A Comissão Eleitoral da Turquia decidiu anular o resultado das eleições para presidente da Câmara de Istambul, ocorridas a 31 de março, ganhas por uma pequena margem pelo candidato da oposição, Ekrem Imamoglu, do Partido Republicano do Povo (CHP). O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, líder do partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) acusou a oposição de supostas irregularidades, após perder o controlo sobre a maior cidade da Turquia pela primeira vez desde que subiu ao poder, há mais de 18 anos.
A vice-presidente do CHP, Onursal Adigüzel, acusou o Governo de influenciar a decisão da Comissão Eleitoral – supostamente independente – considerando “ditatorial” a tentativa de “fugir à vontade popular e às leis”. “Parece que é ilegal ganhar ao AKP”, escreveu a opositora no Twitter, acrescentando que “a cada dia inventam desculpas novas”. Adigüzel notou que entre os quatro níveis de poder local que foram a votos a 31 de março, a única eleição anulada foi a única em que o partido do governante foi derrotado.
Já Erdogan vê como muito bem-vinda a decisão da Comissão Eleitoral, falando em “crime organizado” e “corrupção muito séria” durante o voto. O AKP queixou-se da suposta presença de pessoas sem autorização oficial nas mesas de voto – mas vários analistas notam que não foi feito nenhum protesto em áreas onde o Governo ganhou. O Presidente turco afirma que “ladrões” roubaram “a vontade nacional” nas urnas, levando à derrota do seu partido.
Erdogan certamente levou a peito a perda de Istambul, onde ele próprio foi presidente de Câmara e onde começou a sua ascensão ao poder. “Quem ganha Istambul ganha a Turquia”, afirmou várias vezes o Presidente turco. Contudo, a nova hipótese para o seu partido recuperar a maior cidade turca pode ter elevados custos políticos. O correspondente da BBC relata que durante toda a noite, após o anúncio da decisão de repetir eleições, Istambul foi inundada pelos sons da revolta – o constante bater de tachos e panelas. Vários vídeos partilhados nas redes sociais mostram o mesmo cenário por toda a cidade.
O descontentamento com a repetição de eleições junta-se à inquietação que já fervilhava na cidade, devido à quebra do crescimento económico, num país com uma inflação de cerca de 20%. Esse descontentamento teve com certeza um papel na eleição de Imamoglu – cujas primeiras medidas incluíam a diminuição do custo da água e dos transportes públicos. Apesar de vários apelos ao boicote às novas eleições, marcadas para 23 de junho, o CHP já anunciou que vai concorrer. Os republicanos contam com o apoio do Partido Democrático dos Povos (HDP), um partido pró-curdo que segue a tática de unir a oposição onde não consegue ganhar. Imamoglu assegurou: “Vamos recuperar os nossos direitos com um sorriso na cara”.
O próprio AKP está dividido quanto à convocatória para novas eleições. “O ponto a que chegámos é verdadeiramente triste”, comentou o antecessor de Erdogan na liderança, Abdullah Gul, em declarações à OdaTV. Vários jornais avançam que Gul prepara-se para sair do AKP e formar um novo partido, com outras figuras como o ex-ministro das Finanças Ali Babacan, e o antigo primeiro-ministro Ahmet Davutoglu.
Mas Istambul não foi o único sítio onde opositores viram a Comissão Eleitoral retirar-lhes a vitória. Quatro candidatos do HDP foram impedidos de tomar posse em cidades do leste do país, por estarem entre os milhares de funcionários públicos despedidos por um decreto presidencial, durante o estado de emergência após a tentativa de golpe de Estado de 2016.