A pouca experiência política que tem ganhou-a a desempenhar o papel de Presidente na série televisiva Ao serviço do Povo, que também produziu – mas, agora, é Presidente da Ucrânia na vida real. Chama-se Volodymyr Zelenskiy, tem 41 anos e venceu a segunda volta das presidenciais ucranianas por uma margem esmagadora – 73% – contra o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, no domingo passado. É o primeiro comediante e ator a chegar à Presidência ucraniana, mas também o primeiro judeu num país onde o antissemitismo não tem parado de aumentar, a par e passo com a extrema-direita. Poucos sabem o que esperar da sua presidência, pois ao longo da campanha nunca apresentou qualquer programa político. Promete combater a corrupção, acabar com a burocracia do Estado e recuperar a economia nacional, mas não dá pistas sobre como o pretende fazer.
Zelenskyi começou a sua carreira de comediante com 17 anos ao entrar para uma equipa de competição de stand-up chamada KVN. Teve tanto sucesso que chegou a ganhar a competição da Liga de Comédia KVN em 1997 e, a partir daí, o seu caminho estava definitivamente traçado no ramo, ainda que se tenha licenciado em Direito. Nesse mesmo ano, criou uma equipa de comediantes, a Kvartal 95, transformando-a depois numa empresa de produção – a produtora estaria mais tarde na génese de um partido político por si liderado. Em colaboração com o canal de televisão Inter, Zelenskiy produziu e participou em vários projetos, entre os quais Biytsivksy Klub (Clube de Combate), Ukrayino, vstavai (Levanta-te, Ucrânia), Rozsmishy komika (Faz a vontade ao comediante), Kyiv Vechirny (Kiev à noite) and Liga smikhu (Liga do riso). Mas foi com a série televisiva Servir o Povo – que estreou em 2015 e se manteve no ar até 2019 –, que o ator, produtor e comediante deu o grande salto em frente, entrando na casa de todos os ucranianos. Zelenskiy desempenhou o papel de professor que denuncia a corrupção e que rapidamente chega ao topo ao ser eleito presidente. É adorado pelo povo, desafia o poder das elites políticas e vira o país do avesso. «Por que é que todas as pessoas honestas são idiotas e os esperto são ladrões?», grita num dos episódios o professor representado por Zelenskyi, Vasyl Holoborodko, a um colega. «Que pessoas somos se continuamos a votar nestes filhos da p*** mentirosos sabendo que são mafiosos?», volta a questionar Holoborodko. Foi o início da carreira política da personagem, mas, para muitos ucranianos, também a de Zelenskyi. Entretanto, Zelenskyi casou-se com Ole Kiyashko, uma colega de infância, e teve dois filhos, Oleksandra e Kyrylo.
Nos quatro anos em que a série foi vista por milhões de ucranianos, o ator e comediante propagou a sua mensagem e criou uma imagem política própria num país marcado pela corrupção endémica, crise económica e pela guerra no leste contra os separatistas pró-russos, que já fez mais de 13 mil mortos e milhares de deslocados. Cinco anos depois da revolução pró-Ocidental e de uma guerra que não dá sinais de terminar, o povo ucraniano está profundamente desiludido com o sistema político e, em vez de ir para as ruas, como em 2014, decidiu tentar a mudança pelas urnas, votando num comediante que se apresenta como sendo alguém fora do sistema político. Zelenskyi sabia que podia capitalizar o descontentamento e a desilusão e, logo a 1 de janeiro deste ano, anunciou a sua candidatura presidencial, surpreendendo tudo e todos. Foi o principal tema dessa semana e o discurso de Ano Novo de Poroshenko ficou em segundo plano – pequeno sinal de que Zelenskyi podia, afinal de contas, derrotar o chefe de Estado nas presidenciais. Mas para avançar na disputa eleitoral o ator precisava de um partido político e assim nasceu o Ao serviço do Povo, criado por funcionários da sua empresa de produção.
O ator começou quase de imediato a liderar as intenções de voto, mas muitos pensavam que o resultado final não seria esse. Enganaram-se. A primeira volta chegou e Zelenskyi ficou em primeiro lugar com 30,24%, com Poroshenko a ficar em segundo lugar, com 15,95%. Já a antiga chefe de Estado Iulia Timoshenko obteve 14% dos votos. As sondagens estavam, afinal de contas, certas. Os dois primeiros passaram à segunda volta e Zelenskyi não tinha mais obstáculos de maior para chegar à Presidência.
A sua campanha desafiou as convenções da política ucraniana – antes de um debate na segunda volta, por exemplo, pediu a Poroshenko que fizesse um teste de drogas –, os seus comícios eram espetáculos autênticos e nas redes sociais não foram poucos os vídeos que mostravam uma abordagem completamente diferente da dos políticos tradicionais. Ao invés do debate com o seu opositor ser num estúdio de televisão, Zelenskiy fez questão que fosse num estádio de futebol, com a plateia a ficar na relva. Mas a campanha inovadora não foi a principal razão para sair vencedor.
«Ninguém votou em Zelenskiy, mas contra Poroshenko. Se outra pessoa tivesse chegado à segunda volta, as pessoas teriam votado nela», garantiu Oleksiy Kondrashov, funcionário público, à Reuters. Agora, o presidente eleito, que deverá tomar posse no próximo mês, terá de fazer escolhas difíceis sobre a guerra no leste do país, relações diplomáticas com a Rússia e União Europeia. Por exemplo, Zelenskiy já deu sinais de que poderá tentar normalizar as relações com a Rússia. No passado recente, apoiou artistas russos contra o governo de Poroshenko quando os primeiros foram proibidos de atuar na Ucrânia. Mas, por outro lado, a sua empresa de produção doou um milhão de dólares ao exército ucraniano para combater os separatistas pró-russos.