O que faz António Costa uma marioneta tão essencial na estratégia de Macron?

Macron alega partilhar a mesma visão sobre a Europa que o Primeiro-Ministro português, insinuando que terão um trabalho de cooperação próximo nos tempos que se seguem ao nível da liderança política europeia. Está tudo dito.

1.Começamos o presente artigo agradecendo ao Presidente Emmanuel Macron a confirmação da tese por nós defendida no espaço de opinião que mantemos, às terças-feiras, no “i”: volvidas três horas da publicação no online do melhor jornal diário português da actualidade, o Presidente francês escreveu uma mensagem na sua página de facebook, em português, reforçando a ideia de um “bromance” político que mantém com António Costa.

Macron alega partilhar a mesma visão sobre a Europa que o Primeiro-Ministro português, insinuando que terão um trabalho de cooperação próximo nos tempos que se seguem ao nível da liderança política europeia. Está tudo dito.

O Presidente Macron já disse tudo – e nós limitamo-nos a agradecer penhoradamente o gesto simpático do Presidente francês por ter reagido rapidamente, dando razão aos argumentos que avançámos na terça-feira e à conclusão que aí formulámos.

Solicitamos, assim, ao Sr. Encarregado de Negócios da Embaixada Francesa (o cargo de Embaixador em Lisboa encontra-se vacante, em processo de transição para o primeiro Embaixador nomeado pelo Presidente Macron) que envie a nossa calorosa mensagem de agradecimento em francês, para reciprocar o gesto do Chefe de Estado de escrever na língua de Camões: “ Merci beaucoup pour confirmer le rôle de António Costa en votre plan pour conquérir l´Europe, Monsieur Président Emmanuel Macron!”.

2.Dito isto, cumpre hoje analisarmos a muito provável ida de António Costa para Bruxelas do ponto de vista do Presidente Emmanuel Macron. Quais as razões que justificam esta aproximação estratégica de “my friend Emmanuel” (como lhe apelida o Presidente Donald Trump) ao líder geringonçado socialista (quando lhe apetece) e liberal (quando lhe convém), António Costa? Ora, vejamos.

2.1. Em primeiro lugar, Emmanuel Macron percebe que esta é uma oportunidade histórica para recuperar a liderança francesa na Europa.

Com a Alemanha politicamente (e socialmente? e economicamente?) exangue, confrontando-se com uma verdadeira crise de liderança, com o Reino Unido com um pé fora da Europa e outro não se sabe bem onde – resta a França, que, apesar de todos os seus problemas e complexidades internas, é a mais estável politicamente das potências europeias.

 Em rigor: a França é a menos instável politicamente das potências europeias, até em virtude do seu sistema político-constitucional semipresidencialista. Ora, considerarmos que a França – país onde todos os sábados ocorrem manifestações acérrimas (sejamos eufemísticos…) contra o poder executivo – mostra bem o estado em que se encontra a Europa. Por culpa própria, registe-se. E a demonstração de liderança da Europa traduz-se, antes de mais, na capacidade de decidir a mercearia europeia, ou seja, a distribuição de lugares na estrutura político-administrativa do leviatã de Bruxelas.

2.2. Segundo: Emmanuel Macron – com o intuito de concretizar a mudança histórica de liderança na União Europeia – precisa de alargar o seu espaço vital de influência. Ora, Macron não pode crescer para o centro e leste da europa (onde a direita, por alguns apelidada de populista, é maioritária, com refracções, igualmente, de populismos de esquerda), nem para o norte da Europa, que encara a Alemanha como o aliado preferencial.

Assim, com que países poderá Macron aliar-se preferencialmente? Com os países do sul da Europa, que sofreram os efeitos sociais duríssimos de programas de ajustamento e que são liderados por Governos “sui generis” de esquerda – referimo-nos a Portugal de Costa e à Grécia de Tsipras.

Quanto a Costa, trata-se de um Governo de coligação informal (numa versão muito portuguesa de “Maria – neste caso, António – vai com todos”) com a esquerda radical, que se vendeu facilmente aos luxos burgueses do poder; no que se refere a Tsipras, trata-se de um partido esquerdista radical que se aburguesou, social-democratizando-se.

