Mário Coelho. “Se quisessem aprender sabiam que o touro deve morrer na arena”

Nasceu pobre em Vila Franca de Xira mas teve o mundo a seus pés. Fez-se bandarilheiro famoso, também andou nas lides de matador e conheceu e conviveu com personagens como Orson Welles, Picasso, Hemingway, Ava Gardner ou Audrey Hepburn. Mário Coelho explica porque defende os toiros de morte.

Nasceu em Vila Franca…

Sim, nasci a 25 de março de 1936, numa época terrivelmente difícil. Todos os jovens aqui de Vila Franca queriam ser toureiros e eu não fugi a isso. Há uma palavra espanhola muito gira para definir esse fascínio: ‘fui inyectado con veneno’. Mas naquela altura todos os filhos tinham que trabalhar, ajudar a casa e eu era de uma família simples. Fui convidado duas ou três vezes para escolas de toureiros que havia em Lisboa e não podia ir porque tinha que chegar ao fim de semana e entregar o dinheiro de ajudante de canalizador na Câmara, onde comecei a trabalhar aos nove anos. A partir dos 15 anos fui chefe dos canalizadores, mas aos 17, 18 tornei-me toureiro profissional.

Um dos episódios que o marcou foi quando ia a uma corrida com o seu pai e alguém lhe ofereceu dinheiro pelos bilhetes.

Emociono-me quando falo nesse pormenor. O meu pai era campino e para fugir à vida dura de campino, empregou-se na Câmara, onde era muito popular. E havia um homem que, em todas as corridas, a troco de favores que o meu pai fazia – de montar ou desbastar o cavalo dele ou dar-lhe conselhos, porque era um homem com grande conhecimento de cavalos e touros – lhe dava um bilhete para todas as corridas. Havia muito movimento nessa altura na feira – lembro-me do  cheiro do polvo seco assado nas ruas -, com aquelas mulherzinhas que vinham de Lisboa, as bandas de música, aquilo era uma excitação fantástica numa criança. A praça estava esgotada já há dois dias, e quando viram o meu pai com o bilhete na mão ofereceram-lhe diversas importâncias. Até que chegou uma importância que dava para alimentar a minha casa de seis pessoas durante um mês: cento e tal escudos. Mas levava a sua mão direita na minha mão esquerda e houve uma transmissão da minha mão com a dele. Senti que ele pensou: ‘Não, nem por dinheiro nenhum eu não vou a esta corrida e levo o meu filho comigo’. Hoje tenho 83 anos e lembro-me perfeitamente como se fosse ontem. Estou convicto que ele tinha vendido o bilhete se eu não fosse com ele.

E é nesse momento que entende que vai ser toureiro?

Sim. Foi esse e foi diante de um cartaz que eu vi às oito da manhã quando saí para a escola, também com seis, sete anos, em que vi duas figuras de dois toureiros em colorido e babei-me ali à frente do cartaz. Foram esses dois momentos em que levei o tal veneno, no bom sentido, de querer ser toureiro.

Como é que aos 17 anos se torna toureiro profissional?

Entrei em muitos espetáculos públicos como amador. E então começaram a ver que eu tinha condições. Eu fazia tudo. 

Como treinava?

Com os daqui da terra, já mais velhos, homens feitos, que, julgava eu, eram figuras. Eram amadores, mas aprendi muito com eles e eram eles que me levavam ao campo, às chamadas tentas. É preciso tourear as vacas para ver se têm condições para serem mães ou não de touros bravos. Toureamos 100 vacas. Há 30 ou 40% que tem condições de bravura para serem mães dos touros. As outras de menor categoria vão para o talho. E depois temos que selecionar seis, sete ou dez touros sementais, que já foram selecionados pela sua bravura, que são os reprodutores. Tudo isso é sempre feito quase em segredo. São os toureiros, o ganadeiro e mais um ou dois convidados. Sabíamos através de um campino e aparecíamos lá. Andávamos 10, 20, 30, 40 quilómetros a pé para ver a tenta e para que nos dessem uma oportunidade. Tudo aquilo era uma aprendizagem com muito sacrifício, com muita dureza. Nalguns casos éramos mal recebidos.

Levou muita marrada?

Levei muitas voltaretas e, na espera de touros, muito mais. São touros já feitos e toureados, sabem mais que nós. E aí sim, há dureza.

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