a acontecer?
Acha que o peso das redes sociais também foi importante nessa relação?
Também. E acho que nós soubemos aproveitar muito bem, e logo desde o inicio percebemos a importância. Se calhar, nem antevíamos o facto de aquilo também poder jogar a nosso favor, era mais: está aqui um meio muito mais automático do que um email ou telefone para as pessoas estarem em contacto connosco. Qualquer coisa que publicássemos tinha uma reação imediata, e penso que isso ajudou muito a criar ali uma relação de grande proximidade. Isto do reconhecer na rua, e especialmente uma pessoa da rádio, tem muito a ver com uma relação de amizade que se cria. Vou dar um exemplo: às vezes encontram-me na rua e tratam-me por tu. Depois dizem assim: ‘Desculpa estar a tratar-te por tu, mas parece que te conheço’. E não há problema nenhum. As pessoas dizem que é como se fôssemos ali ao lado, sentados no carro, todas as manhãs. Já tive pessoas que me disseram que era como se eu fosse uma prima ou uma amiga. Percebo que, de facto, fazes parte da vida das pessoas, e se elas acham que podem ter esse tipo de proximidade contigo é porque não te imaginam num patamar superior, és alguém que simplesmente faz parte.
É uma das vozes femininas da rádio que é muito apreciada por mulheres.
É verdade, tenho um público muito feminino e sempre gostei disso. Não sei porque é que isto acontece, mas mesmo nas minhas redes sociais vejo isto, a maior parte são seguidoras. E acho isso muito curioso precisamente porque acho que é mais difícil para nós, mulheres, assumirmos que somos fãs de uma mulher do que de um homem, e talvez seja mais difícil reconhecermos o talento a uma mulher. Fico muito contente por ter esse impacto no público feminino – é o que falava há pouco, de ter mulheres que vêm ter comigo e dizem que sou como uma amiga. Conseguir criar essa relação com o público é, para mim, a marca que deixo.
Acha que o público a tem seguido nas rádios pelas quais tem passado ao longo da carreira?
Sinto isso e tenho pessoas que me dizem que já me ouviam na Rádio Energia, o que é muito engraçado, porque já foi há 20 anos. Quando passei para a M80 também tive muita gente a dizer: ‘Olha, vim contigo’.
Fotografia de Miguel Silva
Esteve muito tempo na Comercial. O público já a descolou completamente da Vanda da Comercial?
Ainda tenho pessoas a perguntar quando é que volto para a Comercial. (risos) Ainda hoje, curiosamente, recebi uma mensagem de alguém que dizia que tinha muitas saudades de me ouvir lá. A Comercial é uma rádio nacional, a M80 é regional. Temos uma rede grande, por exemplo, na região Sul, onde somos ouvidos em quase todo lado, mas a norte há muitos sítios onde não temos cobertura. Portanto, há pessoas para quem eu, de facto, desapareci. Claro que podem ouvir pela internet, mas nem toda a gente tem essa linha de pensamento. Por isso há quem vá às minhas redes sociais escrever isso ou então que, como aconteceu hoje, me manda uma mensagem. Não me aborrece de todo. A Comercial é e será para sempre parte da minha história. É a minha relação mais longa, nem com maridos nem com namorados tive uma relação tão longa como com a Rádio Comercial. (risos) Foram quase 20 anos lá, é uma vida.
Entrou em 97, certo?
Exato, tinha vinte e poucos anos. A minha filha era pequenina.
Entretanto já se mudou há três para a M80 e o programa das manhãs, faz três anos em setembro que a Vanda, a Susana [Romana] e o Paulo [Fernandes] estão juntos. Apostou na Susana Romana porque achou que fazia falta uma mulher no humor na rádio. Aposta ganha?
Sim. Acho que em muita coisa, e atualmente essa é uma discussão que está na ordem do dia, é mais difícil para uma mulher vingar – mas no humor, então, ainda é mais complicado. Ris-te mais facilmente de uma piada de um homem. Ou é a voz masculina, não sei, deve haver uma explicação qualquer. Perdoas mais: se for um homem a dizer qualquer coisa mais ao lado, as pessoas riem-se na mesma. Tudo é mais aceitável e mais fácil para um homem, e no humor então… Quando a Susana apareceu, e eu estava completamente à espera disso, as pessoas diziam: mas o que é isto? É um longo caminho, eu tinha noção disso, ela felizmente também sabia que não ia ser fácil. Hoje em dia, o feedback é completamente diferente, tens é, de facto, de dar tempo ao tempo.
Não sabia que tinha sido preciso esse tempo.
