Montepio. BEM gera conflito

Atual CEO, Dulce Mota, não concorda com o Banco de Empresas Montepio, projeto lançado por Carlos Tavares. Tomás Correia já foi obrigado a intervir para tentar conciliar as partes. 

A aposta de Carlos Tavares no lançamento do Banco de Empresa Montepio (BEM) está a causar uma guerra interna na instituição financeira. O SOL sabe que a CEO do Montepio, Dulce Mota, não está confortável com este projeto e tem partilhado o seu descontentamento tanto internamente como externamente. Lançado no dia 3 de maio, o BEM tem como objetivo ficar com as mais importantes empresas clientes do banco, o que, no entender de Dulce Mota, estará a esvaziar a carteira de clientes do Montepio e a deixar a instituição financeira em maus lençóis.

Ao que o SOL apurou, este conflito chegou ao ponto de Carlos Tavares adiar a proposta de confirmação de Dulce Mota como CEO – o seu nome foi apresentado como uma solução interna e temporária para resolver o problema de acumulação de cargos, uma vez que o ex-presidente da CMVM passou para charmain do banco, acumulando com as funções de presidente do Banco de Empresas. Recorde-se que a ideia de Carlos Tavares acumular os dois cargos surgiu depois de o Banco de Portugal ter recusado o nome de Nuno Mota Pinto para o lugar de CEO, mantendo-o, no entanto, na lista de órgãos sociais, onde desempenha a função de administrador executivo. O supervisor justificou a recusa com a falta de experiência na administração de bancos de retalho. Nuno Mota Pinto foi administrador do Banco Mundial.

Este mal-estar já levou o presidente da Associação Mutualista a intervir e nos últimos dias tem estado a assumir a função de conciliador das duas partes. O SOL sabe que Tomás Correia mantém a confiança em Carlos Tavares, mas também não quer perder Dulce Mota na liderança da instituição financeira.

Na altura do lançamento, o BEM foi apresentado com a ideia de quer iria «ajudar a resolver problemas há muito identificados no nosso tecido empresarial, como os constrangimentos à capitalização e ao acesso a fontes de financiamento alternativas por parte das empresas». O objetivo seria «suprir falhas do mercado» e responder às necessidades de crescimento do tecido empresarial português, num universo potencial de mais de cinco mil empresas.

O BEM contará com dez espaços empresa – situados em Aveiro, Braga, Leiria, Lisboa e Grande Lisboa, Porto e Grande Porto, Faro e Viseu – e trabalha apenas com quem tenha uma faturação superior a 20 milhões de euros.

O banco de empresas contará com 10 administradores – sete não executivos, incluindo o presidente, e três executivos. Tal como o SOL avançou em fevereiro, Joana Carvalho foi escolhida para a administração, mas até à data o seu nome ainda não foi registado no Banco de Portugal. Uma situação que tem causado alguma tensão porque até aqui não foi feito qualquer convite interno. 

O SOL sabe que a ambição de Carlos Tavares é abrir o capital do BEM a investidores externos. Atualmente o capital do banco de empresas é de 180 milhões de euros, mas poderá vir a ter de reforçar capital e a Associação Mutualista poderá não ter capacidade de injetar dinheiro. Aliás, essa hipótese de abrir capital a outros investidores chegou a ser referida por Carlos Tavares num encontro de quadros realizado em novembro, em Ílhavo.

Também a Comissão de Trabalhadores já se pronunciou sobre o novo banco de empresas, garantindo que tem acompanhado os colaboradores que pretenderem esclarecer uma possível alteração de funções com vista à sua integração no BEM. «Este acompanhamento foi também efetuado ao nível de elaboração de pareceres sobre os contratos de cedência e pluralidade de empregadores, tendo sido sugeridas pela Comissão de Trabalhadores alterações, algumas delas plasmadas nas versões finais dos contratos apresentados pela Instituição», diz o comunicado a que o SOL teve acesso. 

Contas aprovadas

Esta guerra entre CEO e charmain ganha novos contornos, numa altura, em que o Montepio vai aprovar em Assembleia-Geral (AG) as contas referentes a 2018. O encontro está marcado para segunda-feira e não só marca o fim do primeiro ano de mandato de Carlos Tavares à frente da instituição financeira, como também conta com novos acionistas. A AG vai ter uma nova configuração: a Associação Mutualista deixou de ser a única acionista, fazendo-se acompanhar por cerca de 30 Misericórdias e outras IPSS (mas que, ainda assim, representam apenas 0,0066% do capital social). 

 O banco apresentou um resultado líquido consolidado de 12,5 milhões de euros, depois de ter revisto as contas do consulado de José Morgado. O antecessor de Carlos Tavares deixou um resultado de 30 milhões de euros, mas que foi corrigido por Tavares para 6,4 milhões de euros na AG de maio do ano passado. Embora positivos, os lucros foram negativamente afetados por vários fatores.

Os resultados do banco podiam ter sido o dobro não fosse a coima aplicada pelo Banco de Portugal no valor de 2,5 milhões de euros. A alienação do Banco Terra Moçambique, que reduziu o lucro em 3,7 milhões de euros, a venda de uma carteira de crédito em incumprimento que valeu ao banco a redução do lucro em 8,4 milhões de euros e o custo da cobertura cambial de uma participação em reais para preservação de capitais, no montante de 4,1 milhões de euros, foram outras das causas que levaram a que os lucros não alcançassem os 30 milhões de euros.

Apesar destas operações, os resultados finais não são animadores. Em um ano, a instituição financeira perdeu 1.850 milhões de euros em ativo (menos 9,2% face a 2017), a carteira de crédito caiu 7,1% e o produto bancário registou uma quebra de 25,3%. Além disso, apresenta o segundo rácio mais alto de NPE (exposições ‘não produtivas’ em inglês, sobretudo crédito malparado) do sistema bancário (14,4%), a seguir ao Novo Banco. No ano passado, registou 1,9 mil milhões de euros em imparidades.

Tomás Correia na AR

O presidente da Associação Mutualista vai estar no Parlamento na terça-feira na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Tomás Correia foi administrador da CGD entre 2000 e 2003, estando por isso abrangido pelo período do relatório de auditoria da EY ao banco público, que avalia atos de gestão entre 2000 e 2015, e que deu origem à comissão de inquérito.

A audição ocorre numa altura em que já são conhecidos os novos membros do conselho diretivo da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – Margarida Corrêa de Aguiar e Caldeira Cabral – que tomarão posse no próximo dia 17 de junho, estando ainda em curso os processos de avaliação dos titulares de órgãos associativos da Associação Mutualista, com vista ao registo para o exercício da atividade, à luz da legislação que veio clarificar os poderes da ASF sobre a aferição da idoneidade dos administradores das Associações Mutualistas, onde se inclui Tomás Correia.

Nesta avaliação vai pesar o facto do atual presidente ter sido condenado, em contraordenação do Banco de Portugal, ao pagamento de uma coima de 1,25 milhões de euros por infrações cometidas quando era presidente do Banco Montepio. Além de Tomás Correia, outros sete administradores executivos foram condenados por contraordenações, assim como a instituição financeira do Montepio, que terá de pagar uma multa de 2,5 milhões de euros. Ao todo, foram identificados sete tipos de ilícitos.

Neste processo de avaliação, a ASF pode também pedir informações tanto ao Banco de Portugal como à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).