Advogado de amigo de Sócrates também fazia de tradutor

Ouvido pelo juiz Ivo Rosa, Gonçalo Trindade Ferreira frisou que sempre agiu sob as ordens de Carlos Santos Silva.

A ignorância da língua francesa de Carlos Santos Silva, o homem que o Ministério Público (MP) suspeita ser o testa-de-ferro de José Sócrates, foi a justificação que Gonçalo Trindade Ferreira arranjou para o facto de ter acompanhado o empresário a Paris, quando Sócrates decidiu vender o luxuoso apartamento onde vivera. Este foi um dos argumentos que o advogado de Santos Silva e arguido na Operação Marquês encontrou, ao ser confrontado no debate instrutório pelo juiz Ivo Rosa, para contrapor algumas das teorias da acusação do Ministério Público.

Recorde-se que poucos dias antes das detenções realizadas no âmbito desta investigação, o trio constituído por José Sócrates, Carlos Santos Silva e o seu advogado deslocou-se a Paris com o objetivo de, por um lado, vender o apartamento na avenida Président Wilson, que o MP acredita ser pertença do ex-líder socialista, e por outro o de constituir um fundo imobiliário onde colocaria todos os imóveis que se encontravam em nome de Santos Silva. O projeto de ocultação do património, foi engendrado pelos arguidos ao longo do ano de 2014 quando estes já teriam conhecimento da investigação judicial e pretendiam retirar-se de cena com o intuito de a baralhar.

 Questionado pelo juiz Ivo Rosa sobre o porquê de ter viajado com o seu cliente até à capital francesa, Trindade Ferreira justificou o périplo com o facto de Santos Silva não saber falar francês. Ivo Rosa não ficou convencido com a resposta e quis saber se Trindade Ferreira também tinha estado presente no momento da compra, ao que o advogado respondeu negativamente. Então, como é que Santos Silva teria pulado a fronteira linguística na altura da aquisição do imóvel? Gonçalo Trindade Ferreira baralhou-se e tirou da cartola uma solução: Se calhar fora a agência imobiliária que resolvera as dificuldades. Ivo Rosa, olhou demoradamente para a documentação e exclamou: “Mas a agência como aqui está referido é francesa!”.

Santos Silva era um homem de negócios viajado, alguma outra língua ele haveria de falar. Aí o causídico meteu os pés entre as mãos: “Deve ter sido alguém da imobiliária quem traduziu as conversas.”

O e-mail que tramou Trindade Ferreira

Outro ponto que mereceu a atenção do juiz foi a discrepância nas datas do contrato de arrendamento na casa de Paris. Como o SOL noticiou na altura, o MP suspeita que José Sócrates e Carlos Santos Silva, após terem conhecimento da investigação, celebraram um contrato de arrendamento fictício, com data falsificada, para dar convicção à tese de que seria Santos Silva o verdadeiro proprietário do imóvel. A ideia surgiu depois de o Correio da Manhã, antes da detenção, ter publicado uma notícia sobre os negócios imobiliários da mãe do antigo primeiro-ministro com o seu amigo.

 A Gonçalo Trindade Ferreira coube a tarefa de, em janeiro de 2014, forjar um documento, com a ajuda de um escritório parisiense de advogados peritos em direito fiscal, Gozlan & Parlanti Associés – o escritório francês terá dado a garantia ao advogado de Santos Silva de que o contrato de arrendamento seria feito com caráter retroativo. E assim foi. O documento que acabaria por ser  apanhado nas buscas realizadas no âmbito da investigação tinha início a 1 de janeiro de 2013 e fim a 30 de junho desse ano.

Mas um e-mail de Trindade Ferreira para Frank Gozlan, em fevereiro de 2014, acabou por desmascarar o estratagema: “Bom dia caro colega, infelizmente não tive a oportunidade de passar no seu escritório. Envio em anexo os documentos para o contrato de arrendamento. Falta apenas o nome do inquilino. O arrendamento terá início no dia 1 de janeiro de 2013 e o seu termo em 31 de julho de 2013, apartamento mobilado”.

Confrontado por Ivo Rosa com esta discrepância, o advogado disse que se limitou a cumprir ordens de Carlos Santos Silva.

Houve outra questão que o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal não quis deixar passar: durante as buscas domiciliárias, em 2015, os investigadores descobriram 200 mil euros guardados num cofre em casa de Gonçalo Trindade Ferreira. A quem pertencia aquele dinheiro? 

O advogado garantiu que a maquia pertencia a Carlos Santos Silva. Ora não se entrega tanto capital nas mãos de outrem sem uma garantia, pensou alto o magistrado. O que Gonçalo Trindade tentou contrariar: era com base na confiança. O juiz seguiu a linha da lógica: E se o advogasse morresse? A pergunta caiu num imenso silêncio.
Recorde-se que Gonçalo Trindade Ferreira está acusado de três crimes de branqueamento de capitais e um de falsificação de documento.