Os Estados Unidos estão decididos a encurralar o Irão, isolando-o na política internacional com a sua campanha de «pressão máxima» de sanções e ameaças. Para, porventura, avançar com uma mudança de regime, há muito defendida e desejada pelo conselheiro de segurança nacional John Bolton, um dos principais ‘falcões’ da administração Trump.
Numa resposta ponderada às novas sanções e ao envio de porta-aviões e bombardeiros norte-americanos para o Golfo Pérsico, Teerão respondeu com a saída parcial do acordo nuclear de 2015, assinado com a Alemanha, Rússia, China, França, Reino Unido e EUA – este último abandonou-o unilateralmente há um ano. O regime xiita diz não o querer abandonar no futuro, mas renegociá-lo para se proteger das sanções e receber os benefícios que o acordo inicialmente lhe dava.
O Irão vai deixar de exportar urânio enriquecido e começar a produzir urânio enriquecido de alta qualidade num prazo de 60 dias – se nada for feito neste prazo, Teerão tem mais cinco dias, segundo as cláusulas do acordo, para tomar a decisão de avançar ou não com as ameaças. Isto se os parceiros europeus não se chegarem à frente para salvar o acordo, renegociando-o.
A União Europeia já reagiu, dizendo que «rejeita quaisquer ultimatos», mas que está empenhada no acordo multilateral. «Vamos avaliar a conformidade do Irão com base no seu desempenho em relação aos compromissos relacionados com o nuclear sob o JCPOA [o acordo nuclear] e o TNP [Tratado de Não Proliferação]», continuou o comunicado do projeto europeu. Ou seja, Bruxelas aguardará pelas posições dos inspetores nucleares para abordar o assunto – a agência nuclear das Nações Unidas, a AIEA, garantiu consecutivamente que o Irão está a respeitar o acordado.
O acordo e a Europa
À primeira vista, a posição dos europeus é de moderação, apoiando publicamente o acordo mas sem ir contra o seu parceiro transatlântico. Os iranianos depositaram esperanças na Europa, mas esta não tem cumprido verdadeiramente o seu papel, critica Mohammad Marandi, professor na Universidade de Teerão e um dos negociadores iranianos responsáveis pelo acordo. «Os europeus traíram os iranianos por terem assinado o acordo nuclear e dado apoio verbal, mas na realidade têm alinhado com os ditames do Presidente dos EUA», criticou Marandi em declarações à Al-Jazeera.
Por sua vez, Trita Parsi, autora do livro Losing an Enemy: Obama, Iran and the Triumph of Diplomacy, considerou ao mesmo canal que «a Europa parece ter calculado que o Irão não teria outra escolha que não manter-se no acordo apesar de não receber nenhum dos seus benefícios. Se a Europa tivesse agido mais cedo, mais rápido e com maior honestidade, este dia [de saída parcial] poderia ter sido evitado».
Um dia que não fecha a porta a uma alternativa ao crescente cerco a Teerão, pelo menos da parte deste. «Não vamos começar a violar os compromissos e a travar qualquer guerra», garantiu o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, ao revelar a decisão de saída parcial, num discurso à nação iraniana. «Sentimos que o acordo nuclear precisa de uma cirurgia e os analgésicos do último ano foram ineficazes. Esta cirurgia é para salvar o acordo, não para o destruir», explicou Rohani.
O chefe de Estado tem-se visto obrigado a gerir um frágil equilíbrio entre a ala dura, que quer sair do acordo e até do Tratado de Não Proliferação Nuclear, e a moderada, que deseja continuar a negociar. Rohani conseguiu até agora convencer o aiatola Khomenei dos benefícios de se manter o diálogo. Mas com as sanções norte-americanas está a perder terreno na disputa interna e o acordo pode estar mesmo por um fio. A cada ação hostil dos EUA, os argumentos da ala dura ganham força.
Um desfecho que o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano e elemento da ala moderada, Mohammad Javad Zarif, não tem dúvidas de ser propositado da parte de Washington. Em troca de abdicar do programa nuclear militar, Teerão aceitou produzir um máximo de urânio enriquecido (3,67%) e até 300 kg de urânio enriquecido de baixa qualidade, não esquecendo o limite de 300 toneladas de água pesada, usada nos reatores. Em troca das exportações, recebe divisas que aliviam a pressão sobre a sua economia. Mas as sanções dos EUA ao fim das exceções de compra das exportações por alguns Estados, entre os quais China, Índia e Turquia, ameaçando-os com sanções, e ao setor bancário impedem o Irão de cumprir o acordo nuclear.
Parte da energia elétrica consumida pelos iranianos é produzida por centrais nucleares civis. Para respeitar o acordo, Teerão teria de abdicar de a produzir, mas isso prejudicaria gravemente a economia nacional. Se escolhesse continuar a produzi-la, ultrapassaria os limites impostos por não poder exportar os excedentes, violando o acordo, o que daria argumentos aos EUA. Encurralado, decidiu abandoná-lo parcialmente para o tentar renegociar.
Provocações dos EUA
«O anúncio do Irão em recuar nos seus compromissos não é surpreendente. O que é surpreendente é o Irão ter demorado tanto tempo a anunciá-lo», escreveu Dina Esfandiary, investigadora da Century Foundation, sediada em Washington, numa análise no Washington Post. «A campanha de ‘máxima pressão’ da administração Trump nega – e continua a negar – ao Irão quaisquer benefícios do acordo», concluiu a investigadora.
Opinião partilhada por Jarrett Blanc, analista do Carnegie Endowment for International Peace: «São atos deliberadamente provocativos» e têm como objetivo «desestabilizar a classe média iraniana». «A administração Trump e seus elementos já deixaram bem claro que querem provocar o Irão a violar o acordo nuclear, criando uma crise», explicou o analista norte-americano em declarações à CNBC. Uma crise que pode escalar para enormes proporções.
Ao contrário do que dizem, os EUA veem o Irão não como uma ameaça nuclear, mas como regional. A crescente influência iraniana na região é a principal preocupação de Washington – na Síria, no Líbano, no Iémen, no Iraque, na Palestina.
Como mecanismo de pressão, as sanções já mostraram várias vezes não resultarem. Prejudicam os mais vulneráveis nesses países e muito pouco as elites. Mas também podem fazer ricochete a quem as impõe: por exemplo, a grande maioria dos iranianos, segundo uma sondagem de dezembro, referida pela Al-Jazeera, apoia o acordo nuclear e as ações dos EUA estão a grangear apoio popular ao regime iraniano. Teerão esteve numa posição complicada entre 2011 e 2015, quando a economia enfrentou grandes dificuldades, mas com o acordo a situação melhorou.