O hostel da delegação de Vila Nova de Gaia da Cruz Vermelha – que foi criado em 2014 num edifício cedido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia para dar respostas sociais – cobra taxas turísticas e funciona como uma unidade turística normal. A informação foi confirmada ao SOL pela autarquia, que assume não ter sido para esse efeito que cedeu o edifício.
Contactada pelo SOL, fonte oficial da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia referiu que no final do ano passado, a Cruz Vermelha cobrou taxa turística: «Foram declaradas as taxas turísticas de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019, num total de 2014 euros».
Esta informação contraria o que a própria Cruz Vermelha disse ao SOL na última semana. Numa resposta enviada revelava que o objetivo do hostel não era explorar o turismo mas sim «prosseguir a missão assistencial […] da Cruz Vermelha».
Cedência do espaço
A autarquia explica que numa reunião ordinária, datada de 4 de setembro de 2003, a câmara «aprovou, por unanimidade, um Protocolo de Colaboração entre o Município e a Cruz Vermelha Portuguesa – Delegação do Porto (CVP-DP)». «Nos termos do referido protocolo, a Câmara Municipal comprometia-se a ceder à» delegação da Cruz Vermelha do Porto, «a título gratuito pelo prazo de 36 meses, a cave, r/c, 1º e 2º andares de um imóvel municipal, sito na Rua General Torres».
A mesma fonte revela ainda que o espaço foi cedido para que a entidade pudesse dar continuidade às atividades do Projeto ‘Le Cheille’ – que visa a integração económica e social dos grupos mais desfavorecidos da população local –, realizar novos projetos «tendo em vista a melhoria da qualidade de vida das pessoas mais desfavorecidas do concelho de Vila Nova da Gaia» e ainda a «criação de um centro de acolhimento temporário, no âmbito do Projeto Requalificar Integrando».
No entanto, em 2011, o regime em que tinha sido cedido o edifício foi alterado, uma vez que «o quadro legal em que se encontravam cedidas das instalações» – por períodos de três anos –, «provocou alguns constrangimentos à entidade, designadamente no âmbito da apresentação de candidaturas a fundos nacionais e europeus que exigiam regime de cedência por períodos superiores». Por essa razão, numa reunião extraordinária realizada em maio de 2011, foi novamente decidido, por unanimidade, anular o protocolo acordado anteriormente e foi aprovada a cedência «em regime de direito de superfície, por um período de 25 anos, das referidas instalações municipais».
Fonte da autarquia adianta ainda que a decisão tomada em 2011 teve por base «as respostas sociais a desenvolver pela CVP-DP nas referidas instalações». Entre as quais, enumera a autarquia, o centro de dia para 56 idosos, o serviço de apoio domiciliário a 82 utentes, o «Gabinete de Inserção Profissional (GIP), em articulação com o IEFP», o centro novas oportunidades, duas empresas de inserção nas áreas de lavandaria e de cozinha e um gabinete de atendimento e apoio social.
«Este executivo municipal (que tomou posse a 21 de outubro de 2013) respeita a autonomia das instituições do concelho, incluindo da Cruz Vermelha, não interferindo com o funcionamento das mesmas, desde que continuem a pugnar pelo bem-estar da população», rematou a mesma fonte.
Anúncio no Booking
Na semana passada, fonte da Cruz Vermelha disse ao SOL que o hostel era dedicado ao acolhimento «de seniores e dependentes, de cuidadores informais e famílias com necessidade de descanso, socialização e intercâmbio entre famílias beneficiárias de serviços da Cruz Vermelha e turismo social, de cidadãos nacionais e estrangeiros». Contudo, esta descrição é diferente da que consta no anúncio feito na plataforma Booking, onde não refere o objetivo ou tipo de hóspedes.
Novamente questionada sobre o porquê de o hostel se encontrar na plataforma Booking, fonte oficial da CVP, numa segunda resposta enviada ao SOL, revelou que além de o hostel ser dedicado a seniores e dependentes, também é destinado ao «turismo social». «A utilização da plataforma de reserva Booking, incorporada também nos serviços de reserva no âmbito de turismo social foi iniciada mais tarde como uma indicação ligada ao SEF, por haver beneficiários estrangeiros», continua a mesma fonte. Além disso, lembram, membros da «família Cruz Vermelha/Crescente Vermelho internacional» também podem pernoitar no hostel.
«A procura no âmbito de turismo social reflete o padrão popular sénior, dependente e situações de vulnerabilidade, incluindo mesmo refugiados», diz, acrescentando que desde que o hostel iniciou o seu funcionamento, «que um dos alojamentos não está disponível para reserva, para assegurar a utilização de emergência que seja colocada durante a noite, um feriado ou ao fim de semana».
CVP pode ter atividades lucrativas
O problema não é ter uma atividade com fins lucrativos, mas não respeitar o que foi acordado com a autarquia aquando da cedência do imóvel. É isso que explicou ao SOL a advogada Lora Soares Seita, referindo: a CVP como é uma instituição humanitária não governamental e é considerada como «uma pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública, sem fins lucrativos, estando sujeita ao respetivo Regime Jurídico» e «quer seja pelo regime da utilidade pública, quer seja pela natureza de direito privado, a CVP está autorizada a ter atividades secundárias que lhe permitam ter lucro, devendo este ser utilizado para prossecução dos seus fins estatutários».
Em 2015 foi aprovado o Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC) Urbano Gaia – um planeamento estratégico de desenvolvimento local para um determinado território no período de programação dos fundos comunitários de 2014-2020 –, onde a CVP representa o Grupo de Ação Local Urbano de Vila Nova de Gaia, esclarece a advogada. Em resposta ao SOL, fonte da Cruz Vermelha esclareceu que o DLBC Urbano Gaia «não contempla a freguesia de Santa Marinha e Afurada, onde está o hostel».
«No âmbito do mesmo, várias entidades, na qual a CVP se inclui, receberam apoios para implementar e comparticipar em projetos de investimento na região de Vila Nova de Gaia», diz, acrescentando que «face à natureza da CVP e ao teor do artigo 12.º do Regime Jurídico das Pessoas de Utilidade Pública, não parece existir conflito ou violação de qualquer legislação», esclarece a advogada.