Cavalgando a onda do investimento em arte, procedeu à sistemática aquisição de obras que lhe permitiram constituir uma considerável coleção.
Mudou, então, de estatuto. Além de rico passou a ser tido como um expoente da cultura.
Foi o tempo de o desejo conseguido de consideração social o tornar o burguês notável.
Do ponto de vista dele, o que fazer com a coleção? Deixar passar o tempo e valorizá-la, certamente.
Um pequeno problema, o custo dos seguros. Outro, o custo do local de exposição.
Atento, um Governo espreitou a oportunidade.
E, assim, a consideração, o interesse e a ocasião geraram um acordo.
Os portugueses sentiram-se próximos da coleção, o Estado sonhou vir a ser seu dono, o detentor criou um enorme capital de influência.
A tal ponto que, uma guerra nascente pelo controle de bancos deu origem à celebração de um conúbio.
O detentor comprava ações, a governo coordenava as operações, os bancos emprestaram sem limites.
Uma história triste. Tudo acabou mal.
Os bancos destruídos pela crise, as ações sem valor, a dívida acumulada.
Tudo quanto se passou daqui para a frente, custa a entender.
Os sinais de alerta pelo incumprimento não cessaram de acontecer.
Percebeu-se que os bancos tentavam renegociar com completo insucesso e crescente debilidade.
E, todavia, ninguém conseguia perceber porque não executavam a dívida, tão negro parecia o futuro.
Mil milhões terá sido o número mágico para o despertar da modorra.
Do outro lado, o detentor, fazia acordos e celebrava a sua denúncia.
E isto porquê? Porque habilmente o detentor tinha criado uma associação na qual os bancos participavam alegremente. Eram os títulos desta associação que serviam de garantia, não a coleção.
E os bancos ficaram de um momento para o outro a ver navios.
Ninguém reparou.
Foi preciso realizar uma Comissão de Inquérito Parlamentar para que o País se desse conta do acontecido.
Ali, perante as caras de espanto, o detentor explicou as suas astúcias e não deixou grande margem à recuperação dos créditos.
O que resta desta história não é, para mim, um comportamento censurável, uma falta de respeito, uma completa cara de pau. O detentor levou todos à certa.
Revisitando Hergé, outro Oliveira da Figueira se desenhou como típica figura do português. Um o impagável vendedor, outro o inexecutável comprador.
O nosso fado a dois tons.
Mas o que me impressiona é toda esta estranhíssima catadupa de cumplicidades e de ausência de responsabilidade demonstrada.
Com tanta gente ilustre, tantos juristas de eleição, tão distintos administradores da Caixa e dos outros, ninguém foi capaz de surpreender o golpe?
Os bancos foram os últimos a saber?
Peço desculpa. Juro que não é populismo. É a vida.
Sonho com o improvável.
E se a dívida for paga à CGD um modestíssimo reformado residente em nenhures, desconhecedor da arte contemporânea, sobrevivente da miséria envergonhada, poderá ser poupado a pagar mais de dois euros por levantamento com a caderneta?