Luís Filipe Vieira não teve medo de arriscar e em janeiro de 2019 promovia Bruno Lage ao comando técnico da equipa principal do Benfica. Interinamente, é certo. Mas por pouco tempo. Numa altura em que os encarnados atravessavam um período conturbado e a contestação dos adeptos se fazia ouvir, com pedidos de demissão que tinham como alvo o então treinador das águias Rui Vitória, e até o presidente do clube da Luz, entrava em cena um novo treinador. O setubalense aterra, de resto, num momento em que a luta pelo título era já dada como uma miragem para os voos encarnados – a sete pontos do então líder e campeão nacional FC Porto, parecia uma espécie de missão impossível voltar a escalar até ao topo da tabela. Era isso mesmo que as estatísticas indicavam já que nunca antes se havia registado uma recuperação estando uma desvantagem como aquela em causa.
Por esta altura entrava-se na segunda volta da Liga portuguesa e pedia-se um percurso perfeito até ao final da época ao plantel encarnado.
E fez-se luz. O setubalense venceu os dois primeiros jogos enquanto técnico interino e voltou a colocar todos os nomes (sonantes) que eram dados como possíveis candidatos ao lugar na gaveta. Depois destes dois primeiros desafios, seguiram-se mais 17 jogos – ou, neste caso, finais, como Bruno Lage, entretanto oficializado como treinador definitivo, sempre preferiu apelidar.
O resto da história já é bem conhecida: 18 vitórias e apenas um empate foram a receita do sucesso que fez o Benfica escalar do quarto lugar para a liderança e, desta forma, alcançar o 37.º campeonato da história do clube.
O antigo treinador da equipa B também não fez questão de esconder os ingredientes do sucesso: a aposta na formação, com João Félix a encabeçar esta lista, fizeram da inicial decisão de risco do presidente tornar-se um tiro certeiro. Foi, de resto, nesta linha de pensamento que o líder máximo das águias havia apresentado o sucessor de Rui Vitória – um homem que «conhece bem os cantos da casa» e, por essa razão, a pessoa mais indicada para apostar nas jovens pérolas do Seixal.
Aos 43 anos, Bruno Lage conquistou o primeiro título na sua curta carreira, na primeira experiência na divisão principal do futebol nacional, tornando-se o treinador mais jovem a sagrar-se campeão pelo Benfica desde Toni, que, em 1988/89, com 42 anos, conduziu o Benfica ao título [ver pág. seguinte]. Mais: O técnico setubalense tornou-se o 19.º treinador campeão nacional pelo Benfica, sendo apenas o quinto português: antes dele, só Mário Wilson (75/76), Toni (88/89 e 93/94), Jorge Jesus (09/10, 13/14 e 14/15) e Rui Vitória (15/16 e 16/17). Refira-se que, em 1967/68, Fernando Cabrita fez a transição entre o chileno Fernando Riera e o brasileiro Otto Glória, no que foi a única outra ocasião em que o Benfica se sagrou campeão após trocar de treinador a meio da época.
Na altura de receber a medalha, Bruno Lage lembrou Jaime Graça, velha glória das águias que o encorajou a seguir o percurso de treinador no início de carreira.
Ainda antes de ter confirmado o Marquês de Pombal como o destino encarnado, o antigo treinador da equipa B das águias já tinha merecido a confiança do presidente para assumir o comando da equipa na próxima época 2019/20.
«Já nos pedem o 38, é essa exigência de um grande clube, mas o mais importante agora é viver o 37. Da maneira que chegamos aqui, foi de treino a treino, jogo a jogo, e a nossa vida pessoal é assim também», referiu aquele que já é considerado pelos adeptos o principal obreiro desta conquista.
Também Luís Filipe Vieira fez questão de lembrar o percurso sinuoso até à reconquista (lema com que foi baptizada a época encarnada pelo clube). Durante o discurso, o dirigente do clube lisboeta também colocou Bruno Lage como o rosto principal do triunfo, mas não se esqueceu das difíceis decisões a que esteve sujeito até à hora de abrir o champanhe: «Nas alturas mais adversas, acho que fui um gajo com uns tomates muito fortes para tomar determinadas decisões».