Sim. A aceitação não foi assim tão imediata, mas também não foi assim tão demorada. Mas sim, ainda demora. Em todos os sítios onde tinha trabalhado, a parte humorística dos programas era feita por homens, e eu sou superfã, claro, do Nuno Markl, do Ricardo Araújo Pereira, mas quando comecei a pensar em ter uma rubrica de humor nas manhãs da M80, pensei em ir buscar uma mulher. O meu diretor achou uma ótima ideia, e quando comecei a procurar não estava a ver bem quem seria. Já tinha trabalhado com a Susana há uns anos na Comercial, ela, na altura, nem fazia antena, fazia produção. Um dia estava a ler o jornal e vi uma crónica dela sobre o Harry Potter, muito engraçada, como é, de resto, o estilo dela. Lembro–me de começar a ler aquilo, fartar-me de rir e pensar: ‘Pá, a Susana podia fazer isto nas Manhãs.’ E convidei-a.
Ela nunca tinha dado voz a nada?
Acho que não. Tinha muita experiência de rádio, mas enquanto guionista, produtora. Ela, ao início, brincava muito com isso. Dizia: ‘Se isto correr mal, a Vanda é que me foi buscar, eu não vim cá pedir nada’.
Está à frente de um programa das manhãs, de uma rádio regional, com mais mulheres do que homens, e progressivamente têm conquistado audiência.
Temos batido recordes, tem sido incrível.
Vinda de uma rádio nacional, como se conquista este caminho?
Não sei o que hei de pensar em relação a isso porque, sinceramente, não achava que fosse acontecer assim. Aliás, quando fui para a M80 nem fui fazer manhãs, depois acharam que fazia sentido. Mas eu não queria, e digo isto com todo o à-vontade, porque os meus chefes sabem que isto é verdade. A primeira vez que o meu diretor me disse que eu devia fazer as manhãs, a minha primeira reação foi: ‘Não me façam uma coisa dessas, estou a adorar a minha vida sem acordar às 5h30. Vou jantar fora domingo à noite, vejo filmes até às tantas…’ O meu intervalo foi entre maio e setembro [de 2016].
Acha que, quando a foram buscar, na M80 já teriam essa segunda intenção, de lhe acenarem com as tardes e oferecem-lhe as manhãs?
Acho que não. Depois devem ter achado que não fazia sentido eu estar a fazer um painel normal de música, não sei. Mas estava a adorar a liberdade, porque este horário é muito limitador em tudo. Jantar com os amigos durante a semana? Digo logo que estão malucos.
O que acha que estão a fazer bem para conseguirem galopar na onda das audiências?
Ainda hoje nos admiramos por não ser uma rádio muito grande, não temos sequer grandes campanhas de marketing e publicidade. Acho que cavalgamos muito numa forma de marketing antiquíssima mas que, pelos vistos, ainda resulta: o passa-palavra. Imagino que sejam as pessoas a falar e a dizer: ‘Tens de ouvir as manhãs da M80 que aquilo está muito engraçado’. Deve ser uma coisa assim do tipo, e acho que foi muito por aí.
E tem sido sempre uma linha ascendente?
Temos batido recordes de audiência, que me são contados, porque eu, não estando lá antes, não sabia quais eram os números, mas desde 2016 que continuamente batemos recordes. Chegámos, aliás, a um patamar aqui em Lisboa, onde temos a maior audiência, em que já somos a terceira rádio. Dito assim, não parece nada de mais, mas as outras duas que estão à frente são nacionais. É assim uma coisa que nem nos nossos maiores sonhos pensámos. Acho que é por sermos uma alternativa, não sei. Antes, nas manhãs havia a Comercial e a RFM, e não havia uma terceira alternativa.
Esteve durante uns anos a seguir um modelo que estava testado, que sabia que funcionava. Depois, a partir daqui, com uma equipa mais pequena, tem de elaborar outro modelo. Que modelo é esse?
É uma coisa que há de ficar no meu currículo entre as coisas que mais me orgulham. Felizmente tive carta branca para fazer este programa e ir buscar as pessoas com quem queria trabalhar. Agarrei em quatro folhas, escrevi, vá, desenhei o que queria que acontecesse em cada hora. Por exemplo, o nosso quiz, que é uma coisa que corre sempre muito bem e as pessoas adoram, e é uma coisa tão fácil. Às vezes são as coisas simples que funcionam.
Marketing de boca em boca, desenhos numa folha de papel, um plano muito à frente.
