Se, para muitos, a palavra hostel é sinónimo de poupança e destino para os mais jovens de mochila às costas, para a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), a palavra tem outro significado: a delegação de Vila Nova de Gaia da Cruz Vermelha criou um hostel num edifício da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia dedicado ao acolhimento de seniores e dependentes – uma explicação que não bate certo com a descrição feita na plataforma Booking.
Contactada pelo SOL, fonte oficial da CVP revelou que a delegação de Vila Nova da Gaia «providenciou o serviço hostel para acolhimento temporário de seniores e dependentes, de cuidadores informais e famílias com necessidade de descanso, socialização e intercâmbio entre famílias beneficiárias de serviços da Cruz Vermelha e turismo social, de cidadãos nacionais e estrangeiros».
Mas no anúncio do hostel que consta na plataforma Booking não se refere o objetivo ou o tipo de hóspedes que podem ficar lá alojados – aliás, é apresentado como «bom para casais». E a maioria dos comentários não é de pessoas seniores, de dependentes ou de famílias, conforme diz fonte da Cruz Vermelha.
«Com um restaurante, o Hostel Cruz Vermelha está localizado em Vila Nova de Gaia, apenas a uma caminhada de 7 minutos das Caves do Vinho do Porto e da Ponte D. Luís I, que cruza o Rio Douro para a encantadora cidade de Porto», pode ler-se na descrição do site. «Os hóspedes podem visitar os restaurantes à beira do Rio Douro, que servem tapas e iguarias locais tradicionais como a conhecida Francesinha», continua a descrição.
O SOL questionou a Cruz Vermelha sobre o porquê de o hostel – que se destina a seniores e dependentes – aparecer na página Booking e com esta descrição, mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.
Na única resposta enviada, a Cruz Vermelha adiantou ainda que o espaço que acolhe o hostel pertence à autarquia: o espaço «é propriedade da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e foi cedido à Cruz Vermelha Portuguesa para a instalação daquela delegação».
Conflitos ou ilegalidades?
Lora Soares Seita, advogada, explicou ao SOL que a CVP como é uma instituição humanitária não governamental e é considerada como «uma pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública, sem fins lucrativos, estando sujeita ao respetivo Regime Jurídico» e «quer seja pelo regime da utilidade pública, quer seja pela natureza de direito privado, a CVP está autorizada a ter atividades secundárias que lhe permitam ter lucro, devendo este ser utilizado para prossecução dos seus fins estatutários».
De acordo com a advogada, em 2015 foi aprovado o Desenvolvimento Local de Base Comunitária Urbano Gaia – um planeamento estratégico de desenvolvimento local para um determinado território no período de programação dos fundos comunitários de 2014-2020 –, onde a CVP representa o Grupo de Ação Local Urbano de Vila Nova de Gaia. «No âmbito do mesmo, várias entidades, na qual a CVP se inclui, receberam apoios para implementar e comparticipar em projetos de investimento na região de VNGaia», diz, acrescentando que «face à natureza da CVP e ao teor do artigo 12.º do Regime Jurídico das Pessoas de Utilidade Pública, não parece existir conflito ou violação de qualquer legislação».
Objetivo do hostel
Apesar de parecer insólito que uma instituição de ajuda humanitária tenha criado um hostel, a entidade explicou ao SOL que o objetivo deste serviço não é explorar o turismo como os demais hostels, mas sim ser mais um passo para ajudar a população. «O hostel foi criado pela mesma razão porque foram criadas todas as outras valências, para prosseguir a missão assistencial própria da Cruz Vermelha», esclarece a CVP, num claro contrassenso com o que apresenta na descrição do Booking.
Quanto às receitas angariadas com o aluguer dos quartos, a Cruz Vermelha refere que estas servem para pagar «as despesas de funcionamento» do hostel. A mesma fonte adianta ainda que estas receitas são enquadradas «na contabilidade da delegação de Vila Nova de Gaia conjuntamente com as receitas de outros serviços de emergência social».