Depois de meses na corda bamba, Theresa May anunciou que a 7 de junho se vai demitir da liderança do Partido Conservador. A primeira-ministra britânica continuará em funções até à escolha um novo líder, prevista para finais de julho. A decisão surge num momento em que se antevia que o plano de saída da União Europeia de May fosse derrotado uma quarta vez no Parlamento, enquanto se aproxima a data limite do Brexit, marcado para 31 de outubro.
Encurralada entre a oposição, os dissidentes do seu próprio partido, a intransigência UE e as fraturas dentro do Governo, May anunciou a sua demissão à porta de Downing Street. «Em 2016 demos ao povo britânico uma escolha. Contra todas as previsões, os britânicos votaram para sair da União Europeia», relembrou a líder do executivo, reafirmando: «Quando se dá às pessoas uma escolha, tem-se o dever de implementar o que decidiram. Fiz o meu melhor para tal». Quanto à ampla rejeição do acordo de saída que negociou com os líderes europeus, a primeira-ministra relembrou: «Fiz tudo o que podia para convencer os deputados a apoiar esse acordo. Infelizmente, não fui capaz de o fazer. Tentei três vezes». Guardar e Fechar Artigo
Se há coisa que não se pode apontar a May é falta de persistência. A chefe do Executivo manteve-se no cargo mesmo após sofrer a maior derrota parlamentar de qualquer Governo britânico na história moderna – com 432 deputados contra o seu acordo e apenas 202 a favor. Já fora noticiada tantas vezes a sua iminente demissão que mal deu para acreditar quando May anunciou que iria dar lugar a um novo primeiro-ministro. «Abandonarei brevemente o cargo que foi a honra da minha vida», afirmou, entre lágrimas e tentando conter a emoção.
O anúncio da demissão ocorreu logo após May se reunir com Graham Brady, o eurocético líder do Comité 1922, uma poderosa organização de deputados conservadores. Descrito pelo The Guardian como «o mais poderoso deputado conservador de que nunca ouviu falar», Brady é defensor de uma saída não acordada do Reino Unido da UE. E já deixou em aberto a possibilidade de se candidatar à liderança conservadora.
A queda de May foi precipitada por um motim dentro do seu próprio Governo, liderado por pesos pesados como Jeremy Hunt, o ministro dos Negócios Estrangeiros, e pelo ministro do Interior, Sajid Javid. O ministro do Interior opôs-se à nova cláusula incluída no acordo, que caso fosse aprovada previa um novo referendo do Brexit – algo visto como uma tentativa de aproximação às exigências do Partido Trabalhista. Já Hunt considerou que a primeira-ministra «foi longe demais» ao gastar capital político em mais uma tentativa de May aprovar o acordo – que considerou falhada à partida. O ministro dos Negócios Estrangeiros não perdeu tempo, colocando-se como candidato à liderança dos conservadores mal a chefe do Executivo anunciou a saída.
Para além de Hunt e Brady, já estão na arena nomes como Boris Johnson, um dos maiores promotores do referendo do Brexit. Assim como o antigo ministro do Brexit, Dominic Raab, ou Andrea Leadsom, que se demitiu de líder da bancada conservadora esta quarta-feira, em protesto contra o acordo de May. Também se fala de uma possível candidatura de Javid, ou do ministro do Ambiente, Michael Gove – visto como um candidato de compromisso entre os apoiantes da primeira-ministra e os eurocéticos, dado ter feito campanha pela saída da UE. Mas o número de concorrentes à liderança dos tories poderá ser muito grande, dado que para se candidatar basta ter o apoio de dois deputados conservadores.
Já o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, reagiu à demissão reforçando o apelo a novas eleições gerais: «[May] finalmente aceitou o que o país sabia há meses: ela não pode governar, nem o seu partido dividido e desintegrado». Há muito que Corbyn defende uma saída que inclua uma união alfandegária com a UE. Algo que evitaria as salvaguardas a uma fronteira física na Irlanda, exigidas pelos líderes europeus – dado tratar-se de uma condição do acordo de paz que pôs fim à guerra civil na Irlanda do Norte.
O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, também já reagiu, afirmando que a próxima fase do Brexit seria «muito perigosa para a Irlanda», temendo que tome as rédeas do processo «outra espécie de Brexiteer». Já o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, disse através de um porta-voz ter acompanhado o anúncio da primeira-ministra «sem qualquer satisfação pessoal», notando que May «é uma mulher de coragem», mas reforçando também a indisponibilidade da UE para voltar a renegociar o acordo de saída do Reino Unido.