Ou seja: os dois políticos sulistas encaixam na perfeição na narrativa que Emmanuel Macron quer apregoar para afirmar a sua liderança: a  de que a receita original da Alemanha de Merkel-Schäuble falhou, sendo possível uma outra linha de abordagem com menos ortodoxia financeira e (pseudo) preocupações sociais.

Numa palavra: António Costa e Tsipras são duas personagens que permitem a Macron demonstrar o acerto do “contrato social” que propôs aos líderes europeus no final do ano passado. Não por acaso – como já constatámos no nosso artigo no “i” de terça-feira passada – o PS português optou por fazer um “copy e paste” das ideias de Emmanuel Macron no programa eleitoral que submete aos  cidadãos nacionais na campanha para as europeias em curso.

Por outro lado, a aproximação de Macron a Costa e Tsipras permitirá quebrar a tradicional aliança entre os países da Europa do Sul, trazendo Portugal, a Grécia e a Espanha para a esfera de influência da França de Macron – isolando-se, por conseguinte, a Itália. E por que razão Emmanuel Macron quer isolar a Itália?

A resposta a esta interrogação conduz-nos à terceira razão que justifica a relevância de António Costa como peão do Presidente francês.

2.3. Terceiro: Emmanuel Macron já está antecipando o próximo duelo eleitoral interno que terá em 2022.

É verdade que antes decorrerão eleições locais e regionais, mas as atenções e as estratégias eleitorais já estão direccionadas para as próximas presidenciais. E aí Emmanuel Macron disputará a reeleição, muito provavelmente, contra Marine Le Pen.

Assim, Macron tem que afirmar na Europa um estilo de liderança e de autoridade que não consegue alcançar ao nível da governação interna. Emmanuel Macron está convencido que a linha de fractura cimeira entre si e Marine Le Pen reside na concepção de União Europeia e de qual o papel da França nessa organização europeia.

Emmanuel Macron é, essencialmente, um globalista, que quer o seu país a liderar o processo de globalização na Europa; Marine Le Pen é uma soberanista, que não quer a globalização e as suas estruturas a liderar ou a ordenar o seu país.

Ora, quem é que governa a Itália? Matteo Salvini, precisamente, o principal aliado de Marine Le Pen. Enfraquecer Salvini – por via do enfraquecimento da Itália no contexto da União Europeia – é, pois, enfraquecer Marine Le Pen e as bandeiras políticas cimeiras que esta agita.

2.4. Quarto: ainda em conexão com o ponto anterior, o Presidente Emmanuel Macron teme que as sondagens conhecidas até ao momento sobre o veredicto eleitoral do próximo domingo estejam inflacionadas quanto ao seu possível resultado – e deflacionadas relativamente ao resultado possível de Marine Le Pen e do seu “Rassemblement National”.

 Isto porque o voto em forças políticas mais à direita é frequentemente um voto silencioso, nunca demonstrado, nem demonstrável, atendendo aos constrangimentos sociais que a esquerda vai montando para controlar os vários eleitorados.

Desta forma, Emmanuel Macron está preparando a conversão de uma possível derrota eleitoral no próximo domingo, que seria confrangedora – numa vitória política, que será revitalizadora. Como?

 Fácil – ao perder as eleições, mas ao demonstrar liderança política na Europa face ao cenário de pulverização política, Emmanuel Macron ficará como o Joker que decidirá a estrutura de poder na Europa.

Será o líder: ao construir uma aliança de socialistas, verdes, comunistas, bloquistas e liberais contra os soberanistas, Macron surgirá como o homem que isolou Marine Le Pen na Europa. A História é sempre escrita pelos vencedores: ao vencer na “guerra dos Tronos” europeu, Macron remeterá Marine Le Pen para um lugar residual, irrelevante, tornando a vencedora em França na principal derrotada em Bruxelas.

Como os franceses são tradicionalmente imperialistas – da esquerda à direita -, Emmanuel Macron acredita que tornando-se o novo Napoleão Bonaparte apagará aquela que ele considera ser a versão actual e feminina do Cardeal Richelieu (Marine Le Pen) e a nova Joana d’Arc (Marion Maréchal, a “rising star” da política francesa e a mais notável dos jovens políticos europeus).

