Não há melhor ilustração da preocupação com as alterações climáticas que um secretário-geral das Nações Unidas com água pelos joelhos. Em Tuvalu, uma ilha do Pacífico que arrisca ficar submersa, António Guterres entrou mesmo na água (ao contrário do que muitos pensam, a imagem não é produto do Photoshop), para assumir a liderança do combate às alterações climáticas, num momento em que os movimentos ambientalistas ganham crescente capacidade de mobilização. «Cada vez mais, vemos os Governos seguirem a opinião pública», relembrou o secretário-geral, em entrevista à revista Time.
Os vários movimentos e partidos ambientalistas em Portugal são unânimes quanto ao crescimento visível do interesse em assuntos ambientais. «Hoje em dia nota-se que esta luta [contra as alterações climáticas] não é só de alguns cientistas, organizações não-governamentais e políticos mais sensíveis», considera o presidente da Quercus, Paulo do Carmo. «Há uma nova geração, que apesar de ter preocupações como o emprego e a habitação, também está preocupada com questões ambientais». Apesar dos jovens estarem «um pouco mais de costas voltadas para política tradicional» – como se vê pela elevada taxa de abstenção – o presidente da Quercus assinala o surgimento do «movimento estudantil mundial» liderado pela sueca Greta Thunberg e que apela à ação dos políticos para combater as alterações climáticas.
Portugal não fugiu ao crescimento destes movimentos, impulsionados sobretudo pelos mais novos, como demonstraram as greves climáticas de março e maio, um pouco por todo o país. «Ou é agora ou não é nunca», assegura Matilde Alvim, uma das organizadoras da greve. A estudante considera «importantíssimos» os apelos de Guterres, dado que os problemas climáticos «só podem ser resolvidos com cooperação internacional». Mas não é fácil mobilizar para questões que parecem tão longe do quotidiano. «Muitas vezes só nos apercebemos dos efeitos [das alterações climáticas] quando chegam à nossa porta, com incêndios e vagas de calor», afirma Matilde.
Uma opinião partilhada por Sinan Eden, ativista do Climáximo: «Quando um incêndio acontece em Portugal ou Itália é notícia, em países como a Índia não». E nota que antes deste aumento da visibilidade dos movimentos ecologistas, «a crise já estava a mobilizar milhões de pessoas no Sul global» – ou seja, nos países em desenvolvimento. Agora, «a crise climática chegou ao Norte global», algo que tem levado «a uma maior sincronização entre a opinião pública e o que a ciência diz».
Tratar a atmosfera como um esgoto
Apesar desta onda ecologista global, é notório o reforço de Governos que negam as alterações climáticas, como os executivos de Jair Bolsonaro e Donald Trump. Sinan vê a base desta polarização no falhanço do «capitalismo verde» – a transição ambiental mediada por uma lógica de mercado. Ficam a sobrar dois caminhos diametralmente opostos: «Ou se muda o sistema, ou se agarra nele como está, mantendo-o numa crise permanente. Algo que só é possível com políticas muito autoritárias», considera o ativista do Climáximo.
Já o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, não considera impossível enfrentar as alterações climáticas numa sociedade virada para o mercado. Mas são necessárias regulações que impeçam que «se trate a atmosfera como um esgoto onde podemos deitar carbono à vontade» – algo que «tem que se refletir nas atividade económicas». O ambientalista refere que a deslocalização de empresas poluentes, para evitar regulações mais apertadas, «continua a ser uma ameaça permanente», levando até que muitas indústrias tenham «licenças de emissões dadas gratuitamente, para evitar que vão para outros países». «É um jogo difícil de jogar», diz, lembrando que «pode haver países europeus neutros em carbono, mas porque grande parte da sua pegada está noutros países como a China, que produziram muitos dos bens que consomem».
