O acordo nuclear com o Irão está em risco. Sob pressão das sanções norte-americanas, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, anunciou numa declaração ao povo iraniano que o país vai abandonar parcialmente o acordo nuclear de 2015, assinado com a Alemanha, Rússia, China, França, Reino Unido e Estados Unidos – este último abandonou-o unilateralmente há um ano.
O Irão vai deixar de exportar urânio enriquecido, como estipulado no acordo, e voltar a produzir urânio enriquecido de alta qualidade dentro de 60 dias. Isto caso os restantes países signatários não avancem com promessas ou propostas que melhorem o acordo e protejam os setor petrolífero e bancário iranianos das sanções de Washington.
“Sentimos que o acordo nuclear precisa de uma cirurgia e os analgésicos do último ano foram ineficazes. Estas cirurgia é para salvar o acordo, não para o destruir”, disse Rouhani no discurso transmitido pela televisão estatal iraniana, referindo que a situação é bastante sensível. “Não vamos começar a violar os compromissos e a travar qualquer guerra”, garantiu o chefe de Estado, sublinhando que o país “não cederá ao bullying”.
Pouco antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Mohammad Javad Zarif, comunicou as intenções de Teerão aos embaixadores dos Estados signatários do acordo, enviando ainda uma carta com todos os detalhes técnicos e legais que lho permitem fazer à chefe da diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini. Segundo os inspetores das Nações Unidas, o Irão tem respeitado todos os compromissos presentes no acordo.
“Depois de anos de paciência, o Irão pára com as medidas que os Estados Unidos tornaram impossíveis de continuar”, escreveu Zarif no Twitter pouco depois de se encontrar com o seu homólogo russo, Sergei Lavrov, em Moscovo, referindo que as potências mundiais têm uma “estreita janela de oportunidade para reverter” a situação.
Zarif referia-se às sanções norte-americanas, mas principalmente às mais recentes. No final de abril, Washington anunciou que não permitiria exceções à exportação dos excedentes de urânio enriquecido, impedindo Teerão de respeitar o acordo – este prevê um limite de 3,67% de produção de urânio enriquecido, de 300 kg de urânio enriquecido de baixa qualidade e de 300 toneladas de água pesada, usada nos reatores nucleares. China, Índia, Turquia, Japão e Coreia do Sul eram alguns dos Estados que compravam os excedentes iranianos.
Com estas sanções, a produção de energia por reatores nucleares tornar-se-ia impossível sem a violação do acordo, vendo-se Teerão obrigado a escolher entre uma ou outra opção. De qualquer das formas, ficaria a perder e Washington seria a grande beneficiada, podendo argumentar que sempre teve razão sobre a postura iraniana.
Ao abandonar o acordo e avançar com sanções contra Teerão, os Estados Unidos ficaram ainda mais isolados na política internacional. Aos poucos, foram endurecendo as sanções, esperando que Teerão cedesse e abandonasse o acordo. Não aconteceu e Washington renovou as suas tentativas de isolar e pressionar o regime iraniano, inclusive com o destacamento de um porta-aviões e bombardeiros para o Golfo Pérsico no início desta semana, o que foi encarado pelo regime xiita como “guerra psicológica”. A tensão entre Washington e Teerão não tem parado de subir, com ameaças bélicas de ambas as partes de tempos a tempos.
As reações ao anúncio de Rohani não se fizeram esperar. “Os diplomatas russos vão certamente continuar a debater este assunto, incluindo com os parceiros europeus, para se alcançar sustentabilidade a longo prazo”, reagiu o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Jeremy Hunt, considerou a decisão “indesejável” e garantiu aos deputados britânicos que o Governo “está a analisar os detalhas e em contacto próximo com as outras partes do acordo”. Posição mais categórica foi a da ministra da Defesa francesa, Florence Parly: “Hoje, nada seria pior que o Irão, por si próprio, abandonar este acordo”, referindo que a Europa “continua a querer ser capaz de manter este acordo vivo”.
Numa postura alinhada há muito com a dos Estados Unidos, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, garantiu que Israel “não permitirá ao Irão adquirir armas nucleares”.