(risos) Não houve cá excel. O Miguel Cruz disse-me: ‘Crie o seu programa.’ E essa carta branca foi muito interessante e desafiadora, daí eu ter aceitado logo este desafio das manhãs. Não sei se farei muitos anos, deixei logo essa ressalva, porque já faço há 12 e isto é muito cansativo. Mas pronto, decidi abraçar porque percebi que ia poder fazer o programa que me apetecesse. Ninguém tem a fórmula do programa de sucesso porque estamos a trabalhar para um público muito diverso. Então no caso da M80, é mesmo dos 8 aos 80. Uns gostam de uma coisa, outros de outra, uns percebem um tipo de humor e outros não, porque se calhar é uma coisa tão vasta que não é fácil pensar especificamente: eu vou trabalhar para estas pessoas. Nunca acreditei que a M80 fosse uma rádio velha, ou para velhos, e disse logo ao meu diretor que ia continuar a ser a Vanda meio desbocada e que se ri de tudo. E disseram-me logo que queriam que fosse eu própria. A melhor forma que tenho de explicar isto é que faço a rádio que gostava de ouvir de manhã. O exercício que faço é: se eu fosse de manhã para o trabalho, a levar com trânsito, a preparar os miúdos, a levá-los à escola, gostava de ouvir um programa onde do outro lado estivesse alguém que fosse simpático, brincalhão, porque o resto já é meio cinzento. Acho que pensar em conteúdos é tão simples quanto isso.
O que faz no carro a caminho da rádio?
Ouço as notícias. Já sei que tenho de estar a descer para a garagem por volta das 6h25 para estar às 6h30 no carro. Gosto sempre de ouvir as primeiras notícias da manhã e ouço na TSF, não tenho problema nenhum em dizer. Mesmo que não usemos a informação, porque o nosso programa é de entretenimento, acho que temos de estar informados. Por exemplo, na altura dos incêndios: não é fácil fazer um programa destes com o país de luto. Nesse dia senti a necessidade de assumir no ar que era um dia difícil, que estava a custar a todos.
Tenta então, para lá do entretenimento, não perder a ligação ao real.
Nem faz sentido, senão seria um programa gravado e nós seríamos robôs. Gosto sempre de saber o que está a acontecer – umas coisas até posso puxar para a emissão, outras vezes não há material que justifique irmos buscar, até porque temos o nosso próprio espaço de notícias. Depois, de manhã, tentamos sempre chegar ali pelas 6h40 – a única coisa boa é que a essa hora não há trânsito -, eu, o Paulo e a Margarida, que somos os primeiros, a Susana vem depois. Ficamos ali a conversar e a beber um cafezinho, a acordar a voz, como costumo dizer.
Há algum truque?
Não há, mas é importante acordar a voz e o humor. Sempre fui uma morning person…
Mesmo em adolescente?
Sim, porque fazia muita confusão ao meu pai que os filhos dormissem até à uma da tarde. Então ia acordar-me e dizia: “Quem muito dorme pouco aprende.’ Por isso sempre fui madrugadora, e mesmo se ao fim de semana durmo até às 11, na loucura, acordo meio aborrecida porque penso que já perdi metade do dia. Sobre acordar a voz, não faço nada de extraordinário, mas acho que aqueles dez minutos de conversa com os colegas são importantes. E não precisamos de chegar muito mais cedo porque preparamos o programa de véspera.
Nunca teve nenhuma palavra em que embicasse e, por isso, evitasse dizer no ar?
Então não tive! Logo nos primeiros dois noticiários que fiz tropecei em ‘solidariedade’. Enganei-me duas ou três vezes e às tantas disse ‘ai’ no ar (risos). Vá lá que não foi outra coisa pior.
Qual o episódio mais caricato que já viveu numa emissão, aquele que vem logo à cabeça?
Não consigo escolher um, lembro-me sempre do mesmo que acho que nem tem piada por aí além, mas pela reação dos meus colegas, ainda na Comercial. Estávamos a falar de um estudo qualquer, aquelas coisas muito parvas, sobre o que diz o tamanho dos dedos sobre nós. Eu tinha de falar do dedo anelar, ou o que era, e às tantas digo: ‘Porque o dedo sexual significa…’ Eles pararam todos e foi uma risota… Mas assim o momento impactante de que nunca me vou esquecer foi quando o Nuno Markl leu uma página do meu diário. Foi muito engraçado porque nós, enquanto equipa, estávamos quase sempre genuinamente divertidos – uso o quase porque somos humanos – mas, naquele dia, nós chorámos literalmente a rir. Lembro-me de olhar para o Vasco e as lágrimas escorriam-lhe pela cara. Houve pessoas que depois nos mandaram mensagens a contar que iam a conduzir e tiveram de parar o carro porque estavam a chorar a rir.
Como se controla o riso no ar?
Não se controla! O próprio Nuno Markl, que consegue dizer as coisas mais disparatadas sem se desmanchar, naquele dia só dizia: ‘Não consigo continuar’.
Mesmo não trabalhando juntos conseguem manter a relação de amizade?
O estúdio da M80 é quase ao lado do da Comercial, portanto cruzamo-nos quase todos os dias. Mas estamos menos juntos porque, obviamente, estamos no ar à mesma hora.
É conhecida por gostar muito de saltos altos. Nunca teve, portanto, a tentação de ir de pantufas?
