Um país de costumes demasiado brandos

Algemaram o rapaz e trataram-no sem mesuras? É o preço a pagar pela irreverência de um protesto que, mesmo que pacífico, exige resposta imediata e sem contemplações. Neste caso a resposta só pecou, e gravemente, pela demora na intervenção (inadmissível).

Num mundo marcado pelo terrorismo global, pela radicalização e pelo extremismo fundamentalista, impiedoso, sem escrúpulos de género algum, multiplicam-se as vítimas inocentes de ataques ou atentados que chocam pela violência, pela gratuitidade, pela desumanidade, pela… facilidade.

As imagens do terrorista suicida a entrar calmamente na Igreja de Santo António, em Colombo, no Sri Lanka, com uma pesada mochila às costas, impressionam.

Como é possível? Como foi possível?

Foi.

Os atentados do Sri Lanka somaram centenas de mortos e mais de meio milhar  de feridos. Um horror. Sem explicação.

No dia imediatamente seguinte ao dos atentados na ilha da Taprobana de Camões, em Portugal um grupo de 12 ambientalistas em protesto contra o futuro aeroporto do Montijo conseguiu interromper o jantar comemorativo do aniversário do PS, em que se encontrava um ex-Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro em exercício e secretário-geral do partido.

Um dos ativistas ousou mesmo subir ao púlpito e permanecer ao lado do primeiro-ministro enquanto este já discursava e, por duas vezes, tirar-lhe um dos dois microfones do púlpito, tentando falar por cima do líder socialista.

Desculpe, com licença… posso?». António Costa, encarando-o, ali mesmo lado a lado, ainda lhe pediu ‘desculpa’ e ‘licença’ para continuar.

O ativista é que, mesmo assim, lá continuou, mais uma vez tirando o microfone ao líder socialista e chefe do Governo português.

A um ou dois metros, no máximo, outro parceiro segurava num cartaz de significativas dimensões (como foi possível terem deixado entrar aquele material todo naquela sala???) enquanto outros, misturados com a restante plateia, lançavam aviõezinhos de papel.

Só à segunda e depois do manifestante dizer ao microfone tirado pela segunda vez ao primeiro-ministro «Lamentamos incomodar a vossa festa» é que os elementos da segurança do Estado (do corpo de segurança pessoal da PSP) intervieram e afastaram os intrusos do palco.

Um ‘incidente’, relataram os meios de comunicação social. 

Pois sim… a segurança do Estado não pode permitir ‘incidentes’ destes!

A segurança do Estado não pode permitir que seja quem for possa abeirar-se e chegar ao contacto físico com o primeiro-ministro como o fez aquele jovem. 

Simplesmente, não pode!

Algemaram o rapaz e trataram-no sem mesuras? É o preço a pagar pela irreverência de um protesto que, mesmo que pacífico, exige resposta imediata e sem contemplações. Neste caso a resposta só pecou, e gravemente, pela demora na intervenção (inadmissível).

Não interessa se se trata de uma iniciativa partidária ou até mesmo privada. O primeiro-ministro não deixa de ser primeiro-ministro e mandam as mais elementares regras de segurança que esteja acompanhado pela segurança do Estado.

É claro que um primeiro-ministro pode andar de autocarro e de metropolitano e ir à Loja do Cidadão quando bem entender. Mas sempre articulado e sob a vigilância do corpo de segurança pessoal da PSP.

Tal como o Presidente da República, mesmo quando decide ir de férias para praias fluviais do interior ou quando resolve visitar sozinho um bairro em que nas vésperas tenham existido confrontos entre residentes e agentes policiais, não pode pôr em causa o trabalho da segurança do Estado.

O Presidente da República ou o primeiro-ministro podem quebrar o protocolo. Mas a segurança do Estado não pode ser posta em causa. 

Muito menos pelos próprios.

É muito bonito dizer-se que Portugal é um país de brandos costumes, em que até o Presidente da República, o primeiro-ministro ou o ministro das Finanças andam à vontade e como simples cidadãos por onde quer que seja.

Mas, nos dias que correm, não se trata de cuidar apenas da segurança pessoal do Presidente, do primeiro-ministro ou de qualquer outra personalidade. 

Trata-se, sim, de uma questão de Estado. E da segurança de todos.

A imagem de à vontade pode muito facilmente passar a ‘à vontadinha’ e o resultado pode ser uma vulnerabilidade com um preço inimaginável. 

Se chegar o dia… Depois, chorar quando a desgraça já aconteceu vale de quê?