2.5. Quinto: se atendermos à perspectiva da afirmação da União Europeia no mundo – ou melhor: da Europa à medida dos interesses franceses no mundo – , António Costa poderá ser uma marioneta fantástica para Emmanuel Macron. Porquê?

Porque Macron ocupou o vazio deixado pela cegueira política de Angela Merkel (quando esta optou por hostilizar o Presidente Donald Trump), sendo hoje o principal interlocutor do Presidente dos EUA em território europeu.

Pois bem, enquanto o Presidente Trump fala directamente com o “my friend Emmanuel”, António Costa será o porta-voz privilegiado de Macron junto do Presidente chinês Xi. Na verdade, nos meios diplomáticos internacionais cresce a ideia de que António Costa, mais do que Primeiro-Ministro de Portugal, é o representante favorito da China na Europa.

Como a política externa de Macron é marcada por um constante jogo de cintura, de luzes e sombras, a escolha de António Costa para lugar cimeiro na estrutura política da Europa servirá para Emmanuel Macron incrementar o papel da França na Rota da Seda, ao mesmo tempo que alerta para a necessidade de reciprocidade.

Não por acaso o Presidente Xi está muito atento ao processo de escolha do próximo Presidente da Comissão Europeia…

2.6. Sexto: o Presidente Emmanuel Macron – para se afirmar na Europa nos termos que atrás explicitámos devidamente – precisa de ir buscar alguém para Presidente da Comissão (e outros lugares de topo da estrutura administrativa europeia) oriundo de uma das famílias políticas com maior peso a nível europeu – historicamente são o PSE (Partido Socialista Europeu, onde está o PS) e o PPE (Partido Popular Europeu, onde se incluem o PPD/PSD e o CDS/PP).

Ora, eleger alguém do PPE está fora de questão para Emmanuel Macron, porque seria ceder à linha alemã dominante na União Europeia na última década. Alianças com o PPE seriam, na prática, ainda alianças com Merkel e sua sucessora.

Acresce que Macron percebeu que o seu crescimento eleitoral, em França, só se poderá dar à custa de uma parte dos Républicanes e do Partido Socialista francês: no entanto, convém não olvidar que Macron é criticado internamente por ser demasiado liberal na economia, pelo facto de a sua faceta de banqueiro prevalecer sobre a de político (vide a contestação popular dos “coletes amarelos”). Assim, ao aliar-se com os progressistas na Europa, Emmanuel Macron quer passar a mensagem ao povo francês de que é um político do “povo”, para quem a justiça social é a prioridade máxima da acção governativa.

Mais: se a golpada na Europa com António Costa correr bem, o Presidente Emmanuel Macron poderá efectuar um verdadeiro “take over” sobre o Partido Socialista francês, remetendo-o para a história e absorvendo, para si e para o seu En Marche!, o espaço político-eleitoral dos socialistas.

3. Tudo isto dito e devidamente concatenado, o que concluir?

Primeiro, Emmanuel Macron encara António Costa como o principal candidato à Comissão Europeia, após a solução Michel Barnier já ter sido descartada por um conjunto de razões.

Segundo, António Costa é um peão essencial na estratégia de domínio da União Europeia pela França de Emmanuel Macron.

Terceiro, “my friend Emmanuel” utilizará a geringonça de António Costa como figura de retórica para dar força à sua narrativa sobre a necessidade de um novo contrato social.

Quarto, Emmanuel Macron está utilizando a União Europeia para reforçar a sua posição política interna – é, portanto, um soberanista escondido e tímido por convicção; e um globalista por conveniência.

Quinto, “my friend Emmanuel” utiliza António Costa como ponte para o relacionamento da França com o Presidente Xi da República Popular da China, ao mesmo que Macron mantém uma relação reforçada com o Presidente Trump.

Tudo para incrementar a relevância internacional da República francesa – ou seja, mais uma vez, é um soberanista fingindo-se de globalista quando lhe convém.

joaolemosesteves@gmail.com