(risos) Mas já fui de pantufas no dia do pijama, é muito confortável, recomendo. (risos) Hoje em dia, até uso mais vezes ténis, mas gosto muito de saltos. Em miúda era muito maria-rapaz, conta a minha mãe, chegava sempre a casa com qualquer coisa partida, mas tenho um lado muito feminino, gosto muito de me maquilhar, de usar vestidos e saltos. E já na adolescência era assim. Tenho uma personalidade um bocado fraturada, mas gosto disso, acho que não somos só uma coisa.
Esta paixão da bricolagem vem de onde?
Acho que liga com o facto de ser um bocadinho maria-rapaz. Penso que isso se reflete no facto de não ter medo de usar ferramentas, por exemplo. Sempre gostei muito de decoração – até quis ser designer de interiores, estou agora a lembrar-me. Sempre adorei mudar a decoração do meu quarto, os tapetes, a cama, de sítio, já é uma coisa que vem lá de trás. Há uns anos comprei uma casita de férias na zona de Óbidos – eu digo que é a casinha do Hobbit, é mesmo daquelas mínimas, numa aldeia -, mas que precisava de ser recuperada. Antes já lixava e pintava móveis, essas coisas. Às vezes encontrava móveis antigos no lixo, abria o porta-bagagens e pronto, a minha filha dizia que só a fazia passar vergonhas. (risos) Quando comecei a recuperar a casa pus a mão noutro tipo de coisas e a descobrir que vamos cometer erros mas que, se formos tentando, as coisas acabam por sair.
E depois resolveu partilhar tudo no blogue ou este já existia?
Surgiu quase tudo mais ou menos na mesma altura. Há muito tempo que as minhas amigas me diziam: ‘Tu tens tantos interesses, adoras cozinhar, adoras receber em casa – o spot para as jantaradas de amigos é sempre em minha casa -, gostas de bricolagem, porque não fazes um blogue para mostrar essas facetas?’ Mas nem me considero uma blogger; o meu blogue, coitado, tem um artigo de mês a mês.
Tem algum limite na sua cabeça sobre quanto tempo ainda fará rádio?
Não tenho, mas tenho a noção de que tanto a rádio como outro meio tem de ser revitalizado. Não digo que vá deixar de fazer rádio, tenho a vantagem de poder fazer um painel normal de música, porque foi assim que comecei. Posso perfeitamente voltar às minhas origens.
Acha que nestes 30 anos de carreira já fez grande parte das coisas que se propôs ou ultrapassou essa fasquia?
Acho que ultrapassei porque nunca me propus a nada (risos). A única ideia que tinha era fazer sempre o melhor trabalho que conseguisse. Houve muita coisa que me aconteceu que foi surpreendente. Tenho tanto carinho do público que nem consigo perceber. E tenho os meus filhos em casa, que me chamam à razão – à noite estou sempre cheia de sono, muito birrenta, e eles estão sempre a dizer-me: ‘Se fosses assim na rádio é que gostávamos de ver’.
A sua filha nunca sentiu o chamamento da rádio?
Nada, seguiu relações públicas, já acabou o curso e já está a trabalhar. E ela ia muitas vezes comigo para o trabalho, cresceu nos corredores da rádio. Como era mãe solteira tinha dificuldade nas férias em deixá-la em algum lado, e felizmente na rádio nunca me puseram entraves a levá-la. E ela portava-se muito bem, sabia que quando eu abrisse o microfone, ela não podia falar. Já o meu filho é muito mais refilão. (risos)
O seu filho fez há pouco tempo dez anos e no seu Instagram partilhou uma história curiosa: ele chorou ainda na sua barriga, durante o parto. Quer contar?
Eu própria nunca tinha ouvido uma coisa daquelas. O parto do Tiago foi uma cesariana, e os médicos ainda estavam a tirá-lo e foi assim um grande burburinho. Fiquei meio assustada, mas ao mesmo tempo percebi que estavam a rir e a dizer que ele tinha chorado na barriga da mãe. Depois contaram-me que se costuma dizer que quando um bebé não precisa de ser estimulado e vem ao mundo logo a chorar que é um bom presságio e está destinado a grandes coisas. Não estava nada à espera que homens e mulheres da ciência ficassem tão entusiasmados com este folclore.
Vai de férias esta semana. Vai ouvir rádio?
Não! Mas ao entrar no carro não vou desligar o rádio, se bem que o meu filho monopoliza o meu carro com o cd dos Queen, e já era fã desde antes do filme. E não tem nada a ver com o facto de eu estar na M80, que ele já ouvia com o pai. Gosta muito dos clássicos e é grande fã dos Queen. Mas evito ouvir o meu programa porque não quero julgar os colegas, porque inevitavelmente pensamos como faríamos nós naquela situação. Aí prefiro ouvir a concorrência para ver o que andam a fazer. (risos) Mas tento desligar: rádio, telemóveis e redes sociais.