Cimeira de Nova Iorque
As expectativas estão altas para a cimeira climática de Nova Iorque, marcada para 23 de setembro deste ano. Guterres expressou esperança que em Nova Iorque se consiga alcançar um acordo para uma subida de temperatura inferior aos 1,5ºC, a linha vermelha a partir da qual há um «aumento significativo do risco de secas, cheias, calor extremo e pobreza para centenas de milhões de pessoas», segundo relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
Apesar disso, o objetivo do Acordo de Paris limitou-se a tentar manter a subida abaixo dos 2ºC. Algo que ficou longe de ser cumprido, dado que os compromissos estabelecidos eram definidos pelos próprios Estados, cujo conjunto de cortes de emissões propostos nem chega para ficar abaixo dos 3ºC, segundo o Climate Action Tracker. Além disso, tem sido salientado o facto de o Acordo de Paris não prever qualquer tipo de penalização para países em incumprimento.
«Estamos na direção do caos climático», afirma Sinan Eden, que não esquece a primeira concentração ambientalista em que participou. O então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, visitava Lisboa, em 2014, após «convocar uma cimeira, em Nova Iorque, nos mesmos moldes, o mesmo discurso. E deu na mesma coisa. Sairiam com uma grande vitória, por assinar um papel». Entretanto, «os interesses privados continuam a ser representados pelos Governos».
Apesar de admitir as limitações dos acordos em vigor, Francisco Ferreira salienta os progressos conseguidos: «O Acordo de Paris criou os mecanismo para a descarbonização mundial mas não está a ter os resultados necessários». O presidente da Zero acrescenta: «Mais do que haver penalização, precisamos de entendimentos à escala mundial». Sobretudo em «setores que estão a crescer muito, como a navegação e a aviação». O ambientalista relembra que «o acordo de Paris é um acordo dinâmico e que esses compromissos vão ser revistos», como por exemplo na cimeira de setembro.
Maré verde
Dê por onde der, a cimeira climática de Nova Iorque vai ser um evento seguido de perto pela população mais sensível aos assuntos climáticos. Um entusiasmo bem desmonstrado pelo crescimento dos Verdes europeus nas eleições de 26 de maio, representados em Portugal pelo PAN.
Francisco Guerreiro, o primeiro eurodeputado do PAN, mostra entusiasmo com o foco de Guterres nas questões climáticas – e não prescinde de comprar a Times deste mês. Contudo, não partilha de modo algum as esperanças do secretário-geral da ONU quanto aos acordos. «Não está a funcionar, não estamos a cumprir as metas coletivas, os países não estão a fazer o suficente para alterar o seu modo de produção e consumo». O eurodeputado critica: «Há muita retórica mas falta de prática política real, nos sistemas nacionais e no Parlamento Europeu». Guerreiro defende que não há contradição em viver numa sociedade virada para o lucro, desde que haja atenção «à sobrevivência da espécie humana», com «mercados bem regulamentados, que funcionem em benefícios dos humanos e do ambiente». Mas alerta: «O próprio mercado regular as questões relacionadas com as alterações climáticas é uma falácia provada». O eurodeputado defende taxas nas áreas mais poluidoras, mencionando «algo que nunca falamos», o facto de que «os exércitos têm uma grande pegada [ecológica]», acusando as forças armadas por todo o globo de «terem cheques em branco para poluir».
Outro partido com um foco particular nas questões ecologistas é o Partido Ecologista os Verdes (PEV), que expressou grande satisfação com o recente crescimento dos movimentos ambientalistas, pela voz de Mariana Silva, da Comissão Executiva do Conselho Nacional do PEV. Silva relembrou que os verdes andam «a falar de questões ambientais desde os anos 90», mas que apesar do recente entusiasmo é preciso medidas concretas contra as alterações climáticas, como «a melhoria dos transportes públicos, ou o capital deixar de explorar os recursos naturais, para podermos fazer as mudanças necessárias para enfrentar as alterações climáticas». A dirigente ambientalista afirmou: «Não podemos continuar a exigir só do indivíduo que mude de comportamentos. Precisamos de opções políticas sérias».